Uma das coisas que este código fez foi o ter instaurado a obrigatoriedade da
audiência dos particulares. A Constituição consagrava um princípio da
participação e o código regulou essa participação, estabelecendo um direito da
audiência como uma etapa obrigatória de qualquer procedimento administrativo, e
portanto, para continuar a citar o Professor FREITAS DO AMARAL, o procedimento
que era trifásico que até aí tinha uma iniciativa de uma instrução e depois
tinha uma decisão, o instrumento passou a ser quadrifásico, porque depois da
instrução e antes da decisão, há um novo momento, um momento obrigatório de
qualquer procedimento em que o particular deve ser ouvido. E esta audiência
destina-se precisamente a realizar da maneira mais adequada, o princípio da
participação. Ela visa que os particulares intervenham na tomada de decisões
administrativas, visa que o particular colabore na decisão e visa também evitar
que haja litígios. A participação no procedimento, por um lado corresponde à
realização de finalidades objectivas, que tem a ver com a correcção, com a
qualidade da medida, com a eficácia da decisão. Mas o procedimento também tem
uma dimensão subjectiva de tutela antecipada pelos direitos dos particulares
porque o particular é ouvido e ao ser ouvido vai defender os seus direitos no
quadro daquela relação estabelecida com a administração. E, portanto, esta
realidade do estabelecimento da obrigatoriedade de audiência do particular foi
uma das grandes transformações deste código de procedimento e é um daqueles
marcos do direito administrativo que não deve ser posto em causa.
O Professor VASCO PEREIRA DA SILVA
considera que a falta de procedimentos era uma falha grave na decisão
administrativa, pois a Constituição consagra um direito fundamental de
participação no procedimento e esse direito fundamental de participação no
procedimento, implica que a ausência de uma audiência, a negação da
possibilidade do particular intervir no procedimento, que isto deva gerar a
invalidade, a forma de invalidade mais grave, deva corresponder à nulidade da
decisão administrativa local. A falta de audiência deve corresponder à sanção
mais grave por parte do ordenamento jurídico, a nulidade.
O Professor MARCELO REBELO DE SOUSA usa
como argumento, não apenas a ideia do direito fundamental, mas o facto de se
tratar de um elemento essencial de um acto administrativo, e portanto saltando
esse momento essencial que decorre da obrigatoriedade da audiência dever haver
nulidade.
O
Professor SÉRVULO CORREIA e autores de Coimbra, como GOMES CANOTILHO, JOSÉ
CARLOS VIEIRA DE ANDRADE também acentuam a dimensão do direito fundamental que
estaria a ser preterido numa dessas circunstâncias.
É esta a posição mais correcta quanto à
invalidade do procedimento, ou melhor, quanto à invalidade de uma decisão
tomada sem audiência administrativa, mas não foi esta a posição que a
jurisprudência veio a consagrar. O Professor FREITAS DO AMARAL tem defendido, e
essa posição foi aceite pela jurisprudência, que embora se trate de uma
formalidade muito importante trata-se apenas de uma invalidade de natureza
formal, e que em razão da constelação dos interesses em jogo a sanção que a
ordem jurídica deveria atribuir deveria ser a da anulabilidade, e os tribunais
aceitaram esta argumentação.
A falta de audiência corresponde a um vício
formal do acto administrativo, que corresponde a uma falta de forma ou à falta
da forma adequada do acto administrativo e reconduz o problema a uma lógica
formal.
Da perspectiva do Professor VASCO
PEREIRA DA SILVA isto é errado porque
equivale a confundir a forma com o procedimento, uma coisa é forma, uma coisa é
a externalização de um acto administrativo, outra coisa é a regra da sua
elaboração, uma coisa é o modo como ele se apresenta, outra coisa é o modo como
ele é formado e falar em vícios de forma por falta de procedimento equivale a
confundir a forma com o procedimento administrativo, equivale a confundir uma
regra que tem a ver com a aparência externa do acto, com o seu modo de
formação,
Não faz sentido qualificar o vício da
falta de audiência num acto administrativo como correspondendo a um vício de
natureza formal.
Há também uma dimensão substantiva - há uma ilegalidade material quando uma
audiência não é devidamente realizada e não produz efeitos na decisão a ser
tomada, que há também uma ilegalidade material nas audiências em que os
interesses que foram espelhados, que foram mostrados, não são contabilizados no
quadro da decisão final, o decisor não entrou em linha-conta com esses
interesses, com esses argumentos que o particular levou ao seu encontro.
No direito português tem sido defendida
esta ilegalidade material de uma audiência deficiente decorrente dos princípios
constitucionais, designadamente daqueles constantes do artigo 276º da
Constituição, que estabelecem por um lado o princípio da prossecução do
interesse público, por outro lado o princípio do respeito pelos direitos e
interesses dos particulares, prosseguir o interesse público, obriga a
considerar todas as dimensões públicas da decisão a tomar, obriga a autoridade
administrativa a ter uma constelação completa dos interesses públicos que estão
envolvidos naquela decisão, por outro lado o respeito dos direitos dos
particulares, obriga a que a administração tenha em consideração esses
interesses no momento em que toma a decisão.
A audiência aparece referida no código
do procedimento enquanto momento obrigatório de qualquer procedimento nos
artigos 100º e seguintes, mas precisamente porque o código consagra uma lógica
de intervenção do particular nos diferentes momentos do procedimento, já é
possível ao particular solicitar a audiência em qualquer momento. E o
particular deve intervir no âmbito da formação da vontade administrativa. E é
por isso que o legislador, designadamente, no artigo 59º, permite que em
qualquer fase do procedimento possa haver uma audiência dos interessados. E,
portanto, o que está em causa tem a ver com uma formação da vontade
administrativa em que os particulares vão sendo progressivamente ouvidos, ou
haver pelo menos a possibilidade de eles se pronunciarem no momento final. O
legislador, dispensa a audiência final quando tenha havido uma intervenção dos
particulares suficientemente expressa e suficientemente interventora no procedimento
é um dos casos em que se permite a dispensa da audiência final, mas se não
houve esta intervenção ao longo do procedimento, o particular deve ser pelo
menos ouvido antes da decisão final, antes de a administração decidir acerca do
seu caso concreto.
E, portanto, o regime jurídico
português é o regime que tem estas duas realidades e que consagra esta ideia de
um direito de audiência que é uma manifestação do direito fundamental de
participação no procedimento, e essa participação no procedimento tem duas
concretizações diferentes, há procedimentos com reduzido número de
destinatários em que a legitimidade para intervir é determinada de acordo com
regras jurídico-subjectivas e há depois os procedimentos de massa, em que a
legitimidade é a do actor popular que intervém nas tais audiências públicas
como momento também obrigatório, prévio à tomada de decisão sobre uma
determinada matéria. E, portanto, esta consagração da audiência, nestes termos
alargados é, uma das principais “coroas de glória” deste código do procedimento
e ela corresponde a um regime jurídico que assenta nesta ideia da participação
dos particulares na tomada de decisões públicas nesta valorização procedimental
da participação dos particulares no quadro das decisões que devam ser tomadas.
Sofia Teresa de Bragança
21786
09-04-13
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