domingo, 5 de maio de 2013

O Regulamento



O regulamento é uma decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas.
Decorre que se trata de um acto positivo, imaterial e unilateral; o facto de ser emitido por um órgão administrativo implica que se trata de um cato da administração; sendo emitido ao abrigo de normas de direito público, é necessariamente um acto de gestão pública; se visa produzir efeitos jurídicos, trata-se de um acto jurídico; se esses efeitos se produzem em situações gerais e abstractas, trata-se de um acto normativo.

Regulamento e lei
O regulamento traduz o exercício da função administrativa, distinguindo-se assim da lei, que traduz o exercício da função legislativa.
Na ordem jurídica português, o art. 112º/1 CRP identifica taxativamente as formas de lei, das quais não consta o regulamento, e exclui a admissibilidade de um conceito de lei exclusivamente assente na generalidade e na abstracção. O que caracteriza a lei de um ponto de vista material não são os aspectos meramente tendências da generalidade e da abstracção, mas sim o seu carácter político; a distinção substancial entre lei e regulamento é, portanto, decorrente da distinção entre função legislativa e função administrativa.

1.       Regulamento e princípio da legalidade

a)       Consequências do princípio da legalidade dos regulamentos
Enquanto forma de actividade administrativa, os regulamentos estão sujeitos ao princípio da legalidade, quer na sua dimensão de preferência de lei, que na sua dimensão de reserva de lei.

Preferência de lei:
  i.          Os regulamentos que contrariem o bloco de legalidade a que estão sujeitos são ilegais e inválidos. São constitucionalmente proibidos os regulamentos delegados, ou seja, regulamentos aos quais a lei permite que, com eficácia externa, interpretem, integrem, modifiquem, suspendam ou revoguem preceitos legais (112º/5 CRP).
ii.          Uma lei posterior revoga um regulamento que seja contrário àquilo que nela se dispõe.

iii.          A revogação ou cessação de vigência da lei habilitante da emissão de determinado regulamento implica a cessação da sua vigência por caducidade, salvo se a manutenção do regulamento na ordem jurídica for salvaguardada por lei e desde que ele seja compatível com o novo regime legal.

iv.          Tal como a interpretação da lei deve ser conforme à CRP, a interpretação dos regulamentos deve ser conforme à lei; deve também ser positivamente orientada para a prossecução plena e integral dos fins da lei regulamentada.

v.          Os regulamentos ilegais devem ser desaplicados pelos tribunais (2º4º CRP) e são susceptíveis de impugnação contenciosa na sequência da qual os tribunais administrativos podem, em determinadas condições, declarar a sua ilegalidade com força obrigatória geral (268º/5 CRP).

Reserva de lei:
i.           Têm necessariamente que ser habilitados por lei. O grau de densidade normativa da lei habilitante pode variar entre a vinculação total do conteúdo regulamentar e, no extremo oposto, a atribuição de uma quase total liberdade de conformação regulamentar.
ii.          São em regra proibidos os regulamentos retroactivos. A estatuição de efeitos normativos para o passado não pode considerar-se implícita na norma que confere uma habilitação regulamentar, antes implicando uma habilitação específica.

b)       Hierarquia dos regulamentos
Ao contrário do que acontece com as leis, que têm todas a mesma hierarquia, os regulamentos são hierarquicamente diferentes entre si. A hierarquia dos regulamentos serve para guardar a preferência de lei entre regulamentos.
Três critérios:
a.        Posição do órgão emissor: os regulamentos emitidos por órgãos supraordenados são hierarquicamente superiores àqueles emitidos pelos órgãos que lhes sejam infraordenados – 241º CRP.

b.       Âmbito geográfico das atribuições prosseguidas: os regulamentos emitidos por órgãos inseridos em pessoas colectivas cujas atribuições sejam de âmbito territorial mais amplo são hierarquicamente superiores àqueles emitidos por órgãos inseridos em pessoas colectivas cujas atribuições sejam de âmbito territorial mais restrito.

c.        Forma: os regulamentos de forma mais solene são hierarquicamente superiores àqueles que sejam revestidos de forma menos solene.

