terça-feira, 7 de maio de 2013

Sanções


O código do procedimento nos artigos 133º e seguintes parece ter reduzido as questões das sanções aplicáveis aos actos administrativos apenas a duas – à nulidade e à anulabilidade. Foi uma escolha muito pensada e que tinha a ver com a simplificação da invalidade dos actos administrativos pois não parece que houvesse vantagens em estar a multiplicar figuras que conduziam exactamente ao mesmo - a inexistência; a inexistência equivaleria apenas a dizer que o acto a que faltasse algum elemento essencial era um acto inexistente, isto tinha a ver com uma visão francesa de considerar que a nulidade era tipificada e que as nulidades não podiam resultar de cláusulas gerais, ora, hoje em dia, isto não é verdade e o legislador do código de procedimento deliberadamente definiu os actos nulos através de uma cláusula geral e esta cláusula geral do nº1 do artigo 133º destina-se precisamente a acabar com a inexistência pelo que diz que são nulos os actos aos quais faltem os elementos essenciais, ou seja, os actos que a doutrina que falava da inexistência considerava que correspondia a uma categoria à parte e, portanto, este artigo 133º nº 1 liquidou a figura da inexistência pois o que está em causa é uma nulidade é um acto que não tem aptidão para a produção de efeitos jurídicos.

Há, portanto, dois regimes jurídicos: o dos actos nulos, aqueles que à partida não produzem efeito; e o dos actos anuláveis, os actos que produzem efeito até serem anulados embora depois tenham um efeito retroactivo.

Mas há ainda uma situação que agora surgiu e que é a questão da simples irregularidade - Professor MARCELO REBELO DE SOUSA - e aqui há duas perspectivas para olhar para o acto administrativo e para saber se, nesse acto administrativo, é possível salvar alguma coisa quando se faz um juízo acerca da validade ou invalidade do acto.

Historicamente, e no quadro da teoria da escola de Lisboa que era formalista, Kelseniana e positivista, entendia-se que todas as ilegalidades eram iguais e que não havia que estar a distinguir entre ilegalidades formais e ilegalidades substantivas e não se admitia esta ideia da existência de irregularidades, se a lei falava numa exigência legal, essa exigência tinha que ser cumprida, essa exigência era essencial; a Escola de Coimbra, no entanto, por influência do Direito alemão, começou a dizer que nem todas as ilegalidades eram iguais e que quando estava em causa o acto administrativo que corresponde ao exercício da legalidade e se tratasse de uma ilegalidade formal e menos importante que ela apesar de existir deveria permitir que o acto administrativo se pudesse salvar e este princípio de aproveitamento dos actos administrativos ilegais que foi introduzido pela Escola de Coimbra, o que passou a ter alguma correspondência e a ser concretizado nos Tribunais portugueses que vieram qualificar a questão de saber se algumas ilegalidades, quase todas de natureza formal ou sempre de natureza formal podiam ser consideradas como não essenciais e deviam permitir a salvação do acto.

Parece admissível que, nalguns casos, se possa salvar o acto quando estivermos perante uma ilegalidade formal e que não seja essencial, mas isso só pode acontecer quando essa ilegalidade não tenha cobertura constitucional, não corresponda ao princípio constitucional, a um direito fundamental, o que significa que não pode haver um salvamento ou recuperação de actos administrativos em que falte o direito de audiência, em que não exista participação, em que não haja fundamentação, em que não se verifiquem todas as condições formais indicadas na Constituição porque se há uma cobertura constitucional para aquela ilegalidade formal, ela só pode ser considerada essencial, outra realidade punha em causa a lógica da administração pública, punha em causa a vinculação das entidades públicas aos direitos.

 

Uma outra questão é o problema de saber se há alguma sanção regra - pois a lógica tradicional era dizer que a sanção regra no direito administrativo era a anulabilidade,

Mas não há nenhuma sanção regra e isso resulta do modo como o código de procedimento encarou a nulidade, em primeiro lugar a nulidade é definida através de uma cláusula geral, não através de uma lógica de numerus clausulus, é uma realidade aberta que permite que qualquer ilegalidade grave gere nulidade, depois porque o código no número 2 deste artigo 133º, quando exemplifica os casos de actos nulos, exemplifica estes casos em termos que são ampliativos e em termos que permitem que todas as ilegalidades consoante a sua gravidade possam gerar nulidade ou anulabilidade:

- usurpação de poder – são os casos em que há a violação do princípio da separação de poderes, violar a separação de poderes é um princípio constitucional essencial, o acto tinha que ser nulo;

- casos de incompetência, incompetências graves, incompetências que o que está em causa é a prática de actos fora das atribuições ou do órgão ou da pessoa colectiva

