domingo, 28 de abril de 2013

O conceito de interesse público nos quatro cantos do mundo administrativo


Lígia Rocha Nº21500
Nota introdutória
Indiscutivelmente qualquer ordem jurídica que se pretenda justa deve primar pelo respeito e pela garantia dos direitos legítimos de todo e qualquer cidadão. Contudo, as concepções e as funções do interesse público não prescindem do contexto a partir do qual assumem operatividade. A cultura jurídica de cada país denota peculiaridades que se reflectem em acentuadas variações de abordagem e de interpretação do interesse público.

“É o conceito de interesse público que expressa melhor a ideia central do Direito Administrativo, e é a partir dele que todos os outros conceitos ganham sentido e assumem operatividade”[1]

No Brasil, MEIRELLES entendia o interesse público como o conjunto de anseios legítimos de toda a comunidade ou de parcela relevante dos seus membros. Para MEDAUAR esta expressão associa-se ao bem de toda a colectividade e às exigências da vida social. BANDEIRA DE MELLO diz que o interesse público é o interesse do toda a sociedade jamais se confundindo com o somatório dos interesses individuais. Nos últimos tempos[2], tem havido uma discussão acesa na doutrina falando-se numa crise conceitual do interesse público. FARIA assinala a insuficiência do critério do interesse público no balizamento das políticas públicas, lembrando que o ponto de equilíbrio entre o público e o privado é sempre ténue, precário e instável. Para MARQUES NETO, a noção de interesse público está a passar por uma crise endógena que resulta de que o carácter absoluto da noção de interesse público tem-se fragmentado desde o advento do bem-estar social; e uma crise exógena tendo em conta que o colapso do conceito a partir dos processos que afectam a centralidade e a delimitação do poder decisório estadual, relacionados com a internacionalização da economia e a fragmentação social.
Nos Estados Unidos, de acordo com BODENHEIMER, o interesse público teria a função de fomentar o equilíbrio, na medida em que num sistema social preza o indivíduo e almeja preservar os seus direitos, deve haver uma tensão dialéctica entre a liberdade individual e a necessidade pública. Para FLATHMAN o interesse público é um conceito geral de recomendação utilizado para seleccionar e justificar políticas públicas. Ele não contém nenhum significado geral, inalterável e descritivo aplicável a todas as decisões políticas mas um significado descritivo e não-arbitrário que pode ser determinado para ele em casos particulares.
Na Inglaterra, BARRY[3] entende que a esfera do interesse público somente poderá ser compreendida no contexto do papel desempenhado pelas pessoas no corpo social, concebendo o interesse público como aquele que se afere na óptica dos indivíduos na qualidade de cidadãos.
Na Alemanha, WOLF, BACHOF e STOBER o interesse público é o fundamento e limite da Administração, orientando a sua aplicação, interpretação e ponderação, materializando os interesses inequívocos da Comunidade, rumo à existência de uma ordem social pacífica.
Em Portugal, MARCELLO CAETANO salientava que o interesse público era é ideia dominante de todas as normas jurídico-administrativas. FREITAS DO AMARAL[4] refere o conteúdo variável do interesse público, sendo ele o principal motivo determinante de qualquer acto da Administração. MARCELO REBELO DE SOUSA[5] entende que a prossecução do interesse público reporta-se ao conteúdo do acto, encarando com referência ao fim legalmente vinculado. Para VASCO PEREIRA DA SILVA[6], a satisfação do interesse público pressupõe o devido enquadramento da relação jurídica Administração-cidadãos, numa identidade de posições de base. CABRAL DE MONCADA entende que a imprecisão na determinação do interesse público é uma consequência inevitável da complexidade das matérias a regular no moderno Estado Social, mas também da sua própria modificabilidade que “hoje pode requerer determinado quadro legislativo, amanhã outro ao sabor do rápido evoluir das circunstâncias”.

Conclusões
Face a tão diferentes perspectivas é inevitável questionar-nos se seria possível conciliar estas diferentes concretizações do conceito de interesse público, harmonizando-as formando um conceito amplo de direito público, sendo que estas diferentes perspectivas reflectem diferentes aspectos ou facetas da mesma realidade total, conformativa do interesse público. Tendo em conta que as diferentes noções de interesse público não são estanques, o que importa são as circunstâncias conducentes à identificação da preponderância dos elementos caracterizadores de uma ou outra dimensão do interesse público no caso concreto.



