sexta-feira, 3 de maio de 2013

Evolução histórica do contrato administrativo


A figura do contrato administrativo surgiu em França, berço também do direito administrativo, e teve como razão de ser o facto de a administração começar a recorrer a formas contratuais da actuação e perceber-se que os contractos celebrados pela administração não podiam ser exactamente iguais aos contractos celebrados entre privados.

Houve, sobretudo na Alemanha e na Itália, uma enorme resistência à figura do contrato administrativo no âmbito da administração pública, por se considerar que o contrato é tradicionalmente um meio que pressupõe igualdade das partes.

Ora, a administração naturalmente que não está num plano de igualdade relativamente ao particular, no entanto, também há situações na contratação entre privados que não são de igualdade: contratos de adesão por exemplo, cláusulas contratuais gerais, etc. Portanto, esta ideia da estrita igualdade entre as partes que seria, da perspectiva de OTTO MAYER, o óbice à utilização do contracto nas relações entre a administração pública e particular não era exactamente assim.

A verdade é que se tornou absolutamente impossível à administração desenvolver todas as tarefas que lhe são cometidas no quadro do estado social sem o recurso à figura do contrato e, de facto, é a partir do fim da primeira metade do Século XX que se propaga, digamos assim, o recurso à forma de contrato, começa a haver uma utilização generalizada da figura do contrato por parte da administração pública e a partir daqui surge o problema de saber:

- se os contratos celebrados entre a administração pública e particular são contratos iguais ao outros;

- se são contratos diferentes, e, dentro desta, em que é que se distinguem, como é que nós distinguimos um contrato privado de um contrato administrativo; o que é o objecto do direito administrativo, se é o critério das cláusulas exorbitantes, se é o critério da prossecução do interesse público, etc.

Doutrina tradicional - a administração também celebra contratos privados e o problema aqui é saber quando é que um contrato celebrado pela administração é privado e quando é que um contrato celebrado pela administração é um contrato administrativo.

Foram teorizados muitos critérios diferentes de distinção. O primeiro critério foi o da jurisdição competente: são administrativos os contratos cujos litígios sejam da competência da jurisdição administrativa. Isto é uma inversão da lógica, os contratos administrativos são da jurisdição administrativa porque são administrativos e não o contrário, portanto, sem prejuízo de ter sido esse o primeiro critério, evidentemente que acabou por ser abandonado pela doutrina.

E tendo sido abandonado então o critério da jurisdição competente seguem dois grandes grupos de critérios: os critérios materiais e os critérios formais. São aqueles que têm a ver com o fim do contrato se o contrato tem um fim de imediata utilidade pública ou não, o critério do objecto, se o contrato prossegue ou desenvolve, se está adstrito ao desenvolvimento de um serviço público e o critério da natureza dos sujeitos, se está envolvida a administração pública ou não. Estes critérios acabaram por ser abandonados.

Não há nenhum critério que hoje se entenda como sendo o único sozinho que se permite distinguir contratos privados de contratos administrativos, aliás hoje em dia a questão já não é só a de saber quais são os critérios de distinção mas também saber se há essa distinção.

Já vai havendo doutrina a defender que a distinção não existe e que todos os contratos da administração são administrativos - Professora MARIA JOÃO ESTORNINHO, Professor MARCELO REBELO DE SOUSA que diz que os contratos usados pela administração, em princípio deve-se presumir que são administrativos e, portanto, só muito residualmente, em casos muito especiais e excepcionais é que a administração celebra contratos privados.

Portanto, estes critérios de natureza dos sujeitos, fim do contrato e objecto de serviço público foram abandonados, uns porque provavam de mais e outros porque proavam de menos.

O critério do fim de utilidade pública, para a doutrina que defende a distinção é um critério que prova de mais isto porque fim público todos prosseguem, por definição a administração pública não pode deixar de prosseguir o interesse público, quer quando pratica um acto administrativo, quer quando faz uma operação material, quer quando faz um regulamento, quer quando celebra um contrato privado, etc…, portanto, a partir do momento em que toda a actuação administrativa prossegue directa ou indirectamente um interesse público, este critério do fim provava demais, de acordo com este critério todos os contratos da administração seriam públicos.

