Este texto pretende abordar e dar
a compreender o alcance do princípio da legalidade na actuação administrativa,
clarificando aquilo que parece ser o percorrer de um caminho de encontro a um
menor formalismo e legalismo a uma actividade administrativa mais
“autovinculada”.
Começando por definir o princípio
da legalidade, importa relembrar que para Dworkin, as normas jurídicas estariam
divididas em princípios e regras, correspondendo os primeiros a fundamentos de
aplicabilidade, com maior abstracção e abrangência. Estes podem ser avaliados
em função do valor ou da razão, permitindo entre eles uma ponderabilidade que
as regras não admitem, obrigando ao desaparecimento de uma delas, em caso de
conflito.
É essência do Estado de Direito,
a democracia, postulando esta a possibilidade de o povo eleger os seus
representantes de forma directa, secreta e universal, que posteriormente
participam na formulação do ordenamento jurídico, assentando ainda na certeza e
segurança jurídicas, ou seja, espelhando, "uma ordem jurídica centralizada
onde a jurisdição e a administração estão vinculadas às leis".
Assim, a Administração, que tem
como fim a prossecução do interesse público, não o pode alcançar de maneira
arbitrária, pelo que tanto os seus órgãos como os seus agentes só podem agir
com fundamento na lei e dentro dos limites por esta impostos, resultando do
princípio da legalidade que a desconformidade com o mesmo permite a impugnação
judicial do acto que contradiga o preceito. São também utilizados os conceitos
de adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito para que o
agente público possa actuar da melhor forma e de acordo com o interesse
público.
Encontramos no ordenamento
português o art. 266º da CRP e o art. 3º do CPA como cânones clarificadores
deste princípio. Mas, também a nível internacional, podemos verificar que o
mesmo vigora, nomeadamente no espaço europeu, pelo Tratado de Maastricht (TUE),
de 1992, que se funda no Estado de Direito, conforme refere o seu art. 6º,
vigorando notoriamente o princípio da legalidade, dos direitos fundamentais e
da democracia.
O princípio da legalidade tem
como função de assegurar o primado do poder legislativo sobre o administrativo,
e deste modo garantir os direitos legalmente protegidos dos particulares,
abrangendo portanto a CRP, a lei, os regulamentos, os direitos resultantes de
contrato administrativo e de direito privado ou de acto administrativo
constitutivo de direitos, bem como, as normas internacionais e os direitos e
expectativas legítimas dos cidadãos.
A violação destas categorias
implica ilegalidade.
A maior parte da doutrina administrativa
entende que existem três excepções a este princípio: o estado de necessidade,
consagrado no art. 3.º, n.º2 do CPA e que no entanto, poderá dar lugar a
indemnização ao lesado; os actos políticos, na medida em que estes não são
susceptíveis de recurso contencioso perante os tribunais administrativos (no
entanto, entende o Prof. Freitas do Amaral, que continua a dever obediência à
lei, apenas não havendo sanção jurisidicional); o poder discricionário
da Administração (por vezes expressamente previsto na Lei).
Ora, o princípio em análise,
pretende tornar objectivas as práticas do administrador, dando um menor espaço
para actos discricionários. No entanto, este medo, pode acabar por implicar à
Administração Pública algumas vinculações exacerbadas, inviabilizando a
operacionalidade de determinados actos do Executivo, gerando o formalismo e o
legalismo excessivos.
Conforme foi acima referido, o
princípio da legalidade expressa a conotação administrativa do Estado de
Direito, vinculando-se, à separação de poderes e a todo o conjunto de ideias
que historicamente se reconduziam à oposição às práticas do período
absolutista. No entanto, a ideia do princípio da legalidade aplicado à
Administração Pública foi se modificando ao longo dos tempos, dado que a submissão
total à lei tornava a actividade administrativa inviável, como resultado de um
excessivo formalismo dos actos administrativos, notando-se a predominância da
letra da lei sobre o seu espírito ou mesmo sobre a real intenção do legislador.
«Também o professor Paulo Otero
sustenta que o espaço da legalidade começa a denotar o desgaste provocado pela
desmistificação da perfeição da lei, e que o conteúdo da dimensão
jurídico-positiva da legalidade encontra-se debilitado, e aponta para um maior
protagonismo ou activismo dos órgãos administrativos na aplicação ou realização
constitutiva do Direito…” escrevendo no seu livro “Legalidade e Administração
Pública” que “a lei revela-se insuficiente, obscura e ineficaz para
fazer face às novas necessidades coletivas e o próprio conteúdo das normas
jurídicas perde precisão, determinação e congruência, encontrando-se a
legalidade eivada de interesses contraditórios e povoada de uma intrínseca
conflitualidade normativa.»
Assim, sugere o professor que a
atribuição directa pela ordem jurídica de poderes normativos aos órgãos
administrativos para que estes definam as normas que vão pautar as suas
condutas e, posteriormente, apliquem tais normas ao caso concreto, demonstra de
certo modo uma “autovinculação” da Administração Pública, e que, determinadas
matérias, poderão ser reguladas pelos próprios órgãos alvos da norma de maneira
mais eficiente do que se o fossem por um Poder Legislativo que, por sua vez,
encontra-se distante daquela realidade. Neste caso, podemos assumir um
enfraquecimento do princípio da legalidade.
Em conclusão podemos afirmar que
apesar de a lei ser o fundamento da actividade administrativa e o interesse
público o seu fim, não poderemos levar o princípio da legalidade ao limite, até
porque este apenas entorpeceria o funcionamento da Administração, pelo que
podemos assumir que, com a evolução do Direito que se tem verificado
essencialmente nas últimas décadas, há uma desmistificação do princípio da
legalidade, conferindo-se uma maior margem de manobra à Administração, ainda
que esta esteja naturalmente sujeita a agir dentro das “balizas” da Lei.
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