[1] ANDRÉ DE VASCONCELOS DIAS, O Interesse Público no Direito Comparado, Lisboa  , 2008
[2] JOSÉ EDUARDO FARIA, Governabilidade, Interesse Público e Antinomia Jurídica, In, Revista do Ministério Público, Lisboa, 1998 nº 74
[3] LUÍS FILIPE ANTUNES COLAÇO, Para um contencioso Administrativo de garantia do cidadão e da Administração, Almedina, 2000
[4] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol.II Almedina, 2001
[5] MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, Vol.1 Lisboa, 1999
[6] VASCO PEREIRA DA SILVA, Em busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 1998

Errar é humano… E a Administração, também erra? – Erros de discricionariedade


Lígia Rocha Nº21500

A discricionariedade[1] consiste numa liberdade conferida por lei à Administração para que escolhe de entre várias alternativas, aquilo que é possível fazer dentro de várias possibilidades anteriormente conferidas por lei. Ela existe para permitir uma conformação jurídica concreta às circunstâncias especiais do caso real, onde o legislador se limita a fixar a finalidade da norma.
No contexto do controlo jurisdicional, o moderno Direito Administrativo Alemão diferencia três tipos de erros de discricionariedade que devem ser verificados de forma complementar às exigências processuais gerais de cada caso.
Em primeiro lugar, o excesso, que reflecte as situações de ultrapassagem dos limites legais da discricionariedade, ou seja, quando a autoridade administrativa escolhe uma consequência jurídica que não se enquadra dentro do poder outorgado a título do poder discricionário. OTTO BACHOF[2] afirma que no excesso de discricionariedade (que é um vício abstracto da conduta), são ultrapassados os limites externos da discricionariedade legalmente estabelecidos para o órgão administrativo, sendo adoptado um efeito jurídico que não está coberto pela discricionariedade atribuída. Cita como exemplo a adopção de medidas que não são necessárias no sentido do direito policial, ou ainda a detenção de manifestantes quando fosse suficiente a mera dissolução da manifestação.
Por outro lado, a carência ou insuficiência que acontece quando a Administração fica aquém da discricionariedade, não porque seja obrigada a realizar um preceito, mas porque não exerce um poder discricionário de que dispunha pois pensava estar vinculado a uma lei ou ordem administrativa mesmo por negligência.
Finalmente, a figura do abuso da discricionariedade quando esta é usada para fins diversos da autorização. Há, na verdade um desvio de poder uma vez que a autoridade se deixa levar por fins diversos da discricionariedade. Seja por erro ou dolo, a autoridade administrativa, acaba por ultrapassar os limites juridicamente impostos.
A autonomia do poder público que é conferida dentro de um poder discricionário existe graças a uma abertura de uma norma específica prévia. Tal autonomia é na verdade uma forma peculiar de aplicação das normas jurídicas. Por a discricionariedade obedecer a uma margem de vinculação, uma vez que a norma que confere o poder impõe uma finalidade fora da qual não pode o agente desviar-se quanto ao exercício do poder que lhe foi conferido
SÉRVULO CORREIA[3] ressalva que a norma jurídica que concede a discricionariedade vem sempre referida a um interesse público que deverá ser especificamente prosseguido pela actuação para a qual habilita, estando por isso a actuação discricionária da Administração amplamente limitada.
Assim, os actos administrativos discricionários só estarão a cumprir a lei se realmente se mantiverem dentro dos padrões da razoabilidade e da proporcionalidade.


[1] INGRID PATRÍCIA FÉLIZ DA CRUZ, A Tridimensionalidade do Princípio da Proporcionalidade como limite da discricionariedade Administrativa, Lisboa 2008
[2] OTTO BACHOF, Direito Administrativo I, Fundação Calousten Gulbenkiam, 2006
[3] SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual, Almedina, 1987

Legalidade e ilegalidade dos actos jurídicos da Administração


Um acto legal da administração é um acto que respeita os respectivos requisitos de legalidade, sendo portanto juridicamente conforme. Um acto ilegal da administração é um acto que, por não respeitar um dos seus requisitos de legalidade, se apresenta numa situação de desconformidade com o bloco de legalidade.
Um acto legal da administração é necessariamente válido e regular; já um acto ilegal da administração pode ser inválido ou simplesmente irregular.