Por sua vez, o critério da natureza dos sujeitos e o critério do objecto de serviço público provavam de menos, primeiro, porque há contratos administrativos celebrados entre particulares, portanto, não é absolutamente necessário que uma das partes seja uma entidade integrada na administração pública para que o contrato seja administrativo,

E por sua vez o critério de serviço público também prova de menos porque, ou bem que assimilamos o conceito de serviço público à persecução de um fim público e então caímos no primeiro critério, ou então estamos a falar em serviço público em sentido próprio e estrito e então há muitos contratos que são administrativos e não visam a prossecução de um serviço público.

Passou-se então para os critérios formais, ou seja, critérios que têm a ver com a forma e formalidade. aqui são essencialmente três os critérios:

 - da forma e formalidades, portanto, tem uma forma específica sobretudo se é precedido de um procedimento administrativo diferente de um qualquer processo, de uma qualquer outra forma de negociar um contrato entre privados;

- do regime jurídico exorbitante, portanto, ser aplicável àquele contrato um regime jurídico de direito público cujo nome exorbitante está hoje claramente em desuso que quer apenas dizer que é um regime que exorbita do direito privado, portanto, um regime que vai além do direito privado;

- critério estatutário, ou seja, um critério segundo o qual será administrativo um contrato que é celebrado pela administração quando actua de acordo com o seu estatuto de direito público, porque verdadeiramente a administração por vezes actua de acordo com o direito privado.

Acabou por se evoluir no sentido de considerar que nenhum destes critérios sozinho resolvia a questão porque estes critérios têm em comum, terem todos a ver com aspectos externos ao próprio contrato, têm a ver com o procedimento que precede a celebração do contrato, o regime jurídico tem a ver com a legislação aplicável e não com aspectos que têm a ver internamente com o próprio contrato e o critério estatutário tem a ver com a posição da administração pública quando celebra o contrato, portanto são tudo aspectos que não estão intrinsecamente ligados ao contrato ou ligados ao objecto, ao seu conteúdo.

A verdadeira natureza específica do contrato administrativo há-de resultar da combinação de dois aspectos essenciais por um lado a prossecução do interesse público, por outro o critério do regime jurídico aplicável

Se nós concluirmos que àquele contrato porque prossegue o interesse público, ou porque ele expressamente o diz, é aplicável o regime de direito público, temos que concluir que o contrato será um contrato administrativo e há vários contratos que estão expressamente regulados de acordo com regras de direito público. Essas regras, esse regime de direito público é um regime que resulta da lei e não um regime que resulta estritamente da vontade das partes.

Esse regime traduz-se essencialmente na consagração de poderes da administração pública sobre o co-contratante particular, a desigualdade inerente a qualquer relação jurídica administrativa - poderes de conformação da relação contratual, artigo 302º do Código dos Contratos Públicos.

Há doutrina que continua a entender que há uma dicotomia entre contrato administrativo e contrato privado da administração: Professor VASCO PEREIRA DA SILVA

 

O direito da UE interessa-se pela matéria da contratação pública desde o início. As primeiras directivas comunitárias sobre contratação pública datam da década de 70.

A UE interessou-se porque a contratação pública é absolutamente fundamental à construção das quatro liberdades pois praticamente não há privados, que consigam celebrar contratos com o montante pecuniário envolvido pela administração o que faz com um contrato da administração tenha um grande impacto na economia.

Então essas directivas vieram dizer que quando é o Estado - administração pública - o contrato é administrativo. Se é um contrato pago com dinheiro público tem que ser precedido de um procedimento pré-contratual que assegure a concorrência entre os potenciais contraentes privados.

O direito comunitário impõe que a administração pública lance um procedimento pré-contratual, e chama-se pré-contratual porque é um procedimento que visa a celebração de um contrato de concorrência – é a procedimentalização da formação da vontade da administração, procedimentalização porque a vontade da administração é uma vontade que é formada através de um procedimento e não é uma vontade psicológica.

