domingo, 19 de maio de 2013

Teoria da imprevisão - relação com o Facto do Príncipe


De acordo com o nº6 do artigo 1º do CCP, um contrato administrativo define-se como acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação. Celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos, que se integre em qualquer uma das seguintes categorias:
a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público; 
b) Contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos; 
c) Contratos que confiram ao co-contratante direitos especiais sobre coisas públicas ou o exercício de funções dos órgãos do contraente público; 
d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do co-contratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.
Depois de dado conceito legal de contrato administrativo, passemos ao tema em questão. O problema que pretendo avaliar dá-se aquando da execução do contrato. A execução implica, tal como pede o 286º CCP, o exercício de direitos ou poderes e o cumprimento de deveres ou obrigações resultantes do contrato, numa atitude de boa fé e em conformidade com o interesse público. E uma das características mais relevantes dos contratos administrativos e a salvaguarda do equilíbrio financeiro. Este princípio pode-se ver atingido sem que nenhuma das partes seja imputável, por factos estranhos à vontade dos contraentes. A origem destes factos, define diferentes perturbações. Pretende-se dar maior relevo ao facto do Príncipe, mas para que este seja compreendido é necessário que se estudem outras situações necessariamente ligadas àquele.
O Professor Marcello Caetano debruçou-se sobre o problema da teoria da imprevisão. Em primeiro lugar distinguiu as situações em que o cumprimento dos contratos de tornava totalmente impossível por algum facto imprevisível e estranho à vontade dos contraentes; chamava-se o caso de força maior, onde, perante a impossibilidade, o particular ficava desonerado de responsabilidade pelo incumprimento. E se assim estivesse estipulado no contrato, o risco correria por conta da Administração que teria de indemnizar o co-contratante pelos danos sofridos.
Em segundo lugar, caracterizou o caso imprevisto. Neste, o contrato continuava plausível de ser cumprido mas o facto estranho à vontade dos contraentes, determinava a modificação das circunstâncias económicas gerais, tornando a execução do contrato muito mais onerosa para uma das partes do que caberia no risco normalmente considerado.

