Lígia Rocha Nº21500
Nota introdutória
Indiscutivelmente qualquer ordem jurídica que se pretenda
justa deve primar pelo respeito e pela garantia dos direitos legítimos de todo
e qualquer cidadão. Contudo, as concepções e as funções do interesse público
não prescindem do contexto a partir do qual assumem operatividade. A cultura
jurídica de cada país denota peculiaridades que se reflectem em acentuadas
variações de abordagem e de interpretação do interesse público.
“É o conceito de
interesse público que expressa melhor a ideia central do Direito
Administrativo, e é a partir dele que todos os outros conceitos ganham sentido
e assumem operatividade”[1]
No Brasil, MEIRELLES entendia o
interesse público como o conjunto de anseios legítimos de toda a comunidade ou
de parcela relevante dos seus membros. Para MEDAUAR esta expressão associa-se
ao bem de toda a colectividade e às exigências da vida social. BANDEIRA DE
MELLO diz que o interesse público é o interesse do toda a sociedade jamais se
confundindo com o somatório dos interesses individuais. Nos últimos tempos[2], tem
havido uma discussão acesa na doutrina falando-se numa crise conceitual do
interesse público. FARIA assinala a insuficiência do critério do interesse
público no balizamento das políticas públicas, lembrando que o ponto de
equilíbrio entre o público e o privado é sempre ténue, precário e instável.
Para MARQUES NETO, a noção de interesse público está a passar por uma crise
endógena que resulta de que o carácter absoluto da noção de interesse público
tem-se fragmentado desde o advento do bem-estar social; e uma crise exógena
tendo em conta que o colapso do conceito a partir dos processos que afectam a
centralidade e a delimitação do poder decisório estadual, relacionados com a
internacionalização da economia e a fragmentação social.
Nos Estados Unidos, de acordo com
BODENHEIMER, o interesse público teria a função de fomentar o equilíbrio, na
medida em que num sistema social preza o indivíduo e almeja preservar os seus
direitos, deve haver uma tensão dialéctica entre a liberdade individual e a necessidade
pública. Para FLATHMAN o interesse público é um conceito geral de recomendação
utilizado para seleccionar e justificar políticas públicas. Ele não contém
nenhum significado geral, inalterável e descritivo aplicável a todas as
decisões políticas mas um significado descritivo e não-arbitrário que pode ser
determinado para ele em casos particulares.
Na Inglaterra, BARRY[3]
entende que a esfera do interesse público somente poderá ser compreendida no
contexto do papel desempenhado pelas pessoas no corpo social, concebendo o
interesse público como aquele que se afere na óptica dos indivíduos na
qualidade de cidadãos.
Na Alemanha, WOLF, BACHOF e STOBER o
interesse público é o fundamento e limite da Administração, orientando a sua
aplicação, interpretação e ponderação, materializando os interesses inequívocos
da Comunidade, rumo à existência de uma ordem social pacífica.
Em Portugal, MARCELLO CAETANO salientava
que o interesse público era é ideia dominante de todas as normas
jurídico-administrativas. FREITAS DO AMARAL[4]
refere o conteúdo variável do interesse público, sendo ele o principal motivo
determinante de qualquer acto da Administração. MARCELO REBELO DE SOUSA[5]
entende que a prossecução do interesse público reporta-se ao conteúdo do acto,
encarando com referência ao fim legalmente vinculado. Para VASCO PEREIRA DA
SILVA[6], a
satisfação do interesse público pressupõe o devido enquadramento da relação
jurídica Administração-cidadãos, numa identidade de posições de base. CABRAL DE
MONCADA entende que a imprecisão na determinação do interesse público é uma
consequência inevitável da complexidade das matérias a regular no moderno
Estado Social, mas também da sua própria modificabilidade que “hoje pode requerer determinado quadro legislativo, amanhã outro ao
sabor do rápido evoluir das circunstâncias”.
Conclusões
Face a tão diferentes perspectivas é
inevitável questionar-nos se seria possível conciliar estas diferentes
concretizações do conceito de interesse público, harmonizando-as formando um
conceito amplo de direito público, sendo que estas diferentes perspectivas
reflectem diferentes aspectos ou facetas da mesma realidade total, conformativa
do interesse público. Tendo em conta que as diferentes noções de interesse
público não são estanques, o que importa são as circunstâncias conducentes à
identificação da preponderância dos elementos caracterizadores de uma ou outra
dimensão do interesse público no caso concreto.
[1] ANDRÉ DE VASCONCELOS DIAS, O Interesse Público no Direito Comparado,
Lisboa , 2008
[2] JOSÉ EDUARDO FARIA, Governabilidade, Interesse Público e Antinomia Jurídica, In,
Revista do Ministério Público, Lisboa, 1998 nº 74
[3] LUÍS FILIPE ANTUNES COLAÇO, Para um contencioso Administrativo de
garantia do cidadão e da Administração, Almedina, 2000
[4] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol.II
Almedina, 2001
[5] MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, Vol.1
Lisboa, 1999
[6] VASCO PEREIRA DA SILVA, Em busca do Acto Administrativo Perdido,
Almedina, 1998