A figura do contrato administrativo
surgiu em França, berço também do direito administrativo, e teve como razão de
ser o facto de a administração começar a recorrer a formas contratuais da
actuação e perceber-se que os contractos celebrados pela administração não
podiam ser exactamente iguais aos contractos celebrados entre privados.
Houve, sobretudo na Alemanha e na
Itália, uma enorme resistência à figura do contrato administrativo no âmbito da
administração pública, por se considerar que o contrato é tradicionalmente um
meio que pressupõe igualdade das partes.
Ora, a administração naturalmente que
não está num plano de igualdade relativamente ao particular, no entanto, também
há situações na contratação entre privados que não são de igualdade: contratos
de adesão por exemplo, cláusulas contratuais gerais, etc. Portanto, esta ideia
da estrita igualdade entre as partes que seria, da perspectiva de OTTO MAYER, o
óbice à utilização do contracto nas relações entre a administração pública e
particular não era exactamente assim.
A verdade é que se tornou absolutamente
impossível à administração desenvolver todas as tarefas que lhe são cometidas
no quadro do estado social sem o recurso à figura do contrato e, de facto, é a
partir do fim da primeira metade do Século XX que se propaga, digamos assim, o
recurso à forma de contrato, começa a haver uma utilização generalizada da
figura do contrato por parte da administração pública e a partir daqui surge o
problema de saber:
- se os contratos celebrados entre a
administração pública e particular são contratos iguais ao outros;
- se são contratos diferentes, e,
dentro desta, em que é que se distinguem, como é que nós distinguimos um
contrato privado de um contrato administrativo; o que é o objecto do direito
administrativo, se é o critério das cláusulas exorbitantes, se é o critério da
prossecução do interesse público, etc.
Doutrina tradicional - a administração
também celebra contratos privados e o problema aqui é saber quando é que um
contrato celebrado pela administração é privado e quando é que um contrato
celebrado pela administração é um contrato administrativo.
Foram teorizados muitos critérios
diferentes de distinção. O primeiro critério foi o da jurisdição competente:
são administrativos os contratos cujos litígios sejam da competência da
jurisdição administrativa. Isto é uma inversão da lógica, os contratos
administrativos são da jurisdição administrativa porque são administrativos e
não o contrário, portanto, sem prejuízo de ter sido esse o primeiro critério,
evidentemente que acabou por ser abandonado pela doutrina.
E tendo sido abandonado então o
critério da jurisdição competente seguem dois grandes grupos de critérios: os
critérios materiais e os critérios formais. São aqueles que têm a ver com o fim
do contrato se o contrato tem um fim de imediata utilidade pública ou não, o
critério do objecto, se o contrato prossegue ou desenvolve, se está adstrito ao
desenvolvimento de um serviço público e o critério da natureza dos sujeitos, se
está envolvida a administração pública ou não. Estes critérios acabaram por ser
abandonados.
Não há nenhum critério que hoje se
entenda como sendo o único sozinho que se permite distinguir contratos privados
de contratos administrativos, aliás hoje em dia a questão já não é só a de
saber quais são os critérios de distinção mas também saber se há essa distinção.
Já vai havendo doutrina a defender que
a distinção não existe e que todos os contratos da administração são administrativos
- Professora MARIA JOÃO ESTORNINHO, Professor MARCELO REBELO DE SOUSA que diz
que os contratos usados pela administração, em princípio deve-se presumir que
são administrativos e, portanto, só muito residualmente, em casos muito
especiais e excepcionais é que a administração celebra contratos privados.
Portanto, estes critérios de natureza
dos sujeitos, fim do contrato e objecto de serviço público foram abandonados,
uns porque provavam de mais e outros porque proavam de menos.
O critério do fim de utilidade pública,
para a doutrina que defende a distinção é um critério que prova de mais isto porque
fim público todos prosseguem, por definição a administração pública não pode
deixar de prosseguir o interesse público, quer quando pratica um acto administrativo,
quer quando faz uma operação material, quer quando faz um regulamento, quer
quando celebra um contrato privado, etc…, portanto, a partir do momento em que
toda a actuação administrativa prossegue directa ou indirectamente um interesse
público, este critério do fim provava demais, de acordo com este critério todos
os contratos da administração seriam públicos.
