sábado, 27 de abril de 2013

A (in)flexibilidade do princípio da legalidade


Lígia Rocha Nº21500
Nota inicial
O princípio da legalidade advém da grande preocupação de criação de uma estrutura limitadora do Poder, diante do trauma resultante do modelo estatal absolutista. Nos últimos tempos, abandona-se a concepção de um Administração serva fiel da lei, de mera espectadora e aplicadora mecânica da lei, para se construir uma postura mais activa e com um compromisso com os ditames da Justiça[1]

“Nos nossos dias, o incremento das actividades do Estado revelou a incapacidade de a lei tudo prever e tudo prover.” [2]

A administração goza de amplos poderes para interpretar as normas e integrar eventuais lacunas não se limitando a critérios cronológicos e de especialidade[3]. A Administração possui a prerrogativa de densificar conceitos e resolver conflitos podendo valer-se dos mais variados mecanismos e interesses disponíveis, tendo um protagonismo na harmonização das diferentes normas, constituindo uma veia integradora orientada à solidificação de bens, valores e interesses consagrados constitucionalmente[4].
A administração configura-se como conformadora da sociedade congregando funções políticas regulamentares, planificadoras administrativas, militares de natureza económica social financeira e cultural. Frequentemente a doutrina refere-se à administração como guardiã da constituição, uma alusão metafórica que significa que é a Administração que determina o interesse público, interpreta os fins do Estado, fixa tarefas e escolhe os meios materiais para tanto. Contudo, ela está subordinada à Constituição e a valores que lhe são superiores devendo a Administração defender e assegurá-los.
Hoje interpreta-se o princípio da separação de poderes não como uma verdadeira separação, mas sob uma perspectiva de equilíbrio, harmonia e moderação, determinável a partir do elenco de competências consagrados na Constituição. A Administração não possuiu legitimidade activa para remeter uma norma inconstitucional ao Tribunal Constitucional, nem tão pouco desaplicá-la. A administração tem de respeitar a competência conferida a cada um dos poderes com o intuito de impedir a concentração de poderes e o arbítrio.
Por outro lado, para qualquer sociedade é imprescindível o valor da segurança jurídica, tendo de haver um padrão de conformidade e jamais um tratamento aleatório e casuístico.
Além disso, a Administração Pública deve respeitar as normas compromissórias, respeitando as orientações correspondentes à ideologia politica, económica cultural social e religiosa de cada país.
A complexidade da realidade actual, plasmada por constantes avanços e inovações fez ruir a idolatraria pela lei. A falibilidade e a imperfeição da lei não se apreendem apenas pela sua incapacidade ser sempre moderna ou contemporânea, manifestando-se igualmente pela constatação dela não poder espelhar com fidelidade todos os bens, valores e interesses socialmente relevantes.

Nota final
Cientes da impossibilidade de a lei abarcar toda a realidade, e de se verificarem hipóteses excepcionais em que o princípio da legalidade deve ceder o espaço a outros princípios, podemos dizer que se encontra numa posição paritária com os demais princípios,
É inegável a impotência do Direito positivado para a englobar a realidade infinitamente aberta, complexa e ônticamente indeterminada, servindo as normas jurídicas como veículos aos valores do nosso ordenamento jurídico.




[1] PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública – O sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina, 2003
[2] JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Coimbra, 2000
[3] SÉRVULO CORREIA, Interpretação Administrativa das leis, In A feitura das leis Vol II, Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1986
[4] MICHELLE RIBEIRO MORRONE, Revitalização do Princípio da legalidade na prática de actos administrativos frente a bens, valores e interesses constitucionais, Lisboa, 2005

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