Em caso de conflito entre regulamentos, prevalecem os regulamentos “mais elevados”, sendo os outros ilegais e inválidos.
Caso se conclua pela igual hierarquia de dois regulamentos, os eventuais conflitos existentes entre normas constantes de ambos têm que ser resolvidos fora dos quadros da preferência de lei, designadamente com apelo aos critérios de generalidade, especialidade e excepcionalidade normativas ou de sucessão temporal entre actos jurídicos.
Actualmente justifica-se uma aproximação do regulamento ao acto administrativo, designadamente para efeitos de regime.

Fundamentos dos regulamentos

a.        Do ponto de vista sociopolítico – os regulamentos fundamentam-se nos limites naturais da função legislativa: a lei, em virtude da sua natureza, bem como da natureza e dos processos de actuação próprios dos órgãos legislativos, não pode nem deve almejar a disciplinar os mais ínfimos aspectos da vida social.

b.       Do ponto de vista jurídico – o fundamento dos regulamentos é o princípio da legalidade, na sua dimensão de reserva de lei. A emissão de todo e qualquer regulamento, independentemente da sua incidência na esfera social, tem que ser habilitada por uma norma jurídica hierarquicamente superior, suficientemente legitimada e densificada, ainda que esta não predetermine integralmente o seu conteúdo.

c.        Do ponto de vista da estrutura jurídico-constitucional do Estado – alguns regulamentos fundamentam-se no princípio da separação de poderes. Isto sucede quando esteja em casa o exercício de competências regulamentares relativas a reservas de administração, designadamente reservas sectoriais de administração autónoma ou autonómica.





Funções dos regulamentos
As funções dos regulamentos têm uma estreita ligação à natureza da função administrativa como função secundária do Estado e aos fundamentos do poder regulamentar:
a.        Função de execução das leis – visa possibilitar a aplicação prática de um determinado regime legal, nomeadamente através da introdução da disciplina normativa de determinadas matérias que a lei se absteve de regular e que é todavia necessária para que esta se torne exequível.

b.       Função de complementação das leis – visa a regulação de aspectos acessórios de um determinado regime legal, que a lei não regulou directamente, por considerar necessário ou conveniente que sejam definidos por regulamento.

c.        Função de dinamização global da ordem jurídica – visa a introdução de disciplinas normativas materialmente inovatórias, por não corresponderem a execução ou complementação das leis. Esta função assiste aos regulamentos que operam em âmbitos de densidade mínima da lei habilitante, geralmente correspondendo apenas à definição de competência em sentido subjectivo e em sentido objectivo para a sua emissão.

CLASSIFICAÇÕES DE REGULAMENTOS

a)       Quanto à relação dos regulamentos com a lei e às suas funções:
                                                               i.      Regulamentos de execução – executam a lei
                                                              ii.      Regulamentos complementares – desenvolvem aspectos de uma disciplina normativa que a lei não regulou mas que não são necessários para que esta adquira exequibilidade
                                                            iii.      Regulamentos independentes – contêm disciplinas materialmente inovatórias

b)       Quanto à titularidade do interesse público prosseguido:
                                                               i.      Regulamentos autónomos – emanam de um órgão de uma pessoa colectiva da administração autónoma
                                                              ii.      Regulamentos autonómicos – emanam de um órgão de uma pessoa colectiva da administração autonómica, ambas por definição portadoras de interesses próprios

c)       Quanto ao conteúdo:
                                                               i.      Regulamentos de organização – incidem sobre aspectos atinentes à estruturação orgânica e institucional da administração pública
                                                              ii.      Regulamentos de funcionamento – incidem sobre aspectos relativos à actividade interna da administração
                                                            iii.      Regulamentos de polícia – disciplinam as relações entre a administração pública e os particulares, ou destes entre si
                                                            iv.      Regulamentos fiscais – estabelecem taxas, tarifas e preços a pagar pelos particulares em contrapartida de prestações administrativas

d)       Quanto ao âmbito de eficácia:
                                                               i.      Regulamentos internos – disciplinam a organização e o funcionamento da pessoa colectiva a que pertence o órgão do qual emanam
                                                              ii.      Regulamentos externos – produção de efeitos para fora da pessoa colectiva a que pertence o órgão do qual emanam




PROCEDIMENTO REGULAMENTAR
è  Arts. 115º - 118º CRP
Apesar de nada se dizer expressamente na lei a este respeito, as disposições do CPA acerca do procedimento regulamentar aplicam-se apenas aos regulamentos externos; o modo de produção dos regulamentos internos é, em geral, desformalizado.

