O código do procedimento nos artigos
133º e seguintes parece ter reduzido as questões das sanções aplicáveis aos
actos administrativos apenas a duas – à nulidade e à anulabilidade. Foi uma
escolha muito pensada e que tinha a ver com a simplificação da invalidade dos
actos administrativos pois não parece que houvesse vantagens em estar a multiplicar
figuras que conduziam exactamente ao mesmo - a inexistência; a inexistência
equivaleria apenas a dizer que o acto a que faltasse algum elemento essencial
era um acto inexistente, isto tinha a ver com uma visão francesa de considerar
que a nulidade era tipificada e que as nulidades não podiam resultar de
cláusulas gerais, ora, hoje em dia, isto não é verdade e o legislador do código
de procedimento deliberadamente definiu os actos nulos através de uma cláusula
geral e esta cláusula geral do nº1 do artigo 133º destina-se precisamente a
acabar com a inexistência pelo que diz que são nulos os actos aos quais faltem
os elementos essenciais, ou seja, os actos que a doutrina que falava da
inexistência considerava que correspondia a uma categoria à parte e, portanto,
este artigo 133º nº 1 liquidou a figura da inexistência pois o que está em
causa é uma nulidade é um acto que não tem aptidão para a produção de efeitos
jurídicos.
Há, portanto, dois regimes jurídicos: o
dos actos nulos, aqueles que à partida não produzem efeito; e o dos actos
anuláveis, os actos que produzem efeito até serem anulados embora depois tenham
um efeito retroactivo.
Mas há ainda uma situação que agora
surgiu e que é a questão da simples irregularidade - Professor MARCELO REBELO
DE SOUSA - e aqui há duas perspectivas para olhar para o acto administrativo e
para saber se, nesse acto administrativo, é possível salvar alguma coisa quando
se faz um juízo acerca da validade ou invalidade do acto.
Historicamente, e no quadro da teoria
da escola de Lisboa que era formalista, Kelseniana e positivista, entendia-se
que todas as ilegalidades eram iguais e que não havia que estar a distinguir
entre ilegalidades formais e ilegalidades substantivas e não se admitia esta
ideia da existência de irregularidades, se a lei falava numa exigência legal,
essa exigência tinha que ser cumprida, essa exigência era essencial; a Escola
de Coimbra, no entanto, por influência do Direito alemão, começou a dizer que
nem todas as ilegalidades eram iguais e que quando estava em causa o acto
administrativo que corresponde ao exercício da legalidade e se tratasse de uma
ilegalidade formal e menos importante que ela apesar de existir deveria
permitir que o acto administrativo se pudesse salvar e este princípio de
aproveitamento dos actos administrativos ilegais que foi introduzido pela
Escola de Coimbra, o que passou a ter alguma correspondência e a ser
concretizado nos Tribunais portugueses que vieram qualificar a questão de saber
se algumas ilegalidades, quase todas de natureza formal ou sempre de natureza
formal podiam ser consideradas como não essenciais e deviam permitir a salvação
do acto.
Parece admissível que, nalguns casos,
se possa salvar o acto quando estivermos perante uma ilegalidade formal e que
não seja essencial, mas isso só pode acontecer quando essa ilegalidade não
tenha cobertura constitucional, não corresponda ao princípio constitucional, a
um direito fundamental, o que significa que não pode haver um salvamento ou
recuperação de actos administrativos em que falte o direito de audiência, em
que não exista participação, em que não haja fundamentação, em que não se
verifiquem todas as condições formais indicadas na Constituição porque se há
uma cobertura constitucional para aquela ilegalidade formal, ela só pode ser
considerada essencial, outra realidade punha em causa a lógica da administração
pública, punha em causa a vinculação das entidades públicas aos direitos.