Por sua vez, o critério da natureza dos
sujeitos e o critério do objecto de serviço público provavam de menos,
primeiro, porque há contratos administrativos celebrados entre particulares,
portanto, não é absolutamente necessário que uma das partes seja uma entidade
integrada na administração pública para que o contrato seja administrativo,
E por sua vez o critério de serviço
público também prova de menos porque, ou bem que assimilamos o conceito de
serviço público à persecução de um fim público e então caímos no primeiro
critério, ou então estamos a falar em serviço público em sentido próprio e
estrito e então há muitos contratos que são administrativos e não visam a prossecução
de um serviço público.
Passou-se então para os critérios
formais, ou seja, critérios que têm a ver com a forma e formalidade. aqui são
essencialmente três os critérios:
- da forma e formalidades, portanto, tem uma
forma específica sobretudo se é precedido de um procedimento administrativo
diferente de um qualquer processo, de uma qualquer outra forma de negociar um
contrato entre privados;
- do regime jurídico exorbitante,
portanto, ser aplicável àquele contrato um regime jurídico de direito público
cujo nome exorbitante está hoje claramente em desuso que quer apenas dizer que
é um regime que exorbita do direito privado, portanto, um regime que vai além
do direito privado;
- critério estatutário, ou seja, um
critério segundo o qual será administrativo um contrato que é celebrado pela
administração quando actua de acordo com o seu estatuto de direito público,
porque verdadeiramente a administração por vezes actua de acordo com o direito
privado.
Acabou por se evoluir no sentido de
considerar que nenhum destes critérios sozinho resolvia a questão porque estes
critérios têm em comum, terem todos a ver com aspectos externos ao próprio
contrato, têm a ver com o procedimento que precede a celebração do contrato, o
regime jurídico tem a ver com a legislação aplicável e não com aspectos que têm
a ver internamente com o próprio contrato e o critério estatutário tem a ver
com a posição da administração pública quando celebra o contrato, portanto são
tudo aspectos que não estão intrinsecamente ligados ao contrato ou ligados ao
objecto, ao seu conteúdo.
A verdadeira natureza específica do
contrato administrativo há-de resultar da combinação de dois aspectos
essenciais por um lado a prossecução do interesse público, por outro o critério
do regime jurídico aplicável
Se nós concluirmos que àquele contrato
porque prossegue o interesse público, ou porque ele expressamente o diz, é
aplicável o regime de direito público, temos que concluir que o contrato será
um contrato administrativo e há vários contratos que estão expressamente
regulados de acordo com regras de direito público. Essas regras, esse regime de
direito público é um regime que resulta da lei e não um regime que resulta
estritamente da vontade das partes.
Esse regime traduz-se essencialmente na
consagração de poderes da administração pública sobre o co-contratante
particular, a desigualdade inerente a qualquer relação jurídica administrativa -
poderes de conformação da relação contratual, artigo 302º do Código dos Contratos
Públicos.
Há doutrina que continua a entender que
há uma dicotomia entre contrato administrativo e contrato privado da
administração: Professor VASCO PEREIRA DA SILVA
O direito da UE interessa-se pela
matéria da contratação pública desde o início. As primeiras directivas
comunitárias sobre contratação pública datam da década de 70.
A UE interessou-se porque a contratação
pública é absolutamente fundamental à construção das quatro liberdades pois
praticamente não há privados, que consigam celebrar contratos com o montante
pecuniário envolvido pela administração o que faz com um contrato da
administração tenha um grande impacto na economia.
Então essas directivas vieram dizer que
quando é o Estado - administração pública - o contrato é administrativo. Se é
um contrato pago com dinheiro público tem que ser precedido de um procedimento
pré-contratual que assegure a concorrência entre os potenciais contraentes
privados.
O direito comunitário impõe que a
administração pública lance um procedimento pré-contratual, e chama-se
pré-contratual porque é um procedimento que visa a celebração de um contrato de
concorrência – é a procedimentalização da formação da vontade da administração,
procedimentalização porque a vontade da administração é uma vontade que é formada
através de um procedimento e não é uma vontade psicológica.