·         4 FASES:
INICIATIVA: (54º CPA)
Ä  Pública – não expressamente regulada em geral; dá-se mediante a emissão, pelo órgão com competência regulamentar, de um acto administrativo que determine a abertura do procedimento.

Ä  Particular – é exercida mediante a apresentação de uma petição em que solicita a elaboração, modificação ou revogação de um regulamento (115º/1 CPA); a petição tem que ser fundamentada, sob pena de rejeição; o órgão com competência regulamentar deve informar os interessados do destino que deu à petição e dos fundamentos da posição adoptada (115º/2 CPA).

PREPARAÇÃO DO PROJECTO DE REGULAMENTO:
Ä  Trata-se de uma fase desformalizada, já que a lei não disciplina os seus trâmites. Durante a preparação do projecto de regulamento, a administração pode ouvir órgãos e serviços públicos que serão encarregues da sua aplicação, auscultar entidades representativas dos seus destinatários, estimar o seu impacto económico, social e cultural e solicitar pareceres, bem como proceder a outras diligências que se revelem adequadas.
Ä  Uma vez concluído o projecto de regulamento, deve ser elaborada uma nota justificativa fundamentada (116º CPA); a fundamentação deve abranger pelo menos a demonstração da necessidade ou conveniência da adopção do regulamento, bem como do seu conteúdo.

PARTICIPAÇÃO DOS INTERESSADOS:
Ä  Audiência (117º CPA)
Se da participação dos interessados resultar uma modificação substancial do projecto de regulamentos, volta a recair sobre este a obrigação de audiência e/ou apreciação pública, conforme as situações.
A lei configurou a audiência dos interessados como obrigatória apenas nos procedimentos que visem a adopção de regulamentos desfavoráveis para os seus destinatários (117º/1 CPA).
A audiência só não deverá ter lugar se ocorrerem razões de interesse público devidamente fundamentadas que a tornem inconveniente (117º/1 CPA); a lei não densifica essas razoes justificando-se a aplicação, com as necessárias adaptações, do regime estabelecido no art. 130º CPA para a audiência prévia à emissão de actos administrativos.

Ä  Apreciação pública (118º CPA)
A apreciação pública é exigida para todos os regulamentos, mesmo aqueles já sujeitos a audiência dos interessados (118º/1 CPA). A apreciação pública visa apurar a opinião, não apenas dos interessados, mas de qualquer pessoa, acerca do projecto de regulamento. Para tal, o órgão com competência regulamentar deve submeter o projecto de regulamento ao público para recolha de sugestões, mediante a sua publicação DR ou no jornal oficial da entidade regulamentar (118º/1 CPA).

CONCLUSÃO:
Ä  Aprovação do regulamento mediante decisão ou deliberação do órgão com competência regulamentar. Pode suceder, no entanto, que a conclusão do procedimento se dê sem a aprovação do regulamento.

INTERPRETAÇÃO DO REGULAMENTO
A afinidade estrutural do regulamento com a lei, decorre do carácter normativo de ambos, bem como a ligação interna entre si, justificam em princípio, a aplicação ao primeiro, com as necessárias adaptações, dos cânones interpretativos da segunda, objecto de positivação no art. 9º CC. Imposição específica do princípio da legalidade é a de que a interpretação dos regulamentos seja conforme à lei e positivamente orientada para a melhor prossecução dos fins por si visados.

REQUISITOS DE EXISTÊNCIA do regulamento
Os requisitos de existência do regulamento dizem respeito aos aspectos constitutivos do conceito de regulamento; assim, para que uma determinada realidade se possa reconduzir ao conceito de regulamento, deverá estar-se perante um acto jurídico, imaterial, unilateral, normativos, de administração e de gestão pública.

Requisitos de legalidade do regulamento
a)       Requisitos subjectivos: competência do órgão emissor do regulamento.

b)       Requisitos objectivos materiais: o conteúdo e o objecto do regulamento têm que ser possíveis e inteligíveis, não podem dizer respeito a matérias de reserva de lei, nem contrariar o bloco de legalidade; os pressupostos de facto e de direito do regulamento têm que se verificar no momento da emissão.

c)        Requisitos objectivos formais: tem que revestir a forma exigida pela CRP ou pela lei. A forma dos regulamentos externos é necessariamente escrita. Os regulamentos internos podem ser expedidos sob forma oral.
§  112º/7 CRP + 119º /2 CPA + 117º/2 CPA + 118º/3 CPA + 58º CPA

d)       Requisitos objectivos funcionais: têm que visar a prossecução do fim de interesse público definido por lei. Têm ainda que respeitar o princípio da imparcialidade, ou seja, ser precedidos de uma ponderação de todos os interesses públicos e privados relevantes para a sua emissão.