1.      Ilegalidade e vícios
As formas específicas de manifestação da ilegalidade designam-se como vícios. Os vícios destes podem ser subjectivos e objectivos e, dentro dos últimos, formais, materiais e funcionais. Por outro lado, os vícios podem ser próprios ou consequentes, consoante afectem directamente o acto que deles padece ou actos anteriores dos quais a legalidade daquele depende.

2.      Ilegalidade e invalidade
Como consequência da sua desconformidade com o bloco de legalidade, os actos da administração são objecto de um juízo desfavorável por parte da ordem jurídica, que envolve a cominação de consequências negativas. A ilegalidade dos actos jurídicos imateriais traduz-se normalmente na sua invalidade. Esta consiste na inaptidão intrínseca de determinado acto para a produção estável dos efeitos por si visados. O acto inválido pode produzir efeitos de forma precária.

3.      Invalidade e desvalores jurídicos

a)      Nulidade
                                  i.          Critério e âmbito da nulidade
E princípio, os actos da administração são nulos quando incorrem de ilegalidades de tal modo graves que, perante elas, a ordem jurídica reclama o restabelecimento integral do interesse violado. O restabelecimento integral do interesse violado é assegurado pelo regime legal dos actos nulos, que tem precisamente por base a sua total improdutividade jurídica.

                              ii.            Regime da nulidade
®    Os actos nulos não produzem qualquer efeito jurídico, independentemente de declaração jurisdicional ou administrativa;
®    Não têm carácter vinculativo e não são susceptíveis de execução coerciva;
®    A invocação da sua nulidade não esta sujeita a qualquer prazo, pelo que não acarreta a sua consolidação na ordem jurídica;
®    São insanáveis;
®    Podem ser desobedecidos por qualquer sujeito jurídico e a sua nulidade pode ser oficiosamente conhecida, embora não necessariamente declarada com força obrigatória geral, por qualquer órgão administrativo ou jurisdicional;
®    São irrevogáveis, mas susceptíveis de declaração de nulidade.

b)      Anulabilidade
                                i.            Critério e âmbito da anulabilidade
A anulabilidade corresponde a situações de violação do interesse publico menos graves que as conducentes à nulidade, pelo que a necessidade de reposição do interesse publico violado, conducente à eliminação dos efeitos do acto jurídico viciado, tem que ser compatibilizada com outros interesses públicos ou privados, conducentes à preservação dos efeitos do acto jurídico viciado.

                              ii.            Regime da anulabilidade
®    Podem produzir efeitos jurídicos, desde que reúnam os respectivos requisitos de eficácia;
®    Na medida em que sejam eficazes, têm carácter vinculativo e são susceptíveis de execução coerciva;
®    A sua anulabilidade só pode ser invocada durante determinado prazo, findo o qual o acto anulável se consolida na ordem jurídica;
®    São sanáveis mediante ratificação, reforma ou conversão;
®    As consequências associadas à sua invalidade só podem ser efectivada após anulação jurisdicional ou revogação administrativa;
®    Não são passíveis de desobediência pelos diversos sujeitos jurídicos, e a sua invalidade pode ser conhecida apenas por um número restrito de órgãos da administração, bem como, a título não oficioso, pelos tribunais administrativos;
®    São susceptíveis de revogação.

c)      Desvalores atípicos
A nulidade e anulabilidade são os desvalores típicos dos actos jurídicos da administração, aos quais correspondem regimes também típicos. Mas a lei pode, para ilegalidade determinadas, cominar desvalores cujo regime não se reconduz integralmente a qualquer um deles, ou seja, desvalores atípicos.