A teoria da imprevisão surge, pela primeira vez em 1916, num caso julgado pelo Conseil d’Etat em que litigavam a Compagnie du Gaz de Bourdeaux e a respectiva municipalidade. Sustentava-se que se devia condenar o contraente de direito público a satisfazer à outra parte uma indemnização pelas perdas consideráveis devidas à manutenção das tarifas anteriores a 1914 e a elevação enorme do custo do carvão provocado pela guerra. O Conseil aceitou o raciocínio segundo o qual a ruína do co-contratante comprometia a necessária continuidade da satisfação das necessidades públicas, sendo do interesse da Administração manter o contrato. Para isso, haveria que partilhar os ónus entre as duas partes, assegurando ao particular uma indeminização de imprevisão que, não cobrindo todo o défice, permitiria que o contrato continuasse ser cumprido. Estes tipos de indeminizações destinam-se sempre a danos emergentes e nunca a lucros cessantes. A partir de 1932, o Conseil utilizou a teoria da imprevisão noutro sentido: apenas se aplicaria a situações temporárias, servindo as indeminizações para permitir que o co-contratante consiga ultrapassar as dificuldades momentâneas. O caso em concreto, tratava de uma concessionária de um serviço de transportes por carros eléctricos, a quem a jurisdição administrativa reconheceu o direito à indeminização de imprevisão, mas acabou por verificar que os défices derivavam da concorrência vitoriosa dos serviços privados de transporte por autocarros e que a situação era irremediável. Ao se verificar que o défice é irreversível, seria anti-económico e contrário ao interesse geral, perpetuar tal situação. O serviço público ou se adaptava às novas situações ou se rescindia o contrato de concessão.
Como se verifica, a teoria da imprevisão chega a França por via jurisprudencial. Em Portugal, isso não acontece. Encontramos sim, vários diplomas legais que se baseiam na teoria da imprevisão desde o Decreto nº 1536 de 27 de Abril de 1915 ao Decreto-lei 47954 de 16 de Setembro de 1967. De acordo com o Professor Marcello Caetano, e com base nesta legislação, as regras gerais da teoria da imprevisão seriam:
a)      A superveniência de circunstâncias económicas excepcionais imprevisíveis à data da celebração do contrato administrativo e que tornem mais onerosa a sua execução pelo contraente particular, justifica a alteração dos contratos;
b)      Os encargos excepcionais são reparados:
- por meio de revisão dos contratos com aumento dos preços dos fornecimentos ou das tarifas dos serviços concedidos, quanto aos contratos de fornecimento ou de concessão;
- pela atribuição de uma indeminização aos empreiteiros de obras públicas;
c) são considerados encargos excepcionais os que representem incomparável sacrifício.
A teoria da imprevisão tem por base o seguinte raciocínio: sendo o particular, de certa forma, colaborador da Administração, pondo ao serviço do interesse públicos o seu interesse privado, disposto a correr o risco normal de empresa, sem que lhe seja pedido um sacrifício desinteressado e excepcional, resulta a consequência de que se o contrato tiver de ser executado em conjuntura económica que subverta o equilíbrio financeiro estabelecido e não tivesse podido ser prevista no momento da celebração, a Administração deve partilhar dos prejuízos verificados ou rever o contrato de modo a estabelecer a base de justiça comutativa, essencial ao reconhecimento legal da respectiva validade.
Os grandes períodos de perturbações económicas por que Portugal tem passado, originam muitas indeminizações por imprevisão, principalmente na sua forma mais característica, já falado direito de revisão dos preços. Este passou a ser previsto em legislação aplicável a certo tipo de contratos administrativos, como as empreitadas de obras públicas e surgia também consagrado nos próprios contratos, como forma de manter e restaurar o equilíbrio financeiro destes, contra alterações anormais.
Como verifica o Professor Freitas do Amaral, o CCP altera este regime de indeminização por imprevisão:
1º Além de admitir a modificação do contrato ou de atribuição de uma compensação financeira por decisão judicial ou arbitral com base em alteração das circunstâncias (311º nº1; 312º al. a); 314º nº2), aceita também a resolução do contrato (quer por via de decisão judicial ou arbitral, qer por decisão do contraente publico, com fundamento na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias – 330º/c); 332, nº 1/a), nº2 e nº3; e 335º)
2º O CCP prevê que a revisão dos preços só é admissível se o contrato o determinar e fixar os respectivos termos, nomeadamente o método de cálculo e a periodicidade (art. 300º). Esta limitação não prejudica os casos em que haja lugar à reposição do equilíbrio financeiro (282º); em que haja partilha de benefícios no quadro das PPP (341º); e em que haja revisão ordinária de preços no âmbito do contrato de empreitadas de obras públicas (382º).
Passando agora ao caso do Facto do Príncipe, este acontece em casos de contratação pública continuada, quando entram em vigor disposições normativas com impacto sobre a execução do contrato. Por exemplo, um acto legislativo impõe a adopção de novas medidas de segurança na construção que devem ser implementadas pelos empreiteiros e concessionários de obras públicas.
O Facto do Príncipe distingue-se do exercício de poderes de modificação e resolução unilateral em quatro pontos:
a)      O Facto do Príncipe decorre de actos normativos e não necessariamente de actos da função administrativa, ao contrário dos poderes de modificação e resolução unilateral;
b)      O Facto do Príncipe tem impacto sobre o contrato não o tem por objecto, a contrário dos ditos cujos poderes;
c)      O Facto do Príncipe pode resultar da conduta de um órgão de uma pessoa colectiva Pública estranha ao círculo contratual. Os poderes de modificação e resolução unilateral são sempre exercidos por órgãos da pessoa colectiva administrativa que é parte do contrato;
d)      O Facto do Príncipe pode limitar-se a alterar as circunstâncias que o contrato pressupõe, enquanto que os poderes de modificação e resolução unilateral afectam sempre de forma imediata o conteúdo ou a própria subsistência do contrato.
O Facto do Príncipe, porém, partilha de certos problemas com os poderes de modificação e resolução unilateral como o facto de o co-contratante de administração ser tutelado, uma vez que não lhe deve ser imputado o risco do Facto do Príncipe.
Verifica-se, então, a parecença do problema do facto do príncipe com o problema da alteração das circunstâncias. Daí que o Professor Freitas do Amaral defende que a sua consequência típica é a do caso de força maior, em que o devedor fica exonerado da obrigação (sendo  o cumprimento do contrato impossível) ou a do caso imprevisto, em que o devedor tem direito a uma indeminização, ou à revisão dos preços ou outra forma de restabelecimento do equilíbrio financeiro.
O Professor Marcelo Rebelo de Sousa fala de uma lacuna do CCP, sendo integrada nos termos gerais. O Professor faz uma separação entre factos do príncipe próprios do contraente público e os imputáveis a pessoas colectivas estranhas à relação contratual. No primeiro caso aplicam-se os regimes de modificação e resolução unilaterais porque as situações são idênticas estrutural e materialmente. No segundo caso, cai-se no regime das pretensões indemnizatórias por sacrifício de direitos patrimoniais privados.

Mariana Amaral
nº 21954

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