domingo, 5 de maio de 2013

Limites à actuação administrativa



 Este texto pretende abordar e dar a compreender o alcance do princípio da legalidade na actuação administrativa, clarificando aquilo que parece ser o percorrer de um caminho de encontro a um menor formalismo e legalismo a uma actividade administrativa mais “autovinculada”.
Começando por definir o princípio da legalidade, importa relembrar que para Dworkin, as normas jurídicas estariam divididas em princípios e regras, correspondendo os primeiros a fundamentos de aplicabilidade, com maior abstracção e abrangência. Estes podem ser avaliados em função do valor ou da razão, permitindo entre eles uma ponderabilidade que as regras não admitem, obrigando ao desaparecimento de uma delas, em caso de conflito.
É essência do Estado de Direito, a democracia, postulando esta a possibilidade de o povo eleger os seus representantes de forma directa, secreta e universal, que posteriormente participam na formulação do ordenamento jurídico, assentando ainda na certeza e segurança jurídicas, ou seja, espelhando, "uma ordem jurídica centralizada onde a jurisdição e a administração estão vinculadas às leis".
Assim, a Administração, que tem como fim a prossecução do interesse público, não o pode alcançar de maneira arbitrária, pelo que tanto os seus órgãos como os seus agentes só podem agir com fundamento na lei e dentro dos limites por esta impostos, resultando do princípio da legalidade que a desconformidade com o mesmo permite a impugnação judicial do acto que contradiga o preceito. São também utilizados os conceitos de adequação, exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito para que o agente público possa actuar da melhor forma e de acordo com o interesse público.
Encontramos no ordenamento português o art. 266º da CRP e o art. 3º do CPA como cânones clarificadores deste princípio. Mas, também a nível internacional, podemos verificar que o mesmo vigora, nomeadamente no espaço europeu, pelo Tratado de Maastricht (TUE), de 1992, que se funda no Estado de Direito, conforme refere o seu art. 6º, vigorando notoriamente o princípio da legalidade, dos direitos fundamentais e da democracia.
O princípio da legalidade tem como função de assegurar o primado do poder legislativo sobre o administrativo, e deste modo garantir os direitos legalmente protegidos dos particulares, abrangendo portanto a CRP, a lei, os regulamentos, os direitos resultantes de contrato administrativo e de direito privado ou de acto administrativo constitutivo de direitos, bem como, as normas internacionais e os direitos e expectativas legítimas dos cidadãos.
A violação destas categorias implica ilegalidade.
A maior parte da doutrina administrativa entende que existem três excepções a este princípio: o estado de necessidade, consagrado no art. 3.º, n.º2 do CPA e que no entanto, poderá dar lugar a indemnização ao lesado; os actos políticos, na medida em que estes não são susceptíveis de recurso contencioso perante os tribunais administrativos (no entanto, entende o Prof. Freitas do Amaral, que continua a dever obediência à lei, apenas não havendo sanção jurisidicional); o poder discricionário da Administração (por vezes expressamente previsto na Lei).
Ora, o princípio em análise, pretende tornar objectivas as práticas do administrador, dando um menor espaço para actos discricionários. No entanto, este medo, pode acabar por implicar à Administração Pública algumas vinculações exacerbadas, inviabilizando a operacionalidade de determinados actos do Executivo, gerando o formalismo e o legalismo excessivos.
Conforme foi acima referido, o princípio da legalidade expressa a conotação administrativa do Estado de Direito, vinculando-se, à separação de poderes e a todo o conjunto de ideias que historicamente se reconduziam à oposição às práticas do período absolutista. No entanto, a ideia do princípio da legalidade aplicado à Administração Pública foi se modificando ao longo dos tempos, dado que a submissão total à lei tornava a actividade administrativa inviável, como resultado de um excessivo formalismo dos actos administrativos, notando-se a predominância da letra da lei sobre o seu espírito ou mesmo sobre a real intenção do legislador.
«Também o professor Paulo Otero sustenta que o espaço da legalidade começa a denotar o desgaste provocado pela desmistificação da perfeição da lei, e que o conteúdo da dimensão jurídico-positiva da legalidade encontra-se debilitado, e aponta para um maior protagonismo ou activismo dos órgãos administrativos na aplicação ou realização constitutiva do Direito…” escrevendo no seu livro “Legalidade e Administração Pública” que a lei revela-se insuficiente, obscura e ineficaz para fazer face às novas necessidades coletivas e o próprio conteúdo das normas jurídicas perde precisão, determinação e congruência, encontrando-se a legalidade eivada de interesses contraditórios e povoada de uma intrínseca conflitualidade normativa.»
Assim, sugere o professor que a atribuição directa pela ordem jurídica de poderes normativos aos órgãos administrativos para que estes definam as normas que vão pautar as suas condutas e, posteriormente, apliquem tais normas ao caso concreto, demonstra de certo modo uma “autovinculação” da Administração Pública, e que, determinadas matérias, poderão ser reguladas pelos próprios órgãos alvos da norma de maneira mais eficiente do que se o fossem por um Poder Legislativo que, por sua vez, encontra-se distante daquela realidade. Neste caso, podemos assumir um enfraquecimento do princípio da legalidade.
Em conclusão podemos afirmar que apesar de a lei ser o fundamento da actividade administrativa e o interesse público o seu fim, não poderemos levar o princípio da legalidade ao limite, até porque este apenas entorpeceria o funcionamento da Administração, pelo que podemos assumir que, com a evolução do Direito que se tem verificado essencialmente nas últimas décadas, há uma desmistificação do princípio da legalidade, conferindo-se uma maior margem de manobra à Administração, ainda que esta esteja naturalmente sujeita a agir dentro das “balizas” da Lei.



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