4.      Ilegalidade e irregularidade

a)      Critério e âmbito da irregularidade
É a consequência reservada pela ordem jurídica para os actos que padeçam de ilegalidades pouco graves e, como tal, tidas como insusceptíveis de afectar de forma essencial a produção de efeitos estáveis pelos actos viciados em causa. Subjacentes aos casos de irregularidade podem estar apenas vícios competências e formais e nunca vícios materiais ou formais.

b)      A depreciação da invalidade em mera irregularidade: degradação da forma e de formalidade e aproveitamento do acto
      Por vezes, a ordem jurídica comina a invalidade para um acto jurídico da administração que padece de determinado vício, mas permite que, reunidas determinadas circunstâncias, o cato em causa possa ser considerado como simplesmente irregular. Este fenómeno é exclusivo dos vícios formais.

c)      Regime da irregularidade
       O regime típico dos actos irregulares é fundamentalmente idêntico ao dos actos legais regulares. A irregularidade pode, no entanto, acarretar uma depreciação dos efeitos secundários dos actos jurídicos afectados, sem afectar os seus efeitos principais. Pode dar origem a responsabilidade disciplinar e civil dos seus autores.

Catarina Costa Dias
Nº 19548

sábado, 27 de abril de 2013

A (in)flexibilidade do princípio da legalidade


Lígia Rocha Nº21500
Nota inicial
O princípio da legalidade advém da grande preocupação de criação de uma estrutura limitadora do Poder, diante do trauma resultante do modelo estatal absolutista. Nos últimos tempos, abandona-se a concepção de um Administração serva fiel da lei, de mera espectadora e aplicadora mecânica da lei, para se construir uma postura mais activa e com um compromisso com os ditames da Justiça[1]

“Nos nossos dias, o incremento das actividades do Estado revelou a incapacidade de a lei tudo prever e tudo prover.” [2]

A administração goza de amplos poderes para interpretar as normas e integrar eventuais lacunas não se limitando a critérios cronológicos e de especialidade[3]. A Administração possui a prerrogativa de densificar conceitos e resolver conflitos podendo valer-se dos mais variados mecanismos e interesses disponíveis, tendo um protagonismo na harmonização das diferentes normas, constituindo uma veia integradora orientada à solidificação de bens, valores e interesses consagrados constitucionalmente[4].
A administração configura-se como conformadora da sociedade congregando funções políticas regulamentares, planificadoras administrativas, militares de natureza económica social financeira e cultural. Frequentemente a doutrina refere-se à administração como guardiã da constituição, uma alusão metafórica que significa que é a Administração que determina o interesse público, interpreta os fins do Estado, fixa tarefas e escolhe os meios materiais para tanto. Contudo, ela está subordinada à Constituição e a valores que lhe são superiores devendo a Administração defender e assegurá-los.
Hoje interpreta-se o princípio da separação de poderes não como uma verdadeira separação, mas sob uma perspectiva de equilíbrio, harmonia e moderação, determinável a partir do elenco de competências consagrados na Constituição. A Administração não possuiu legitimidade activa para remeter uma norma inconstitucional ao Tribunal Constitucional, nem tão pouco desaplicá-la. A administração tem de respeitar a competência conferida a cada um dos poderes com o intuito de impedir a concentração de poderes e o arbítrio.
Por outro lado, para qualquer sociedade é imprescindível o valor da segurança jurídica, tendo de haver um padrão de conformidade e jamais um tratamento aleatório e casuístico.
Além disso, a Administração Pública deve respeitar as normas compromissórias, respeitando as orientações correspondentes à ideologia politica, económica cultural social e religiosa de cada país.
A complexidade da realidade actual, plasmada por constantes avanços e inovações fez ruir a idolatraria pela lei. A falibilidade e a imperfeição da lei não se apreendem apenas pela sua incapacidade ser sempre moderna ou contemporânea, manifestando-se igualmente pela constatação dela não poder espelhar com fidelidade todos os bens, valores e interesses socialmente relevantes.

Nota final
Cientes da impossibilidade de a lei abarcar toda a realidade, e de se verificarem hipóteses excepcionais em que o princípio da legalidade deve ceder o espaço a outros princípios, podemos dizer que se encontra numa posição paritária com os demais princípios,
É inegável a impotência do Direito positivado para a englobar a realidade infinitamente aberta, complexa e ônticamente indeterminada, servindo as normas jurídicas como veículos aos valores do nosso ordenamento jurídico.




