Há
ou deve haver um conceito central do Direito Administrativo?
Havendo
esse conceito, qual deve ser?
A questão era essencial do início do Direito Administrativo (séc. XIX – no auge do positivismo jurídico). Cada disciplina científica procurava ter um centro, procurava ter uma realidade em volta da qual era construído um modelo científico e doutrinário. E no caso do direito administrativo as primeiras concepções jurídicas foram actocêntricas, fizeram do acto administrativo o centro do direito administrativo.
Havia nos finais do séc. XIX,
princípios do séc. XX, esta ideia de que uma determinada ciência tinha um
conceito chave e à volta desse conceito era construído todo um universo jurídico
adequado a essa realidade - lógica fechada, positivista. A preocupação do
positivista jurídico era a de construir uma ciência tão pura, tão pura que se
perdeu a ligação à prática e que a prática se vingou do direito e, portanto, de
alguma maneira a ironia no quadro da lógica de construir um modelo com um
determinado centro e totalmente organizado, era a de essa questão assumir uma
importância excessiva e corresponder a um esquema fechado e entendido num
sentido que era normológico e que, portanto, perdia a ligação com a realidade. A
lógica clássica era a de considerar o acto administrativo como o centro do
direito administrativo. E este acto era um acto autoritário, o acto que
correspondia à definição do direito aplicável ao súbdito no caso concreto.
O Professor Vasco Pereira da Silva
diz-nos que a questão assim colocada não faz sentido e que se hoje em dia ainda
é possível falar em conceito esse conceito só pode ser mais geral e abrangente
– embora duvide que ainda se possa falar em tal questão.
Esta realidade correspondia a uma
construção autoritária do direito administrativo que tinha por base a lógica de
uma administração agressiva, que existia apenas para garantir a segurança dos
particulares.
Isto era assim no séc. XIX e vai entrar
em crise no séc. XX porque o surgimento do estado social traz consigo o modelo
de administração prestadora e essa administração prestadora já não coloca o
acto administrativo no centro da sua actividade. Essa administração prestadora
usa múltiplas formas de actuação.
A administração escolhe qual é a forma
de actuação mais adequada à obtenção do resultado que pretende. O acto
administrativo deixou de ser a forma de actuação administrativa para passar
apenas a ser uma das formas de actuação administrativa, uma entre muitas, e
isto faz com que daqui resulte, desde logo, a primeira crise do acto
administrativo.
Por outro lado, havendo todas estas
formas de actuação era preciso procurar algo que fosse comum a elas e começou-se
a ver que aquilo que existia antes do acto e aquilo que estava para além do
acto, começou-se a olhar para o procedimento, o acto é o resultado de um
procedimento em que participam entidades públicas e privadas.
E essa foi uma das vias alternativas do
acto administrativo como construção central, a partir dos anos 50/ 60, a
doutrina administrativa italiana introduz esta discussão e que depois prolonga
nos anos 70/ 80, e ainda hoje encontram no quadro de orientação italiana esta
ideia de que o procedimento é uma realidade anterior e posterior ao acto
administrativo e, portanto, é uma realidade que por ser comum a todas as formas
de actuação está em condições de poder funcionar como conceito central
alternativo.
Por isso a doutrina germânica passou,
também a partir dos anos 50/ 60, a dizer que a alternativa ao acto
administrativo no quadro da administração prestadora era a relação jurídica.
Este acto que agora começa a ser
entendido no direito administrativo é um acto que produz efeitos múltiplos, uma
relação que se estabelecia entre a autoridade administrativa que tinha emitido
o acto e o destinatário dessa actuação administrativa, e aquilo que corresponde
à lógica dos anos 70 é o surgimento de novos titulares de direitos subjectivos,
no quadro de relações jurídicas que são multilaterais.
A fazer ainda sentido já não pode ser o
sentido do século XIX, a fazer sentido é apenas considerando que ela
corresponde à procura do conceito mais alargado, do conceito que ainda está em
condições de explicar um maior número de relações jurídicas e, portanto, nesse
sentido poderia ser o da relação multilateral.
Sofia Teresa de Bragança
21786
2-4-2013
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