Uma outra questão é o problema de saber
se há alguma sanção regra - pois a lógica tradicional era dizer que a sanção
regra no direito administrativo era a anulabilidade,
Mas não há nenhuma sanção regra e isso
resulta do modo como o código de procedimento encarou a nulidade, em primeiro
lugar a nulidade é definida através de uma cláusula geral, não através de uma
lógica de numerus clausulus, é uma realidade aberta que permite que qualquer
ilegalidade grave gere nulidade, depois porque o código no número 2 deste artigo
133º, quando exemplifica os casos de actos nulos, exemplifica estes casos em
termos que são ampliativos e em termos que permitem que todas as ilegalidades
consoante a sua gravidade possam gerar nulidade ou anulabilidade:
- usurpação de poder – são os casos em
que há a violação do princípio da separação de poderes, violar a separação de
poderes é um princípio constitucional essencial, o acto tinha que ser nulo;
- casos de incompetência,
incompetências graves, incompetências que o que está em causa é a prática de
actos fora das atribuições ou do órgão ou da pessoa colectiva
- os actos cujo objecto seja impossível
ininteligível ou constitui um crime, objecto impossível é algo que tem um
âmbito de aplicação muito grande e ininteligível ainda mais o que não faltam no
Direito Administrativo são actos ininteligíveis, alguns são tao inteligíveis
que se tornam ininteligíveis por causa disso; depois se constitui um crime em
face da nossa panóplia de crimes também temos aqui uma cláusula muito ampla
- actos que ofendam o conteúdo
essencial do direito fundamental: o que é que não é direito fundamental na
nossa ordem jurídica, em que há direitos e garantias, direitos económicos e
sociais e culturais, em que há direitos de natureza procedimental, em que há o
princípio de cláusula aberta em matéria de direitos fundamentais, esta é uma
cláusula de grande expansibilidade, é uma cláusula de alargamento da nulidade
dos actos administrativos;
- actos sob de coacção;
- actos que careçam em absoluto de
forma legal, ou seja, a forma quando não existe de todo o que é um argumento a
favor da essencialidade;
- as deliberações dos órgãos colegiais
em que não haja quórum ou tomadas tumultuosamente, as decisões que ofendam os
casos julgados e os actos consequentes de actos ilegais, ou seja, temos um acto
que é anulável mas se há um acto que é consequência desse acto anulável, foi
praticado a seguir ao acto anulável, esse acto é nulo.
Ora bem só se pode então concluir que a
anulabilidade não é sanção regra na nossa ordem jurídica.
No direito administrativo a
anulabilidade ou a nulidade são a regra consoante a realidade que esteja em
causa. A análise da invalidade do acto administrativo tem que ser feita em
concreto, se há uma invalidade grave nos termos dessa cláusula geral ela deve
corresponder à nulidade do acto administrativo.
A questão dos efeitos, o código do artigo
134º, e numa lógica de simplificação, distingue basicamente os actos nulos dos
anuláveis dizendo que os primeiros não produzem quaisquer efeitos jurídicos, os
segundos produzem efeitos jurídicos até serem anulados
No entanto o número 3 deste artigo
134º, vem dizer que os actos nulos podem produzir efeitos de facto e, portanto,
a questão não é não produzir efeitos, a questão é produzir efeitos válidos, é
ter apetência para a produção jurídica de efeitos, o acto nulo não tem essa
potencialidade, não significa que não venha a produzir efeitos e que esses
efeitos nos termos do número 3 não tenham que ser salvaguardados nomeadamente
quando estão em causa direitos de terceiros ou situações de terceiros;
Ora bem, essa diferença essencial ter
apetência para a produção ou não ter apetência depois dá origem a outras
diferenças secundárias, diferenças secundárias que existem e são correctas, por
exemplo, no âmbito da relação hierárquica se a ordem corresponde a um acto nulo
não há dever de obediência se corresponde a um acto anulável há o dever de
obediência e embora o subalterno possa pedir a confirmação da nota por escrito,
no âmbito das relações com os particulares se o acto é nulo o particular goza
do direito de resistência, enquanto que não há direito de resistência se o acto
for meramente anulável e portanto aí o particular tem que cumprir e depois
anula e a ideia de que há um prazo para esta situação, ou seja, porque o acto
nulo não tem apetência para a produção de efeitos jurídicos esta nulidade pode
ser declarada a todo o tempo enquanto que o acto anulável precisamente porque
vai produzindo efeitos há um prazo de um ano que, dentro do qual, essa
invalidade pode ser suscitada mas isto não significa que o acto inválido se
transformaria em válido ao fim de um ano, não há nenhuma convalidação do acto
administrativo, na nossa ordem jurídica entende-se, que a qualquer momento o
juiz pode conhecer da invalidade de um acto administrativo que se tornou
ininpugnável.
Não há nenhum efeito convalidatório num
acto anulado, o acto era ilegal, continua a ser ilegal mas há efeitos que
decorrem deste acto que têm de ser salvaguardados no quadro da ordem jurídica e
o tribunal tem que reconhecer os direitos que resultam de um acto que é ilegal.
O que significa que o prazo de um ano não vale para efeitos de convalidação,
E não faz sentido sequer falar em caso decidido
como fazia o Professor MARCELLO CAETANO que dizia que o caso decidido, é uma
coisa parecida com caso julgado mas menos, o caso julgado implica a
estabilidade da sentença, o caso decidido do acto administrativo implica a
convalidação do acto, o que ele não dizia é que o caso julgado é uma regra de
certeza e de segurança que não convalida nada, a sentença continua a ser
ilegal, não pode é ser contrariada, o acto administrativo tinha menos força mas
convalidava o acto, ou seja, tinha mais efeitos que a sentença, então se é uma
coisa parecida com uma sentença mas que é inferior não pode ter efeitos
superiores à sentença e, portanto, não há nenhuma razão para o efeito
convalidatório.
Sofia Teresa de Bragança
21786
7-05-13
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