[1] PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública – O sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina, 2003
[2] JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Coimbra, 2000
[3] SÉRVULO CORREIA, Interpretação Administrativa das leis, In A feitura das leis Vol II, Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1986
[4] MICHELLE RIBEIRO MORRONE, Revitalização do Princípio da legalidade na prática de actos administrativos frente a bens, valores e interesses constitucionais, Lisboa, 2005

Mandamentos do Procedimento Administrativo


                                                                        Lígia Rocha Nº21500
Nota introdutória
A construção constitucional de um Estado de Direito Democrático é uma unidade onde os valores ali consagrados hão-de conviver harmoniosamente para a sua possível consecução prática. Expor-se-á uma visão panorâmica dos princípios[1] direccionados ao procedimento administrativo dentro da concepção legislada do procedimento no direito positivo.

“O procedimento harmoniza interesses, acomoda conflitos, estimula a eficiência da função administrativa”[2]

1 – Legalidade – trata-se de um verdadeiro princípio geral de Direito Administrativo concebido como conforme ao Direito e à Constituição, conduzindo a uma ideia justa da lei, fora de uma visão permanente formalista, dentro de uma eleição dos valores constitucionais art.266 nº2 CRP e art.3 CPA
2 – Igualdade – Em procedimentos envolvendo particulares a Administração deve agir com isonomia. Em procedimentos que envolvam o poder público e o particular deverá agir com impessoalidade. A Administração deve tratar igualmente os cidadãos que se encontrem em situação objectivamente idêntica e desigualmente aqueles cuja situação for objectivamente diversa art.124 nº1 d); art.13 e art.266 nº2 CRP
3 – Imparcialidade – Exigência de objectividade sobretudo na fase instrutória do procedimento e na ponderação dos interesses aludidos. A Administração deve comportar-se sempre com isenção e ter o mesmo comportamento perante todos os particulares que com ela se encontrem em relação sem discriminação nem privilégios art.266 nº2 e art.6 e 44 CPA. 
4 – Finalidade – A administração somente pode actuar dentro da finalidade prevista em lei, de acordo com as suas competências, sendo que as normas procedimentais devem-se reconduzir no rumo da finalidade pública a que se dirigem, exigindo que a condução procedimento seja adequada de modo a não comprometer o interesse público
5 – Motivação – Impõe que os actos praticados no processo administrativo sejam fundamentados o que permite aferir a conformidade dos actos com a legalidade
6 – Razoabilidade – impõe que a administração actue dentro de critérios aceitáveis, de maneira mesmo onerosa para o poder público e para o particular
7 – Proporcionalidade – Ponderação, equilíbrio de valores e interesses com a finalidade perseguida e os resultados efectivamente obtidos: adequação dos fins aos meios, proibindo sanções e restrições superiores ao estritamente necessário
8 – Boa – fé – Adopção de critérios objectivos, baseados nos princípios estruturantes do ordenamento jurídico durante o procedimento
9 – Moralidade - Boa conduta no agir administrativa, estando a administração submetida não só a regras formais mas a princípios materiais de direitos
10 – Ampla defesa e Contraditório – Abrange o dever de informar o interessado dos actos do procedimento como também o direito de defesa do particular
11- Segurança jurídica - evitar desconstruir actos que geraram efeitos concretos nas relações jurídicas sem que haja motivação ampla e juízo de razoabilidade
12 – Interesse Público – O procedimento administrativo deve ser conduzido tendo em vista o interesse público, mesmo que esse interesse seja reflexamente contrário ao interesse do particular
13 – Eficiência – A administração tem o dever de optimizar as suas infra-estruturas em termos de custo e de qualidade art.10 CPA
14 – Colaboração da Administração – A Administração será civilmente responsabilizada pelos danos causados pela não prestação da informação ou pela informação defeituosa
15 – Participação – Apela à audição dos indivíduos e entidades associativas em termos de processo decisório art.8 CPA
16 – Decisão – Dever de pronuncia, de conclusão dos procedimentos instaurados à Administração art.9 CPA
17 – Formalismo moderado – O formalismo deve ser restringido ao que for necessário, devendo o procedimento ter um significado instrumental não sendo um fim em si próprio
18 – Oficiosidade – A administração pública tem o dever de dar prosseguimento ao processo podendo por sua conta providenciar a produção de provas solicitar pareceres, fazendo tudo  aquilo que for necessário para que se chegue a uma decisão final conclusiva
19 – Verdade material – A posição da administração não deve estar adstrita à “verdade documental”, não podendo ignorar o conhecimento de factos mesmo que não constem das provas documentais
20 – Publicidade – Condição de eficácia para todas as etapas do procedimento administrativo
21 – Gratuitidade – Ausência de custos processuais, não se oneram os interessados, salvo nos casos previstos por lei

Nota Final
Como conclusão, salienta-se que os princípios do procedimento administrativo têm carácter inter-relacional, jamais sendo possível vislumbrar um deles de maneira isolada[3]. Por isso mesmo, aplicam-se no procedimento administrativo com a mesma lógica de aplicação a todo o regime jurídico-administrativo.




