O regulamento é uma decisão
de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito
público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas.
Decorre que se trata de um
acto positivo, imaterial e unilateral; o facto de ser emitido por um órgão
administrativo implica que se trata de um cato da administração; sendo emitido
ao abrigo de normas de direito público, é necessariamente um acto de gestão
pública; se visa produzir efeitos jurídicos, trata-se de um acto jurídico; se
esses efeitos se produzem em situações gerais e abstractas, trata-se de um acto
normativo.
Regulamento e lei
O regulamento traduz o
exercício da função administrativa, distinguindo-se assim da lei, que traduz o
exercício da função legislativa.
Na ordem jurídica português,
o art. 112º/1 CRP identifica taxativamente as formas de lei, das quais não
consta o regulamento, e exclui a admissibilidade de um conceito de lei
exclusivamente assente na generalidade e na abstracção. O que caracteriza a lei
de um ponto de vista material não são os aspectos meramente tendências da
generalidade e da abstracção, mas sim o seu carácter político; a distinção
substancial entre lei e regulamento é, portanto, decorrente da distinção entre
função legislativa e função administrativa.
1. Regulamento e princípio da legalidade
a) Consequências do princípio da legalidade dos regulamentos
Enquanto forma de actividade
administrativa, os regulamentos estão sujeitos ao princípio da legalidade, quer
na sua dimensão de preferência de lei, que na sua dimensão de reserva de lei.
Preferência de lei:
i.
Os regulamentos
que contrariem o bloco de legalidade a que estão sujeitos são ilegais e inválidos. São constitucionalmente proibidos os regulamentos delegados, ou seja,
regulamentos aos quais a lei permite que, com eficácia externa, interpretem,
integrem, modifiquem, suspendam ou revoguem preceitos legais (112º/5 CRP).
ii.
Uma lei posterior
revoga um regulamento que seja contrário àquilo que nela se dispõe.
iii.
A revogação ou
cessação de vigência da lei habilitante da emissão de determinado regulamento
implica a cessação da sua vigência por caducidade, salvo se a manutenção do
regulamento na ordem jurídica for salvaguardada por lei e desde que ele seja
compatível com o novo regime legal.
iv.
Tal como a interpretação
da lei deve ser conforme à CRP, a interpretação dos regulamentos deve ser
conforme à lei; deve também ser positivamente orientada para a prossecução
plena e integral dos fins da lei regulamentada.
v.
Os regulamentos
ilegais devem ser desaplicados pelos tribunais (2º4º CRP) e são susceptíveis de
impugnação contenciosa na sequência da qual os tribunais administrativos podem,
em determinadas condições, declarar a sua ilegalidade com força obrigatória
geral (268º/5 CRP).
Reserva de lei:
i.
Têm
necessariamente que ser habilitados por lei. O grau de densidade normativa da
lei habilitante pode variar entre a vinculação total do conteúdo regulamentar
e, no extremo oposto, a atribuição de uma quase total liberdade de conformação
regulamentar.
ii.
São em regra
proibidos os regulamentos retroactivos. A estatuição de efeitos normativos para
o passado não pode considerar-se implícita na norma que confere uma habilitação
regulamentar, antes implicando uma habilitação específica.
b) Hierarquia dos regulamentos
Ao contrário do que acontece
com as leis, que têm todas a mesma hierarquia, os regulamentos são
hierarquicamente diferentes entre si. A hierarquia dos regulamentos serve para
guardar a preferência de lei entre regulamentos.
Três critérios:
a.
Posição do órgão emissor: os regulamentos emitidos por órgãos supraordenados
são hierarquicamente superiores àqueles emitidos pelos órgãos que lhes sejam
infraordenados – 241º CRP.
b.
Âmbito geográfico das atribuições prosseguidas: os regulamentos emitidos por órgãos inseridos em
pessoas colectivas cujas atribuições sejam de âmbito territorial mais amplo são
hierarquicamente superiores àqueles emitidos por órgãos inseridos em pessoas
colectivas cujas atribuições sejam de âmbito territorial mais restrito.
c.
Forma:
os regulamentos de forma mais solene são hierarquicamente superiores àqueles
que sejam revestidos de forma menos solene.
Em caso de conflito entre
regulamentos, prevalecem os regulamentos “mais elevados”, sendo os outros
ilegais e inválidos.
Caso se conclua pela igual
hierarquia de dois regulamentos, os eventuais conflitos existentes entre normas
constantes de ambos têm que ser resolvidos fora dos quadros da preferência de
lei, designadamente com apelo aos critérios de generalidade, especialidade e
excepcionalidade normativas ou de sucessão temporal entre actos jurídicos.
