terça-feira, 9 de abril de 2013

Pequena grande revolução no direito administrativo português - FREITAS DO AMARAL


Uma das coisas que este código fez foi o ter instaurado a obrigatoriedade da audiência dos particulares. A Constituição consagrava um princípio da participação e o código regulou essa participação, estabelecendo um direito da audiência como uma etapa obrigatória de qualquer procedimento administrativo, e portanto, para continuar a citar o Professor FREITAS DO AMARAL, o procedimento que era trifásico que até aí tinha uma iniciativa de uma instrução e depois tinha uma decisão, o instrumento passou a ser quadrifásico, porque depois da instrução e antes da decisão, há um novo momento, um momento obrigatório de qualquer procedimento em que o particular deve ser ouvido. E esta audiência destina-se precisamente a realizar da maneira mais adequada, o princípio da participação. Ela visa que os particulares intervenham na tomada de decisões administrativas, visa que o particular colabore na decisão e visa também evitar que haja litígios. A participação no procedimento, por um lado corresponde à realização de finalidades objectivas, que tem a ver com a correcção, com a qualidade da medida, com a eficácia da decisão. Mas o procedimento também tem uma dimensão subjectiva de tutela antecipada pelos direitos dos particulares porque o particular é ouvido e ao ser ouvido vai defender os seus direitos no quadro daquela relação estabelecida com a administração. E, portanto, esta realidade do estabelecimento da obrigatoriedade de audiência do particular foi uma das grandes transformações deste código de procedimento e é um daqueles marcos do direito administrativo que não deve ser posto em causa.

O Professor VASCO PEREIRA DA SILVA considera que a falta de procedimentos era uma falha grave na decisão administrativa, pois a Constituição consagra um direito fundamental de participação no procedimento e esse direito fundamental de participação no procedimento, implica que a ausência de uma audiência, a negação da possibilidade do particular intervir no procedimento, que isto deva gerar a invalidade, a forma de invalidade mais grave, deva corresponder à nulidade da decisão administrativa local. A falta de audiência deve corresponder à sanção mais grave por parte do ordenamento jurídico, a nulidade.

O Professor MARCELO REBELO DE SOUSA usa como argumento, não apenas a ideia do direito fundamental, mas o facto de se tratar de um elemento essencial de um acto administrativo, e portanto saltando esse momento essencial que decorre da obrigatoriedade da audiência dever haver nulidade.

 O Professor SÉRVULO CORREIA e autores de Coimbra, como GOMES CANOTILHO, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE também acentuam a dimensão do direito fundamental que estaria a ser preterido numa dessas circunstâncias.

É esta a posição mais correcta quanto à invalidade do procedimento, ou melhor, quanto à invalidade de uma decisão tomada sem audiência administrativa, mas não foi esta a posição que a jurisprudência veio a consagrar. O Professor FREITAS DO AMARAL tem defendido, e essa posição foi aceite pela jurisprudência, que embora se trate de uma formalidade muito importante trata-se apenas de uma invalidade de natureza formal, e que em razão da constelação dos interesses em jogo a sanção que a ordem jurídica deveria atribuir deveria ser a da anulabilidade, e os tribunais aceitaram esta argumentação.

A falta de audiência corresponde a um vício formal do acto administrativo, que corresponde a uma falta de forma ou à falta da forma adequada do acto administrativo e reconduz o problema a uma lógica formal.

Da perspectiva do Professor VASCO PEREIRA DA SILVA  isto é errado porque equivale a confundir a forma com o procedimento, uma coisa é forma, uma coisa é a externalização de um acto administrativo, outra coisa é a regra da sua elaboração, uma coisa é o modo como ele se apresenta, outra coisa é o modo como ele é formado e falar em vícios de forma por falta de procedimento equivale a confundir a forma com o procedimento administrativo, equivale a confundir uma regra que tem a ver com a aparência externa do acto, com o seu modo de formação,

Não faz sentido qualificar o vício da falta de audiência num acto administrativo como correspondendo a um vício de natureza formal.

Há também uma dimensão substantiva  - há uma ilegalidade material quando uma audiência não é devidamente realizada e não produz efeitos na decisão a ser tomada, que há também uma ilegalidade material nas audiências em que os interesses que foram espelhados, que foram mostrados, não são contabilizados no quadro da decisão final, o decisor não entrou em linha-conta com esses interesses, com esses argumentos que o particular levou ao seu encontro.

No direito português tem sido defendida esta ilegalidade material de uma audiência deficiente decorrente dos princípios constitucionais, designadamente daqueles constantes do artigo 276º da Constituição, que estabelecem por um lado o princípio da prossecução do interesse público, por outro lado o princípio do respeito pelos direitos e interesses dos particulares, prosseguir o interesse público, obriga a considerar todas as dimensões públicas da decisão a tomar, obriga a autoridade administrativa a ter uma constelação completa dos interesses públicos que estão envolvidos naquela decisão, por outro lado o respeito dos direitos dos particulares, obriga a que a administração tenha em consideração esses interesses no momento em que toma a decisão.

A audiência aparece referida no código do procedimento enquanto momento obrigatório de qualquer procedimento nos artigos 100º e seguintes, mas precisamente porque o código consagra uma lógica de intervenção do particular nos diferentes momentos do procedimento, já é possível ao particular solicitar a audiência em qualquer momento. E o particular deve intervir no âmbito da formação da vontade administrativa. E é por isso que o legislador, designadamente, no artigo 59º, permite que em qualquer fase do procedimento possa haver uma audiência dos interessados. E, portanto, o que está em causa tem a ver com uma formação da vontade administrativa em que os particulares vão sendo progressivamente ouvidos, ou haver pelo menos a possibilidade de eles se pronunciarem no momento final. O legislador, dispensa a audiência final quando tenha havido uma intervenção dos particulares suficientemente expressa e suficientemente interventora no procedimento é um dos casos em que se permite a dispensa da audiência final, mas se não houve esta intervenção ao longo do procedimento, o particular deve ser pelo menos ouvido antes da decisão final, antes de a administração decidir acerca do seu caso concreto.

E, portanto, o regime jurídico português é o regime que tem estas duas realidades e que consagra esta ideia de um direito de audiência que é uma manifestação do direito fundamental de participação no procedimento, e essa participação no procedimento tem duas concretizações diferentes, há procedimentos com reduzido número de destinatários em que a legitimidade para intervir é determinada de acordo com regras jurídico-subjectivas e há depois os procedimentos de massa, em que a legitimidade é a do actor popular que intervém nas tais audiências públicas como momento também obrigatório, prévio à tomada de decisão sobre uma determinada matéria. E, portanto, esta consagração da audiência, nestes termos alargados é, uma das principais “coroas de glória” deste código do procedimento e ela corresponde a um regime jurídico que assenta nesta ideia da participação dos particulares na tomada de decisões públicas nesta valorização procedimental da participação dos particulares no quadro das decisões que devam ser tomadas.

 

 

Sofia Teresa de Bragança

21786

09-04-13

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