Lígia Rocha Nº21500
Nota inicial
O princípio da legalidade advém da
grande preocupação de criação de uma estrutura limitadora do Poder, diante do
trauma resultante do modelo estatal absolutista. Nos últimos tempos,
abandona-se a concepção de um Administração serva fiel da lei, de mera
espectadora e aplicadora mecânica da lei, para se construir uma postura mais
activa e com um compromisso com os ditames da Justiça[1]
“Nos nossos dias, o
incremento das actividades do Estado revelou a incapacidade de a lei tudo prever
e tudo prover.” [2]
A administração goza de amplos
poderes para interpretar as normas e integrar eventuais lacunas não se
limitando a critérios cronológicos e de especialidade[3]. A
Administração possui a prerrogativa de densificar conceitos e resolver
conflitos podendo valer-se dos mais variados mecanismos e interesses
disponíveis, tendo um protagonismo na harmonização das diferentes normas,
constituindo uma veia integradora
orientada à solidificação de bens, valores e interesses consagrados
constitucionalmente[4].
A administração configura-se como conformadora da sociedade
congregando funções políticas regulamentares, planificadoras administrativas,
militares de natureza económica social financeira e cultural. Frequentemente a
doutrina refere-se à administração como guardiã da constituição, uma alusão
metafórica que significa que é a Administração que determina o interesse
público, interpreta os fins do Estado, fixa tarefas e escolhe os meios
materiais para tanto. Contudo, ela está subordinada à Constituição e a valores
que lhe são superiores devendo a Administração defender e assegurá-los.
Hoje interpreta-se o princípio da separação de poderes não
como uma verdadeira separação, mas sob uma perspectiva de equilíbrio, harmonia
e moderação, determinável a partir do elenco de competências consagrados na
Constituição. A Administração não possuiu legitimidade activa para remeter uma
norma inconstitucional ao Tribunal Constitucional, nem tão pouco desaplicá-la. A administração tem
de respeitar a competência conferida a cada um dos poderes com o intuito de
impedir a concentração de poderes e o arbítrio.
Por outro lado, para qualquer sociedade é imprescindível o
valor da segurança jurídica, tendo de haver um padrão de conformidade e jamais
um tratamento aleatório e casuístico.
Além disso, a Administração Pública deve respeitar as normas compromissórias,
respeitando as orientações correspondentes à ideologia politica, económica
cultural social e religiosa de cada país.
A complexidade da realidade actual, plasmada por constantes
avanços e inovações fez ruir a idolatraria pela lei. A falibilidade e a
imperfeição da lei não se apreendem apenas pela sua incapacidade ser sempre
moderna ou contemporânea, manifestando-se igualmente pela constatação dela não
poder espelhar com fidelidade todos os bens, valores e interesses socialmente
relevantes.
Nota final
Cientes da impossibilidade de a lei abarcar toda a realidade,
e de se verificarem hipóteses excepcionais em que o princípio da legalidade
deve ceder o espaço a outros princípios, podemos dizer que se encontra numa
posição paritária com os demais princípios,
É inegável a impotência do Direito positivado para a englobar
a realidade infinitamente aberta, complexa e ônticamente indeterminada,
servindo as normas jurídicas como veículos aos valores do nosso ordenamento
jurídico.
[1] PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública – O sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina,
2003
[2] JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Coimbra, 2000
[3] SÉRVULO CORREIA, Interpretação Administrativa das leis, In A feitura das leis Vol
II, Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1986
[4] MICHELLE RIBEIRO MORRONE, Revitalização do Princípio da legalidade na
prática de actos administrativos frente a bens, valores e interesses
constitucionais, Lisboa, 2005
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