Actualmente justifica-se uma
aproximação do regulamento ao acto administrativo, designadamente para efeitos
de regime.
Fundamentos dos regulamentos
a.
Do ponto de vista sociopolítico – os regulamentos fundamentam-se nos limites naturais
da função legislativa: a lei, em virtude da sua natureza, bem como da natureza
e dos processos de actuação próprios dos órgãos legislativos, não pode nem deve
almejar a disciplinar os mais ínfimos aspectos da vida social.
b.
Do ponto de vista jurídico – o fundamento dos regulamentos é o princípio da
legalidade, na sua dimensão de reserva de lei. A emissão de todo e qualquer
regulamento, independentemente da sua incidência na esfera social, tem que ser
habilitada por uma norma jurídica hierarquicamente superior, suficientemente
legitimada e densificada, ainda que esta não predetermine integralmente o seu
conteúdo.
c.
Do ponto de vista da estrutura jurídico-constitucional
do Estado – alguns regulamentos
fundamentam-se no princípio da separação de poderes. Isto sucede quando esteja
em casa o exercício de competências regulamentares relativas a reservas de
administração, designadamente reservas sectoriais de administração autónoma ou
autonómica.
Funções dos regulamentos
As funções dos regulamentos
têm uma estreita ligação à natureza da função administrativa como função
secundária do Estado e aos fundamentos do poder regulamentar:
a.
Função de execução das leis – visa possibilitar a aplicação prática de um
determinado regime legal, nomeadamente através da introdução da disciplina
normativa de determinadas matérias que a lei se absteve de regular e que é
todavia necessária para que esta se torne exequível.
b.
Função de complementação das leis – visa a regulação de aspectos acessórios de um
determinado regime legal, que a lei não regulou directamente, por considerar
necessário ou conveniente que sejam definidos por regulamento.
c.
Função de dinamização global da ordem jurídica – visa a introdução de disciplinas normativas
materialmente inovatórias, por não corresponderem a execução ou complementação
das leis. Esta função assiste aos regulamentos que operam em âmbitos de
densidade mínima da lei habilitante, geralmente correspondendo apenas à definição
de competência em sentido subjectivo e em sentido objectivo para a sua emissão.
CLASSIFICAÇÕES
DE REGULAMENTOS
a)
Quanto à relação
dos regulamentos com a lei e às suas funções:
i.
Regulamentos de execução – executam a lei
ii.
Regulamentos complementares – desenvolvem aspectos de uma disciplina normativa
que a lei não regulou mas que não são necessários para que esta adquira
exequibilidade
iii.
Regulamentos independentes – contêm disciplinas materialmente inovatórias
b)
Quanto à
titularidade do interesse público prosseguido:
i.
Regulamentos autónomos – emanam de um órgão de uma pessoa colectiva da
administração autónoma
ii.
Regulamentos autonómicos – emanam de um órgão de uma pessoa colectiva da
administração autonómica, ambas por definição portadoras de interesses próprios
c)
Quanto ao
conteúdo:
i.
Regulamentos de organização – incidem sobre aspectos atinentes à estruturação
orgânica e institucional da administração pública
ii.
Regulamentos de funcionamento – incidem sobre aspectos relativos à actividade
interna da administração
iii.
Regulamentos de polícia – disciplinam as relações entre a administração
pública e os particulares, ou destes entre si
iv.
Regulamentos fiscais – estabelecem taxas, tarifas e preços a pagar pelos particulares em
contrapartida de prestações administrativas
d)
Quanto ao âmbito
de eficácia:
i.
Regulamentos internos – disciplinam a organização e o funcionamento da pessoa
colectiva a que pertence o órgão do qual emanam
ii.
Regulamentos externos – produção de efeitos para fora da pessoa colectiva a
que pertence o órgão do qual emanam
PROCEDIMENTO
REGULAMENTAR
è Arts. 115º - 118º CRP
Apesar de nada se dizer
expressamente na lei a este respeito, as disposições do CPA acerca do
procedimento regulamentar aplicam-se apenas aos regulamentos externos; o modo
de produção dos regulamentos internos é, em geral, desformalizado.
·
4 FASES:
INICIATIVA: (54º CPA)
Ä Pública – não expressamente regulada em geral; dá-se
mediante a emissão, pelo órgão com competência regulamentar, de um acto
administrativo que determine a abertura do procedimento.