- os actos cujo objecto seja impossível ininteligível ou constitui um crime, objecto impossível é algo que tem um âmbito de aplicação muito grande e ininteligível ainda mais o que não faltam no Direito Administrativo são actos ininteligíveis, alguns são tao inteligíveis que se tornam ininteligíveis por causa disso; depois se constitui um crime em face da nossa panóplia de crimes também temos aqui uma cláusula muito ampla

- actos que ofendam o conteúdo essencial do direito fundamental: o que é que não é direito fundamental na nossa ordem jurídica, em que há direitos e garantias, direitos económicos e sociais e culturais, em que há direitos de natureza procedimental, em que há o princípio de cláusula aberta em matéria de direitos fundamentais, esta é uma cláusula de grande expansibilidade, é uma cláusula de alargamento da nulidade dos actos administrativos;

- actos sob de coacção;

- actos que careçam em absoluto de forma legal, ou seja, a forma quando não existe de todo o que é um argumento a favor da essencialidade;

- as deliberações dos órgãos colegiais em que não haja quórum ou tomadas tumultuosamente, as decisões que ofendam os casos julgados e os actos consequentes de actos ilegais, ou seja, temos um acto que é anulável mas se há um acto que é consequência desse acto anulável, foi praticado a seguir ao acto anulável, esse acto é nulo.

Ora bem só se pode então concluir que a anulabilidade não é sanção regra na nossa ordem jurídica.

No direito administrativo a anulabilidade ou a nulidade são a regra consoante a realidade que esteja em causa. A análise da invalidade do acto administrativo tem que ser feita em concreto, se há uma invalidade grave nos termos dessa cláusula geral ela deve corresponder à nulidade do acto administrativo.

 

A questão dos efeitos, o código do artigo 134º, e numa lógica de simplificação, distingue basicamente os actos nulos dos anuláveis dizendo que os primeiros não produzem quaisquer efeitos jurídicos, os segundos produzem efeitos jurídicos até serem anulados

No entanto o número 3 deste artigo 134º, vem dizer que os actos nulos podem produzir efeitos de facto e, portanto, a questão não é não produzir efeitos, a questão é produzir efeitos válidos, é ter apetência para a produção jurídica de efeitos, o acto nulo não tem essa potencialidade, não significa que não venha a produzir efeitos e que esses efeitos nos termos do número 3 não tenham que ser salvaguardados nomeadamente quando estão em causa direitos de terceiros ou situações de terceiros;

 

Ora bem, essa diferença essencial ter apetência para a produção ou não ter apetência depois dá origem a outras diferenças secundárias, diferenças secundárias que existem e são correctas, por exemplo, no âmbito da relação hierárquica se a ordem corresponde a um acto nulo não há dever de obediência se corresponde a um acto anulável há o dever de obediência e embora o subalterno possa pedir a confirmação da nota por escrito, no âmbito das relações com os particulares se o acto é nulo o particular goza do direito de resistência, enquanto que não há direito de resistência se o acto for meramente anulável e portanto aí o particular tem que cumprir e depois anula e a ideia de que há um prazo para esta situação, ou seja, porque o acto nulo não tem apetência para a produção de efeitos jurídicos esta nulidade pode ser declarada a todo o tempo enquanto que o acto anulável precisamente porque vai produzindo efeitos há um prazo de um ano que, dentro do qual, essa invalidade pode ser suscitada mas isto não significa que o acto inválido se transformaria em válido ao fim de um ano, não há nenhuma convalidação do acto administrativo, na nossa ordem jurídica entende-se, que a qualquer momento o juiz pode conhecer da invalidade de um acto administrativo que se tornou ininpugnável.

Não há nenhum efeito convalidatório num acto anulado, o acto era ilegal, continua a ser ilegal mas há efeitos que decorrem deste acto que têm de ser salvaguardados no quadro da ordem jurídica e o tribunal tem que reconhecer os direitos que resultam de um acto que é ilegal. O que significa que o prazo de um ano não vale para efeitos de convalidação,

E não faz sentido sequer falar em caso decidido como fazia o Professor MARCELLO CAETANO que dizia que o caso decidido, é uma coisa parecida com caso julgado mas menos, o caso julgado implica a estabilidade da sentença, o caso decidido do acto administrativo implica a convalidação do acto, o que ele não dizia é que o caso julgado é uma regra de certeza e de segurança que não convalida nada, a sentença continua a ser ilegal, não pode é ser contrariada, o acto administrativo tinha menos força mas convalidava o acto, ou seja, tinha mais efeitos que a sentença, então se é uma coisa parecida com uma sentença mas que é inferior não pode ter efeitos superiores à sentença e, portanto, não há nenhuma razão para o efeito convalidatório.

 

Sofia Teresa de Bragança

21786

7-05-13

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