[1] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol.II Almedina, 2001
[2] LUZIÂNIA CARLA PINHEIRO BRAGA, Audiência dos interessados no Procedimento Administrativo, Lisboa, 2008
[3] MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, Vol.1 Lisboa, 1999

Até onde pode ir a Administração? – A (des)aplicação pela Administração de normas inconstitucionais


Lígia Rocha Nº21500
Nota inicial
Apesar dos direitos fundamentais terem sido criados para a defesa do cidadão contra o Estado, devem pressupor a existência de um poder que os assegure. Contudo, o nosso ordenamento não prevê uma competência específica do poder executivo para a fiscalização da constitucionalidade.

“A afirmação plena dos direitos fundamentais de uns não pode fazer-se sem o prejuízo de valores constitucionais essenciais, que somada à indeterminação normativa, acaba por gerar contradições”

A questão de Administração deixar de aplicar leis por entendê-las inconstitucionais por violarem direitos fundamentais tem criado grande controvérsia na nossa Doutrina[1].
BLANCO DE MORAIS[2] afirma ser possível a desaplicação da lei pelo Tribunal Administrativo. Em primeiro lugar, quando há vícios lógicos ou existe uma contradição lógica com as normas que violem direitos fundamentais e sejam exequíveis por si próprias. Além disso, a Administração pode desconsiderar a lei e aplicar directamente o preceito constitucional, cabendo-lhe uma interpretação conforme à constituição.
MELO ALEXANDRINO[3] entende que não deve ser conferida esta possibilidade à Administração. Por outro lado, vê-se que o legislador constituinte não quis estender o poder de desaplicação de normas inconstitucionais à Administração Pública, por ter erguido uma dificuldade adicional ao submeter a Administração ao princípio da legalidade. Invoca também um argumento sistemático confrontando a solução dada pelo legislado aos tribunais que também estão vinculados à lei art.202 nº2 e 203 CRP, prevendo expressamente o poder de estes desaplicarem normas que infrinjam regras ou princípios constitucionais art.204 CRP. Semelhante poder jamais poderá ser pensado para a Administração por razões de certeza e segurança jurídica. No entanto admite excepções: no caso de leis juridicamente  inexistentes; e de leis que configurem uma “grosseira e patente violação” de um direito liberdade e garantia.
JORGE MIRANDA[4] não reconhece aos órgãos administrativos qualquer faculdade de fiscalização da constitucionalidade, tendo em conta que o princípio da legalidade administrativa é um dos esteios básicos Estado de direito. Devido à estrutura multifacetada da Administração, a admissibilidade desta possibilidade poderia levar a vários inconvenientes de insegurança e de ineficácia. Salienta que nesses casos os agentes administrativos podem sempre submeter as questão aos órgãos superiores, mas que até à decisão de inconstitucionalidade permanecerão vinculados à lei, sendo a responsabilidade do Estado art.22.ºCRP.
VIEIRA DE ANDRADE[5] entende que a admissão dessa possibilidade geraria uma verdadeira anarquia administrativa, podendo a utilização errónea da competência causar prejuízos irrecuperáveis a interesses de particulares ou a interesses públicos relevantes. Contudo, não deve haver uma presunção absoluta da constitucionalidade das leis e negar a possibilidade de desaplicar normas inconstitucionais à Administração seria negar a aplicabilidade directa dos direitos fundamentais. No entanto esta possibilidade não se deve estender a normas que já tenham sido apreciadas pelo Tribunal Constitucional e que este não se tenha pronunciado sobre a sua inconstitucionalidade; que só é admissível a desaplicação em casos de inconstitucionalidade material e não formal. Por fim, essa faculdade só deve estar reservada aos órgãos superiores da Administração.
PAULO OTERO[6] defende que não se trata de a Administração declarar um acto inconstitucional que seria uma afronta ao modelo de repartição de poderes, mas a admissibilidade de uma verwerfunskompetenz, ou seja, de uma competência de rejeição de leis e actos jurídicos violadores dos direitos fundamentais.
ASSUNÇÃO ESTEVES invoca que a aplicação desse tipo de normas recairia em nulidade, podendo o particular recorrer contra os poderes públicos.
GOMES CANOTILHO, a este respeito diz-nos que leis que violem directamente o conteúdo essencial dos direitos fundamentais são, na verdade, inexistentes, podendo os particulares exercer o seu direito de resistência.

