De acordo
com o nº6 do artigo 1º do CCP, um contrato administrativo define-se como acordo
de vontades, independentemente da sua forma ou designação. Celebrado entre
contraentes públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos,
que se integre em qualquer uma das seguintes categorias:
a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da
vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou
submetidos a um regime substantivo de direito público;
b) Contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos;
c) Contratos que confiram ao co-contratante direitos especiais sobre coisas públicas ou o exercício de funções dos órgãos do contraente público;
d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do co-contratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.
b) Contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos;
c) Contratos que confiram ao co-contratante direitos especiais sobre coisas públicas ou o exercício de funções dos órgãos do contraente público;
d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do co-contratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.
Depois de
dado conceito legal de contrato administrativo, passemos ao tema em questão. O
problema que pretendo avaliar dá-se aquando da execução do contrato. A execução
implica, tal como pede o 286º CCP, o exercício de direitos ou poderes e o cumprimento
de deveres ou obrigações resultantes do contrato, numa atitude de boa fé e em
conformidade com o interesse público. E uma das características mais relevantes
dos contratos administrativos e a salvaguarda do equilíbrio financeiro. Este princípio
pode-se ver atingido sem que nenhuma das partes seja imputável, por factos
estranhos à vontade dos contraentes. A origem destes factos, define diferentes
perturbações. Pretende-se dar maior relevo ao facto do Príncipe, mas para que
este seja compreendido é necessário que se estudem outras situações
necessariamente ligadas àquele.
O Professor
Marcello Caetano debruçou-se sobre o problema da teoria da imprevisão. Em
primeiro lugar distinguiu as situações em que o cumprimento dos contratos de
tornava totalmente impossível por algum facto imprevisível e estranho à vontade
dos contraentes; chamava-se o caso de força maior, onde, perante a
impossibilidade, o particular ficava desonerado de responsabilidade pelo
incumprimento. E se assim estivesse estipulado no contrato, o risco correria
por conta da Administração que teria de indemnizar o co-contratante pelos danos
sofridos.
Em segundo
lugar, caracterizou o caso imprevisto. Neste, o contrato continuava plausível
de ser cumprido mas o facto estranho à vontade dos contraentes, determinava a
modificação das circunstâncias económicas gerais, tornando a execução do
contrato muito mais onerosa para uma das partes do que caberia no risco
normalmente considerado.
A teoria da
imprevisão surge, pela primeira vez em 1916, num caso julgado pelo Conseil d’Etat
em que litigavam a Compagnie du Gaz de Bourdeaux e a respectiva municipalidade.
Sustentava-se que se devia condenar o contraente de direito público a
satisfazer à outra parte uma indemnização pelas perdas consideráveis devidas à manutenção
das tarifas anteriores a 1914 e a elevação enorme do custo do carvão provocado
pela guerra. O Conseil aceitou o raciocínio segundo o qual a ruína do
co-contratante comprometia a necessária continuidade da satisfação das
necessidades públicas, sendo do interesse da Administração manter o contrato. Para
isso, haveria que partilhar os ónus entre as duas partes, assegurando ao
particular uma indeminização de imprevisão que, não cobrindo todo o défice,
permitiria que o contrato continuasse ser cumprido. Estes tipos de indeminizações
destinam-se sempre a danos emergentes e nunca a lucros cessantes. A partir de
1932, o Conseil utilizou a teoria da imprevisão noutro sentido: apenas se
aplicaria a situações temporárias, servindo as indeminizações para permitir que
o co-contratante consiga ultrapassar as dificuldades momentâneas. O caso em
concreto, tratava de uma concessionária de um serviço de transportes por carros
eléctricos, a quem a jurisdição administrativa reconheceu o direito à indeminização
de imprevisão, mas acabou por verificar que os défices derivavam da
concorrência vitoriosa dos serviços privados de transporte por autocarros e que
a situação era irremediável. Ao se verificar que o défice é irreversível, seria
anti-económico e contrário ao interesse geral, perpetuar tal situação. O serviço
público ou se adaptava às novas situações ou se rescindia o contrato de
concessão.
Como se
verifica, a teoria da imprevisão chega a França por via jurisprudencial. Em
Portugal, isso não acontece. Encontramos sim, vários diplomas legais que se
baseiam na teoria da imprevisão desde o Decreto nº 1536 de 27 de Abril de 1915
ao Decreto-lei 47954 de 16 de Setembro de 1967. De acordo com o Professor
Marcello Caetano, e com base nesta legislação, as regras gerais da teoria da imprevisão
seriam:
a)
A
superveniência de circunstâncias económicas excepcionais imprevisíveis à data
da celebração do contrato administrativo e que tornem mais onerosa a sua execução
pelo contraente particular, justifica a alteração dos contratos;
b)
Os
encargos excepcionais são reparados:
- por meio de revisão dos contratos
com aumento dos preços dos fornecimentos ou das tarifas dos serviços
concedidos, quanto aos contratos de fornecimento ou de concessão;
- pela atribuição de uma indeminização
aos empreiteiros de obras públicas;
c) são considerados encargos excepcionais os
que representem incomparável sacrifício.