Ä Particular – é exercida mediante a apresentação de uma
petição em que solicita a elaboração, modificação ou revogação de um
regulamento (115º/1 CPA); a petição tem que ser fundamentada, sob pena de
rejeição; o órgão com competência regulamentar deve informar os interessados do
destino que deu à petição e dos fundamentos da posição adoptada (115º/2 CPA).
PREPARAÇÃO DO PROJECTO DE REGULAMENTO:
Ä Trata-se de uma fase desformalizada, já que a lei não
disciplina os seus trâmites. Durante a preparação do projecto de regulamento, a
administração pode ouvir órgãos e serviços públicos que serão encarregues da
sua aplicação, auscultar entidades representativas dos seus destinatários,
estimar o seu impacto económico, social e cultural e solicitar pareceres, bem
como proceder a outras diligências que se revelem adequadas.
Ä Uma vez concluído o projecto de regulamento, deve ser
elaborada uma nota justificativa fundamentada (116º CPA); a fundamentação deve
abranger pelo menos a demonstração da necessidade ou conveniência da adopção do
regulamento, bem como do seu conteúdo.
PARTICIPAÇÃO DOS INTERESSADOS:
Ä Audiência (117º CPA)
Se da participação dos
interessados resultar uma modificação substancial do projecto de regulamentos,
volta a recair sobre este a obrigação de audiência e/ou apreciação pública,
conforme as situações.
A lei configurou a audiência
dos interessados como obrigatória apenas nos procedimentos que visem a adopção
de regulamentos desfavoráveis para os seus destinatários (117º/1 CPA).
A audiência só não deverá ter
lugar se ocorrerem razões de interesse público devidamente fundamentadas que a
tornem inconveniente (117º/1 CPA); a lei não densifica essas razoes
justificando-se a aplicação, com as necessárias adaptações, do regime
estabelecido no art. 130º CPA para a audiência prévia à emissão de actos
administrativos.
Ä Apreciação pública (118º CPA)
A apreciação pública é
exigida para todos os regulamentos, mesmo aqueles já sujeitos a audiência dos
interessados (118º/1 CPA). A apreciação pública visa apurar a opinião, não
apenas dos interessados, mas de qualquer pessoa, acerca do projecto de
regulamento. Para tal, o órgão com competência regulamentar deve submeter o
projecto de regulamento ao público para recolha de sugestões, mediante a sua
publicação DR ou no jornal oficial da entidade regulamentar (118º/1 CPA).
CONCLUSÃO:
Ä Aprovação do regulamento mediante decisão ou
deliberação do órgão com competência regulamentar. Pode suceder, no entanto,
que a conclusão do procedimento se dê sem a aprovação do regulamento.
INTERPRETAÇÃO
DO REGULAMENTO
A afinidade estrutural do
regulamento com a lei, decorre do carácter normativo de ambos, bem como a
ligação interna entre si, justificam em princípio, a aplicação ao primeiro, com
as necessárias adaptações, dos cânones interpretativos da segunda, objecto de
positivação no art. 9º CC. Imposição específica do princípio da legalidade é a
de que a interpretação dos regulamentos seja conforme à lei e positivamente
orientada para a melhor prossecução dos fins por si visados.
REQUISITOS DE EXISTÊNCIA do regulamento
Os requisitos de existência
do regulamento dizem respeito aos aspectos constitutivos do conceito de
regulamento; assim, para que uma determinada realidade se possa reconduzir ao
conceito de regulamento, deverá estar-se perante um acto jurídico, imaterial,
unilateral, normativos, de administração e de gestão pública.
Requisitos de legalidade do regulamento
a) Requisitos subjectivos: competência do órgão emissor do regulamento.
b) Requisitos objectivos materiais: o conteúdo e o objecto do regulamento têm que ser
possíveis e inteligíveis, não podem dizer respeito a matérias de reserva de
lei, nem contrariar o bloco de legalidade; os pressupostos de facto e de
direito do regulamento têm que se verificar no momento da emissão.
c)
Requisitos
objectivos formais: tem que revestir
a forma exigida pela CRP ou pela lei. A forma dos regulamentos externos é
necessariamente escrita. Os regulamentos internos podem ser expedidos sob forma
oral.
§ 112º/7 CRP + 119º /2 CPA + 117º/2 CPA + 118º/3 CPA +
58º CPA
d) Requisitos objectivos funcionais: têm que visar a prossecução do fim de interesse
público definido por lei. Têm ainda que respeitar o princípio da
imparcialidade, ou seja, ser precedidos de uma ponderação de todos os
interesses públicos e privados relevantes para a sua emissão.