Nota conclusiva
Extraímos desta breve análise que a maior parte da Doutrina nega a possibilidade de desaplicação de normas inconstitucionais à Administração por razões de segurança e separação de poderes. Por outro lado, mesmo aqueles que a admitem, são bastante restritivos enumerando vários requisitos para que a Administração exerça essa faculdade. Entendemos que esta “lacuna” não é relevante, porque em termos práticos é muito difícil existir uma lei que viole um direito fundamental, e se tal acontecer existem numerosos mecanismos, para evitar a sua aplicação.


[1] INGRID PATRÍCIA FÉLIX DA CRUZ, Limites do poder de recusa pela administração de aplicação da lei por afectação de direitos fundamentais, Teses ULFD
[2] CARLOS BLANCO DE MORAIS, Justiça Constitucional, Tomo I, Coimbra 2002
[3] JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Direitos Fundamentais: Introdução geral, Principia, 2007
[4] JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Coimbra, 2000
[5] JOSÉ CARLOS VIERA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, Almedina, 2004
[6] PAULO OTERO, O sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina, 2007

domingo, 21 de abril de 2013

Lei do Acesso aos Documentos da Administração e Conflitos entre Direitos Originados



Ao analisar melhor o conteúdo do Código do Procedimento Administrativo deparei-me com a Lei de Acesso aos Documentos da Administração (LADA) e veio-me ao pensamento os conflitos que esta Lei poderá originar, nomeadamente no que diz respeito ao direito à informação e ao direito à reserva da intimidade e vida privada. Desta forma decidi, não só analisar este diploma normativo, como fazer uma pesquisa sobre as vantagens e os problemas que esta poderá criar aos particulares.
Começo então por indicar que a Lei em análise é a Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto e regula o acesso aos documentos administrativos e a sua reutilização, agindo, tal como demonstrarei mais adiante, como garantia efectiva do direito à informação dos administrados, de acordo com os princípios da publicidade, transparência, igualdade, justiça e imparcialidade, senão vejamos:
Primeiramente irei analisar e dar a conhecer a LADA, seguidamente, o trabalho e funções da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e por fim, as vantagens e inconvenientes que esta Lei apresenta.
Assim, relativamente à LADA, importa antes de mais, compreender o que se entende por documento administrativo, recorrendo-se para tal ao art. 3º/a da mesma, sendo então «qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome.»
Já por documento nominativo, igualmente passível de ser requerido, mas mais restrito, refere a alínea b do citado artigo que este diz respeito a «um documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada.»
Ora, esclarecido o alcance dos documentos a que a Lei é aplicável, é o seu art. 6º que refere as restrições ao direito de acesso que é de todos, tal como enuncia o art. 5º, sem que haja qualquer necessidade de invocar um interesse.
No entanto, há que ter em atenção, que nem todos os documentos estão à disposição do particular, desde logo, aqueles que contenham informações cujo conhecimento seja avaliado como podendo pôr em risco ou causar dano à segurança interna e externa do Estado, sendo estes inacessíveis ou de acesso sob autorização, durante o tempo estritamente necessário.
Perguntar-nos-emos agora, quem é então o responsável por tais documentos e pelo cumprimento da Lei, pois bem, cada ministério, secretaria regional, autarquia local, instituto público, associação pública, fundação pública, empresa pública, empresa regional, empresa intermunicipal e empresa municipal está incumbida de designar quem o faça.
Cabe aos órgãos e entidades a que se refere o artigo 4.º da Lei assegurar a divulgação, designadamente através da sua informatização em bases de dados que facilitem o acesso ao público, devendo as mesmas ser actualizadas, pelo menos, semestralmente. Nomeadamente contam-se entre os documentos a ser divulgados os seguintes:
a)      Todos os documentos, designadamente despachos normativos internos, circulares e orientações, que comportem enquadramento da actividade administrativa;
b)      b) A enunciação de todos os documentos que comportem interpretação de direito positivo ou descrição de procedimento administrativo, mencionando designadamente o seu título, matéria, data, origem e local onde podem ser consultados.
