domingo, 28 de abril de 2013

O conceito de interesse público nos quatro cantos do mundo administrativo


Lígia Rocha Nº21500
Nota introdutória
Indiscutivelmente qualquer ordem jurídica que se pretenda justa deve primar pelo respeito e pela garantia dos direitos legítimos de todo e qualquer cidadão. Contudo, as concepções e as funções do interesse público não prescindem do contexto a partir do qual assumem operatividade. A cultura jurídica de cada país denota peculiaridades que se reflectem em acentuadas variações de abordagem e de interpretação do interesse público.

“É o conceito de interesse público que expressa melhor a ideia central do Direito Administrativo, e é a partir dele que todos os outros conceitos ganham sentido e assumem operatividade”[1]

No Brasil, MEIRELLES entendia o interesse público como o conjunto de anseios legítimos de toda a comunidade ou de parcela relevante dos seus membros. Para MEDAUAR esta expressão associa-se ao bem de toda a colectividade e às exigências da vida social. BANDEIRA DE MELLO diz que o interesse público é o interesse do toda a sociedade jamais se confundindo com o somatório dos interesses individuais. Nos últimos tempos[2], tem havido uma discussão acesa na doutrina falando-se numa crise conceitual do interesse público. FARIA assinala a insuficiência do critério do interesse público no balizamento das políticas públicas, lembrando que o ponto de equilíbrio entre o público e o privado é sempre ténue, precário e instável. Para MARQUES NETO, a noção de interesse público está a passar por uma crise endógena que resulta de que o carácter absoluto da noção de interesse público tem-se fragmentado desde o advento do bem-estar social; e uma crise exógena tendo em conta que o colapso do conceito a partir dos processos que afectam a centralidade e a delimitação do poder decisório estadual, relacionados com a internacionalização da economia e a fragmentação social.
Nos Estados Unidos, de acordo com BODENHEIMER, o interesse público teria a função de fomentar o equilíbrio, na medida em que num sistema social preza o indivíduo e almeja preservar os seus direitos, deve haver uma tensão dialéctica entre a liberdade individual e a necessidade pública. Para FLATHMAN o interesse público é um conceito geral de recomendação utilizado para seleccionar e justificar políticas públicas. Ele não contém nenhum significado geral, inalterável e descritivo aplicável a todas as decisões políticas mas um significado descritivo e não-arbitrário que pode ser determinado para ele em casos particulares.
Na Inglaterra, BARRY[3] entende que a esfera do interesse público somente poderá ser compreendida no contexto do papel desempenhado pelas pessoas no corpo social, concebendo o interesse público como aquele que se afere na óptica dos indivíduos na qualidade de cidadãos.
Na Alemanha, WOLF, BACHOF e STOBER o interesse público é o fundamento e limite da Administração, orientando a sua aplicação, interpretação e ponderação, materializando os interesses inequívocos da Comunidade, rumo à existência de uma ordem social pacífica.
Em Portugal, MARCELLO CAETANO salientava que o interesse público era é ideia dominante de todas as normas jurídico-administrativas. FREITAS DO AMARAL[4] refere o conteúdo variável do interesse público, sendo ele o principal motivo determinante de qualquer acto da Administração. MARCELO REBELO DE SOUSA[5] entende que a prossecução do interesse público reporta-se ao conteúdo do acto, encarando com referência ao fim legalmente vinculado. Para VASCO PEREIRA DA SILVA[6], a satisfação do interesse público pressupõe o devido enquadramento da relação jurídica Administração-cidadãos, numa identidade de posições de base. CABRAL DE MONCADA entende que a imprecisão na determinação do interesse público é uma consequência inevitável da complexidade das matérias a regular no moderno Estado Social, mas também da sua própria modificabilidade que “hoje pode requerer determinado quadro legislativo, amanhã outro ao sabor do rápido evoluir das circunstâncias”.

Conclusões
Face a tão diferentes perspectivas é inevitável questionar-nos se seria possível conciliar estas diferentes concretizações do conceito de interesse público, harmonizando-as formando um conceito amplo de direito público, sendo que estas diferentes perspectivas reflectem diferentes aspectos ou facetas da mesma realidade total, conformativa do interesse público. Tendo em conta que as diferentes noções de interesse público não são estanques, o que importa são as circunstâncias conducentes à identificação da preponderância dos elementos caracterizadores de uma ou outra dimensão do interesse público no caso concreto.



[1] ANDRÉ DE VASCONCELOS DIAS, O Interesse Público no Direito Comparado, Lisboa  , 2008
[2] JOSÉ EDUARDO FARIA, Governabilidade, Interesse Público e Antinomia Jurídica, In, Revista do Ministério Público, Lisboa, 1998 nº 74
[3] LUÍS FILIPE ANTUNES COLAÇO, Para um contencioso Administrativo de garantia do cidadão e da Administração, Almedina, 2000
[4] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol.II Almedina, 2001
[5] MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, Vol.1 Lisboa, 1999
[6] VASCO PEREIRA DA SILVA, Em busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 1998

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