 

Em Portugal a primeira vez que o contrato administrativo foi consagrado, foi no código administrativo de 36-40, e nesse código administrativo havia o artigo 815º que usava a técnica da enumeração taxativa (para alguma doutrina, exemplificativa para outra), esse artigo tinha um elenco que dizia quais eram os contratos considerados administrativos, todos os outros eram privados

 

Daí evoluiu-se primeiro nas leis do contencioso administrativo de 84 e depois no CPA em 91 para aquilo a que se chama uma cláusula geral do contrato administrativo: que são contratos administrativos aqueles contratos ou aqueles acordos que constituem, modificam ou extinguem relações jurídicas administrativas, artigo 178º

Portanto o problema não é saber o que é um contrato administrativo, o problema é saber o que é que é uma relação administrativa e depois de sabermos o que é uma relação administrativa já sabemos que o contrato é administrativo se constituir uma relação jurídica administrativa.

Acontece porém que o código dos contratos públicos, aprovado em 2008, vem baralhar outra vez o esquema e abandona esta cláusula geral de contrato administrativo em torno do conceito de relação jurídica administrativa.

O que é que nós temos exactamente hoje em vigor no código dos contratos públicos?

Este código tem uma parte I: cláusulas de considerações de âmbito geral, depois tem uma parte II sobre a formação dos contratos que tem os procedimentos pré-contratuais todos e depois tem uma parte III sobre a execução do contrato que tem as regras sobre cumprimento, validade, extinção, poder de conformação da relação contratual etc…

O legislador estabeleceu um âmbito aplicação diferente entre a parte II e a parte III. Diz que a parte II do código se aplica aos contratos públicos e que a parte III se aplica apenas aos contratos administrativos e contrato público e contrato administrativo não são a mesma coisa.

Há contratos públicos que não são administrativos? E há contratos administrativos que não são públicos? Sim da óptica do código.

O que é que é um contrato público? É um contrato celebrado por uma entidade pública; é portanto um conceito subjectivo, tem a ver com a natureza das partes - artigo 2º - então se o contrato é público é abrangido na parte do código relativo à formação do contrato que é a parte II, ou seja, se é celebrado por um entidade pública se é pago com dinheiro público tem que estar sujeito a procedimentos pré-contratuais.

No meio destes contratos públicos pode haver contratos privados, e então a esses aplicamos a parte II da formação até por imposição comunitária, mas não aplicamos a parte III sobre a execução porque a parte III tem o regime substantivo do direito administrativo que não se aplica ao contratos privados da administração, portanto veio-se manter fiel à doutrina tradicional que dizia que nem todos os contratos celebrados pela administração são contratos administrativos, são todos contratos públicos, mas só alguns é que são contratos administrativos.

Ou seja, nós hoje então passamos a ter três conceitos diferentes, conceito de contrato privado da administração, o conceito de contrato administrativo e o conceito de contrato público.

O contrato público é o contrato que é celebrado por uma entidade pública e portanto está sujeito ao procedimento pré-contratual. Os contratos administrativos são aqueles que têm um regime substantivo do direito administrativo porque prosseguem o interesse público. É um critério que de facto deixa de fora poucos contratos. E os contratos privados mas celebrados pela administração.

Só serão para o código dos contratos públicos, contractos administrativos, os contratos públicos que tenham um dos critérios que o código elenca no artigo 1º/6. O que representa um retrocesso relativamente ao CPA, porque do código administrativo para o CPA evoluiu-se do critério do elenco taxativo para uma cláusula geral e do CPA para o código dos contratos tornou-se a abandonar a cláusula geral para ter um elenco de critérios de índices de administratividade, como sejam: contratos com objecto passível de acto administrativo, contratos que confiram ao co-contratante direitos especiais sobre coisas públicas, contratos que a lei submeta ou que admita que sejam submetidos a um procedimento de formação regulado por normas de direito público, e em que a prestação do co-contratante, particular, possa condicionar ou substituir de forma relevante a realização das atribuições do contraente público, ou seja, contratos em que o contraente público é associado à prossecução de um fim público, etc…

 

Sofia Teresa de Bragança

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