O acesso a estes documentos, poderá ainda ser feito através de uma certidão ou de fotocópias, caso não esteja informatizado ou a pessoa interessada assim o requeira.
O pedido deverá ser feito através de um requerimento, com a indicação dos dados pessoais da pessoa interessada, não devendo envolver um esforço desproporcionado que ultrapasse a simples manipulação dos mesmos por parte da Administração pois, caso contrário, poderá o pedido ser negado. Tal requerimento de acesso a um documento administrativo deverá ter resposta no prazo de 10 dias, não estando a Administração obrigada a satisfazer os pedidos somente nos casos em que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, estes sejam manifestamente abusivos.
Tal prazo poderá ser prorrogado por outros 10 dias, nos casos excepcionais em que o volume de trabalho ou a sua complexidade o proporcione.
Uma vez mais, como forma de protecção do privado, este tem à sua disposição, o direito de queixa, que poderá efectuar à CADA quando não obtiver resposta, ou no casos de indeferimento/concessão limitadora de autorização, dispondo a entidade acima referido do prazo de 40 dias para elaborar o correspondente relatório de apreciação da situação, enviando-o, com as devidas conclusões, a todos os interessados. Recebido o relatório, a entidade requerida tem o dever de comunicar ao requerente a sua decisão final fundamentada, no prazo de 10 dias, sem o que se considera haver falta de decisão.
Tanto a decisão como a falta de decisão a que se refere o número anterior podem ser impugnadas pelo interessado junto dos tribunais administrativos, aplicando-se, com as devidas adaptações, as regras do processo de intimação.
A CADA é então a entidade administrativa independente, que funciona junto da Assembleia da República e que tem como principal atribuição, entre outras inúmeras competências, zelar pelo cumprimento das disposições da Lei em análise, sendo composta por diversos elementos, normalmente ligados à área jurídica ou à política, como um juiz conselheiro do STA, um professor de Direito designado pelo Presidente da Assembleia da República, dois deputados eleitos pela AR e um advogado designado pela Ordem dos Advogados, entre outros que são substituídos após o mandato de dois anos.
Ora, voltando à minha questão inicial, já por jurisprudência, consideram os Venerando Juízes do STA, por Ac. 0668/11 de 24 de Janeiro de 2012, que “O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos vem sendo considerado como um direito fundamental cujo sacrifício só se justifica quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia, como são os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas”. Mais esclarece tal acórdão que “A intimidade da vida privada abrange os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas”.
Desta forma, podemos constatar que apesar de tudo, há um certo cuidado por parte do legislador de salvaguardar os direitos dos particulares, não descurando no entanto de outros direitos fundamentais, quando colocados em confronto.
Evidentemente que poderá haver, com em tudo, uma utilização eventualmente abusiva deste direito, interferindo na esfera de protecção de outros direitos essenciais, mas cabe quanto a tal, relembrar o facto de o particular poder fazer uso do direito de queixa, ou de recurso, quando não veja as suas pretensões seguidas, ou quando haja um ultrapassar do prazo expressamente permitido por Lei para as decisões administrativas, demonstrando-se deste modo que, apesar de o Direito da Administração ser tido como Direito Público, este não renega a protecção directa dos particulares, ao contrário daquilo que inicialmente se pretendia, perante o “crescimento” atribulado do Direito Administrativo que apenas reflexamente consideraria os direitos das pessoas, enquanto seres individuais. Por outro lado, a própria Administração terá a obrigação de zelar pelo melhor interesse dos seus administrados, tentando tanto quanto possível proteger as suas informações confidenciais, bem como evitar a sua “invasão”, nomeadamente através de ataques informáticos, isto tendo em conta, o crescente informatizar de informações que se tem verificado.

Fontes online: http://www.cada.pt/modules/news/article.php?storyid=27