Aplica-se o Direito Público ou o Direito Privado?
O Direito Administrativo tem surgido predominantemente como Direito Público porque, como nós já sabemos desde o semestre passado, é este o ramo de Direito que prossegue o interesse público, o principal fim da Administração Pública. No entanto, mais recentemente tem-se discutido se o Direito Privado também poderá ser aplicado no âmbito desse fim, entrando-se assim no fenómeno da "Fuga para o Direito Privado". Assim, o Direito Privado e a Administração Pública poderão encontrar algum tipo de relação.
Primeiramente, essa relação vai-se traduzir na hipótese de o Direito Privado constituir um limite da actividade administrativa
lícita, isto é, se o Direito Privado protege as esferas jurídicas dos particulares, fixando nelas barreiras de licitude que outros sujeitos particulares não podem ultrapassar, também pode fixar essas barreiras de licitude para a actividade da Administração, sob pena de esta poder estar a cometer actos ilícitos.
Regressando à questão acima levantada, daqui resultam duas teorias, que vão discutir se a relação entre o Direito Privado e a Administração Pública pode também derivar da utilização directa de meios e instrumentos de Direito Privado por parte da Administração. A primeira teoria é a Teoria Clássica, que engloba os defensores do natural recurso ao Direito Privado; a segunda teoria é a Teoria Moderna, que já vai englobar aqueles que defenderam a prevalência do Direito Público.
Começando-se pelos classicistas, estes dizem que o recurso ao Direito Privado vai permitir afastar alguns trâmites processuais, ao nível de controlos burocráticos, financeiros e contabilísticos, que eram exigidos pelo ramo do Direito Público, alcançando-se assim os fins da Administração Pública através de uma forma mais célere, flexível e eficaz. E, como sabemos, os fins da Administração Pública passam sempre pelo interesse público. De facto, o interesse público está definido como sendo o objectivo da Administração mas, contudo, não está estabelecida a forma de como o prosseguir. Assim, com este argumento se explica que, se o Direito Privado se mostrar como a opção mais completa e aperfeiçoada para chegar até ao interesse público, a Administração Pública deve optar por este ramo do Direito. A título de exemplo, sempre que o Direito Privado acelere os processos administrativos, ao invés daquilo que faz o Direito Público, o primeiro deve ser escolhido. E sempre que o legislador qualifique no acto instituidor de uma pessoa colectiva que esta é
de Direito Privado, será sempre essa forma e regime que deverá ser adoptado na
sua actuação, porque o Direito Privado está também qualificado para prosseguir o interesse colectivo. Não se considera assim, para a Teoria Clássica, que haja uma preferência do Direito
Público sob o Direito Privado.
A Teoria Moderna põe em causa aquilo que é dito pela Teoria Clássica. Consideram, então, que a eficácia pretendida pelos classicistas, quando dizem que o Direito Privado permitiria acelerar processos com a dispensa das burocracias do Direito Público, não mais passa de uma escapatória da Administração às exigências do Direito Público, optando-se assim não pela via mais eficaz, mas sim pela via do facilitismo e menos perfeccionista. Os modernistas afirmam ainda que aceitam
que haja situações em que seja inevitável recorrer ao Direito Privado, até por
não haver regime equiparável no Direito Público em relação a algumas matérias,
mas, contudo, dão uma preferência ao Direito Público, nomeadamente nos casos em
que o legislador denomina a pessoa colectiva como de Direito Privado mas que,
interpretando à luz do Artigo 9.º do Código Civil, claramente se afere que o fim
da pessoa colectiva é a prossecução de fins públicos, aos quais se devem
aplicar as proposições adequadas de Direito Público, dado que é este o ramo característico da prossecução dos interesses colectivos e não dos interesses particulares, como o é o Direito Privado. Ou
seja, a figura da interpretação da lei do Artigo 9.º permite que o intérprete não fique preso ao âmbito legal, vinculando-se àquilo
que o legislador diz.
Com a exposição destas duas posições, é necessário retirar-se algumas ideias conclusivas. A primeira passa claramente pela ideia geral de que o Direito
Privado na prossecução do interesse público tem de ser considerado como válido
e pertinente, até porque o Direito
Administrativo Privado acaba por ser criado pelo legislador, ainda que através
de uma remissão genérica tácita. Não se trata, portanto, de uma questão de
interpretação da lei, mas sim da adequabilidade de um ou outro ramo de Direito
para fazer frente às exigências do problema administrativo. De facto, aqui reside a segunda conclusão: o
recurso ao Direito Privado só seria feito na medida do necessário, invocando-se
para o efeito o artigo 5º/2 do Código do Procedimento Administrativo. Com este argumento, afasta-se a ideia da "Fuga para o Direito Privado" na medida em que se tenciona fugir às exigências do Direito Público. Por fim, a última conclusão reside na ideia de que de facto se utiliza o Direito Privado, mas há sempre limitações a essa utilização por entidades jurídico-públicas, nomeadamente quanto
aos princípios constitucionais e administrativos (Artigos 266.º e 267.º da
Constituição da República Portuguesa e Artigo 5.º, n.º2 do Código de
Procedimento Administrativo, e quanto ao Princípio
da Liberdade de Escolha Limitada, em que o recurso ao Direito Privado só deve ser feito na medida em que tal seja
conveniente para a prossecução dos fins de uma qualquer entidade pública, no
contexto da especialidade das suas atribuições e com exclusão dos seus poderes
de autoridade.
Duarte Mota
Nº 22068
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