INEXISTÊNCIA
DO REGULAMENTO
A inexistência é
constitucionalmente cominada de forma expressa para os decretos regulamentares
não promulgados ou cuja promulgação não tenha sido objecto de referenda
ministra (134º,b); 140º/1; 137º e 14º/2 CRP). A inexistência dos regulamentos é
de verificação muito pouco frequente.
ILEGALIDADE E INVALIDADE DO REGULAMENTO
A INVALIDADE é a consequência
normal reservada pela ordem jurídica para os regulamentos ilegais. Quanto ao desvalor
em que estes incorrem, há que distinguir entre os regulamentos
inconstitucionais, os que violam a lei ordinária e aqueles que violam
parâmetros infralegais da actividade administrativa.
Regulamentos inconstitucionais – são NULOS, nos mesmos termos em que são as leis
inconstitucionais.
Regulamentos que violam a lei ordinária – têm como único valor admissível a NULIDADE. Com
efeito, a anulabilidade permitiria a produção de efeitos jurídicos pelo
regulamento ilegal até À sua anulação, bem como a consolidação daquele na ordem
jurídica passado o prazo para a sua anulação.
112º/5 CRP – a CRP considera implicitamente os regulamentos
ilegais como NULOS e inconstitucionaliza qualquer lei que os estabeleça para
eles a mera anulabilidade.
Regulamentos que violam regulamentos hierarquicamente
superiores – tais regulamentos devem
considerar-se como NULOS.
® Ao contrário do que se passa com a nulidade dos actos
administrativos, que é sempre TOTAL, a invalidade dos regulamentos pode ser
TOTAL ou PARCIAL, consoante a preterição de requisitos de legalidade respeite a
todas as suas normas ou apenas a parte delas.
IRREGULARIDADE DO REGULAMENTO
A irregularidade é
forçosamente uma consequência marginal da ilegalidade dos regulamentos. Casos
de irregularidade serão, por exemplo, os de ausência de nota justificativa
(116º CPA) e de falta de indicação expressa das normas revogadas pelo
regulamento (119º/2 CPA).
Os regulamentos irregulares
produzem os seus efeitos principais como se fossem legais, mas a irregularidade
pode acarretar consequências disciplinares para o titular do órgão com
competência regulamentar e implicar eventualmente responsabilidade civil
administrativa.
Requisitos de
eficácia do regulamento
A circunstância de os
regulamentos serem actos unilaterais e impositivos, eventualmente
desfavoráveis, exige que os seus efeitos só se produzam depois da possibilidade
do seu conhecimento pelos destinatários; a circunstância de estes últimos
serem, por definição, plurais e indetermináveis torna inviável qualquer requisito
de eficácia que exija a comunicação individual do teor do regulamento a cada
destinatário; o requisito de eficácia geral dos regulamentos é a publicação. É
a própria CRP a determinar a sujeição a publicação em DR dos regulamentos do
Governo, incluindo os decretos regulamentares, bem como dos decretos
regulamentares regionais (119º/1, h) CRP), sob pena de ineficácia (119º/2 CRP).
O demais regulamentos das RA e das autarquias locais carecem também de
publicação, com idêntica cominação para a sua falta, embora a CRP não fixe os
termos em que aquela deva ocorrer.
Alguns regulamentos estão
sujeitos a aprovação pelo superior hierárquico ou por órgão que exerça tutela
sobre o seu autor e os estatutos das universidades públicas estão sujeitos a
aprovação pelo Governo. A eficácia do regulamento pode também depender de
aprovação em referendo local.
A eficácia das normas
regulamentares pode ser suspensa, quer administrativamente, quer
jurisdicionalmente. A ausência de suspensão constitui, por isso, um requisito (negativo)
de eficácia dos regulamentos externos.
A eficácia dos regulamentos internos não é
objecto de disciplina específica; o princípio do Estado de direito exige como
mínimo a possibilidade de conhecimento pelos destinatários, mas coerência com a
desformalização da actividade administrativa no âmbito hierárquico tal
desiderato pode ser atingindo por qualquer meio adequado.
Cessação da
vigência do regulamento
A vigência do regulamento
pode cessar por:
REVOGAÇÃO: pode operar em
virtude da superveniência de um outro regulamento de categoria idêntica ou
superior, bem como de um acto jurídico hierarquicamente superior, nomeadamente
uma lei, que com ele sejam incompatíveis.
CADUCIDADE: A caducidade
decorre da superveniência de qualquer facto de que dependa a vigência da sua
emissão ou o decurso do prazo pelo qual o regulamento, por disposição própria
ou da lei regulamentada, estava destinado a vigorar
DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE COM FORÇA
OBRIGATÓRIA GERAL: pode ser jurisdicional ou administrativa.
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