A teoria da imprevisão
tem por base o seguinte raciocínio: sendo o particular, de certa forma,
colaborador da Administração, pondo ao serviço do interesse públicos o seu
interesse privado, disposto a correr o risco normal de empresa, sem que lhe
seja pedido um sacrifício desinteressado e excepcional, resulta a consequência de
que se o contrato tiver de ser executado em conjuntura económica que subverta o
equilíbrio financeiro estabelecido e não tivesse podido ser prevista no momento
da celebração, a Administração deve partilhar dos prejuízos verificados ou
rever o contrato de modo a estabelecer a base de justiça comutativa, essencial
ao reconhecimento legal da respectiva validade.
Os grandes períodos
de perturbações económicas por que Portugal tem passado, originam muitas indeminizações
por imprevisão, principalmente na sua forma mais característica, já falado
direito de revisão dos preços. Este passou a ser previsto em legislação aplicável
a certo tipo de contratos administrativos, como as empreitadas de obras
públicas e surgia também consagrado nos próprios contratos, como forma de
manter e restaurar o equilíbrio financeiro destes, contra alterações anormais.
Como
verifica o Professor Freitas do Amaral, o CCP altera este regime de indeminização
por imprevisão:
1º Além de
admitir a modificação do contrato ou de atribuição de uma compensação financeira
por decisão judicial ou arbitral com base em alteração das circunstâncias (311º
nº1; 312º al. a); 314º nº2), aceita também a resolução do contrato (quer por
via de decisão judicial ou arbitral, qer por decisão do contraente publico, com
fundamento na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias – 330º/c);
332, nº 1/a), nº2 e nº3; e 335º)
2º O CCP
prevê que a revisão dos preços só é admissível se o contrato o determinar e
fixar os respectivos termos, nomeadamente o método de cálculo e a periodicidade
(art. 300º). Esta limitação não prejudica os casos em que haja lugar à reposição
do equilíbrio financeiro (282º); em que haja partilha de benefícios no quadro
das PPP (341º); e em que haja revisão ordinária de preços no âmbito do contrato
de empreitadas de obras públicas (382º).
Passando
agora ao caso do Facto do Príncipe, este acontece em casos de contratação pública
continuada, quando entram em vigor disposições normativas com impacto sobre a execução
do contrato. Por exemplo, um acto legislativo impõe a adopção de novas medidas
de segurança na construção que devem ser implementadas pelos empreiteiros e
concessionários de obras públicas.
O Facto do
Príncipe distingue-se do exercício de poderes de modificação e resolução unilateral
em quatro pontos:
a)
O
Facto do Príncipe decorre de actos normativos e não necessariamente de actos da
função administrativa, ao contrário dos poderes de modificação e resolução unilateral;
b)
O
Facto do Príncipe tem impacto sobre o contrato não o tem por objecto, a
contrário dos ditos cujos poderes;
c)
O
Facto do Príncipe pode resultar da conduta de um órgão de uma pessoa colectiva
Pública estranha ao círculo contratual. Os poderes de modificação e resolução unilateral
são sempre exercidos por órgãos da pessoa colectiva administrativa que é parte
do contrato;
d)
O
Facto do Príncipe pode limitar-se a alterar as circunstâncias que o contrato pressupõe,
enquanto que os poderes de modificação e resolução unilateral afectam sempre de
forma imediata o conteúdo ou a própria subsistência do contrato.
O Facto do
Príncipe, porém, partilha de certos problemas com os poderes de modificação e resolução
unilateral como o facto de o co-contratante de administração ser tutelado, uma
vez que não lhe deve ser imputado o risco do Facto do Príncipe.
Verifica-se,
então, a parecença do problema do facto do príncipe com o problema da alteração
das circunstâncias. Daí que o Professor Freitas do Amaral defende que a sua
consequência típica é a do caso de força maior, em que o devedor fica exonerado
da obrigação (sendo o cumprimento do
contrato impossível) ou a do caso imprevisto, em que o devedor tem direito a
uma indeminização, ou à revisão dos preços ou outra forma de restabelecimento
do equilíbrio financeiro.
O Professor
Marcelo Rebelo de Sousa fala de uma lacuna do CCP, sendo integrada nos termos
gerais. O Professor faz uma separação entre factos do príncipe próprios do
contraente público e os imputáveis a pessoas colectivas estranhas à relação contratual.
No primeiro caso aplicam-se os regimes de modificação e resolução unilaterais
porque as situações são idênticas estrutural e materialmente. No segundo caso,
cai-se no regime das pretensões indemnizatórias por sacrifício de direitos
patrimoniais privados.
Mariana Amaral
nº 21954
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