Em Portugal a primeira vez que o
contrato administrativo foi consagrado, foi no código administrativo de 36-40,
e nesse código administrativo havia o artigo 815º que usava a técnica da enumeração
taxativa (para alguma doutrina, exemplificativa para outra), esse artigo tinha
um elenco que dizia quais eram os contratos considerados administrativos, todos
os outros eram privados
Daí evoluiu-se primeiro nas leis do
contencioso administrativo de 84 e depois no CPA em 91 para aquilo a que se
chama uma cláusula geral do contrato administrativo: que são contratos
administrativos aqueles contratos ou aqueles acordos que constituem, modificam
ou extinguem relações jurídicas administrativas, artigo 178º
Portanto o problema não é saber o que é
um contrato administrativo, o problema é saber o que é que é uma relação
administrativa e depois de sabermos o que é uma relação administrativa já
sabemos que o contrato é administrativo se constituir uma relação jurídica
administrativa.
Acontece porém que o código dos contratos
públicos, aprovado em 2008, vem baralhar outra vez o esquema e abandona esta
cláusula geral de contrato administrativo em torno do conceito de relação
jurídica administrativa.
O que é que nós temos exactamente hoje
em vigor no código dos contratos públicos?
Este código tem uma parte I: cláusulas
de considerações de âmbito geral, depois tem uma parte II sobre a formação dos
contratos que tem os procedimentos pré-contratuais todos e depois tem uma parte
III sobre a execução do contrato que tem as regras sobre cumprimento, validade,
extinção, poder de conformação da relação contratual etc…
O legislador estabeleceu um âmbito
aplicação diferente entre a parte II e a parte III. Diz que a parte II do
código se aplica aos contratos públicos e que a parte III se aplica apenas aos
contratos administrativos e contrato público e contrato administrativo não são
a mesma coisa.
Há contratos públicos que não são
administrativos? E há contratos administrativos que não são públicos? Sim da
óptica do código.
O que é que é um contrato público? É um
contrato celebrado por uma entidade pública; é portanto um conceito subjectivo,
tem a ver com a natureza das partes - artigo 2º - então se o contrato é público
é abrangido na parte do código relativo à formação do contrato que é a parte II,
ou seja, se é celebrado por um entidade pública se é pago com dinheiro público
tem que estar sujeito a procedimentos pré-contratuais.
No meio destes contratos públicos pode
haver contratos privados, e então a esses aplicamos a parte II da formação até
por imposição comunitária, mas não aplicamos a parte III sobre a execução porque
a parte III tem o regime substantivo do direito administrativo que não se
aplica ao contratos privados da administração, portanto veio-se manter fiel à
doutrina tradicional que dizia que nem todos os contratos celebrados pela
administração são contratos administrativos, são todos contratos públicos, mas
só alguns é que são contratos administrativos.
Ou seja, nós hoje então passamos a ter
três conceitos diferentes, conceito de contrato privado da administração, o
conceito de contrato administrativo e o conceito de contrato público.
O contrato público é o contrato que é
celebrado por uma entidade pública e portanto está sujeito ao procedimento
pré-contratual. Os contratos administrativos são aqueles que têm um regime
substantivo do direito administrativo porque prosseguem o interesse público. É
um critério que de facto deixa de fora poucos contratos. E os contratos
privados mas celebrados pela administração.
Só serão para o código dos contratos
públicos, contractos administrativos, os contratos públicos que tenham um dos
critérios que o código elenca no artigo 1º/6. O que representa um retrocesso
relativamente ao CPA, porque do código administrativo para o CPA evoluiu-se do critério
do elenco taxativo para uma cláusula geral e do CPA para o código dos contratos
tornou-se a abandonar a cláusula geral para ter um elenco de critérios de
índices de administratividade, como sejam: contratos com objecto passível de
acto administrativo, contratos que confiram ao co-contratante direitos especiais
sobre coisas públicas, contratos que a lei submeta ou que admita que sejam
submetidos a um procedimento de formação regulado por normas de direito
público, e em que a prestação do co-contratante, particular, possa condicionar
ou substituir de forma relevante a realização das atribuições do contraente
público, ou seja, contratos em que o contraente público é associado à
prossecução de um fim público, etc…
Sofia Teresa de
Bragança
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