INEXISTÊNCIA DO REGULAMENTO
A inexistência é constitucionalmente cominada de forma expressa para os decretos regulamentares não promulgados ou cuja promulgação não tenha sido objecto de referenda ministra (134º,b); 140º/1; 137º e 14º/2 CRP). A inexistência dos regulamentos é de verificação muito pouco frequente.

ILEGALIDADE E INVALIDADE DO REGULAMENTO
A INVALIDADE é a consequência normal reservada pela ordem jurídica para os regulamentos ilegais. Quanto ao desvalor em que estes incorrem, há que distinguir entre os regulamentos inconstitucionais, os que violam a lei ordinária e aqueles que violam parâmetros infralegais da actividade administrativa.
Regulamentos inconstitucionais – são NULOS, nos mesmos termos em que são as leis inconstitucionais.
Regulamentos que violam a lei ordinária – têm como único valor admissível a NULIDADE. Com efeito, a anulabilidade permitiria a produção de efeitos jurídicos pelo regulamento ilegal até À sua anulação, bem como a consolidação daquele na ordem jurídica passado o prazo para a sua anulação.
112º/5 CRP – a CRP considera implicitamente os regulamentos ilegais como NULOS e inconstitucionaliza qualquer lei que os estabeleça para eles a mera anulabilidade.
Regulamentos que violam regulamentos hierarquicamente superiores – tais regulamentos devem considerar-se como NULOS.
®      Ao contrário do que se passa com a nulidade dos actos administrativos, que é sempre TOTAL, a invalidade dos regulamentos pode ser TOTAL ou PARCIAL, consoante a preterição de requisitos de legalidade respeite a todas as suas normas ou apenas a parte delas.

IRREGULARIDADE DO REGULAMENTO
A irregularidade é forçosamente uma consequência marginal da ilegalidade dos regulamentos. Casos de irregularidade serão, por exemplo, os de ausência de nota justificativa (116º CPA) e de falta de indicação expressa das normas revogadas pelo regulamento (119º/2 CPA).
Os regulamentos irregulares produzem os seus efeitos principais como se fossem legais, mas a irregularidade pode acarretar consequências disciplinares para o titular do órgão com competência regulamentar e implicar eventualmente responsabilidade civil administrativa.

Requisitos de eficácia do regulamento
A circunstância de os regulamentos serem actos unilaterais e impositivos, eventualmente desfavoráveis, exige que os seus efeitos só se produzam depois da possibilidade do seu conhecimento pelos destinatários; a circunstância de estes últimos serem, por definição, plurais e indetermináveis torna inviável qualquer requisito de eficácia que exija a comunicação individual do teor do regulamento a cada destinatário; o requisito de eficácia geral dos regulamentos é a publicação. É a própria CRP a determinar a sujeição a publicação em DR dos regulamentos do Governo, incluindo os decretos regulamentares, bem como dos decretos regulamentares regionais (119º/1, h) CRP), sob pena de ineficácia (119º/2 CRP). O demais regulamentos das RA e das autarquias locais carecem também de publicação, com idêntica cominação para a sua falta, embora a CRP não fixe os termos em que aquela deva ocorrer.
Alguns regulamentos estão sujeitos a aprovação pelo superior hierárquico ou por órgão que exerça tutela sobre o seu autor e os estatutos das universidades públicas estão sujeitos a aprovação pelo Governo. A eficácia do regulamento pode também depender de aprovação em referendo local.
A eficácia das normas regulamentares pode ser suspensa, quer administrativamente, quer jurisdicionalmente. A ausência de suspensão constitui, por isso, um requisito (negativo) de eficácia dos regulamentos externos.
 A eficácia dos regulamentos internos não é objecto de disciplina específica; o princípio do Estado de direito exige como mínimo a possibilidade de conhecimento pelos destinatários, mas coerência com a desformalização da actividade administrativa no âmbito hierárquico tal desiderato pode ser atingindo por qualquer meio adequado.

Cessação da vigência do regulamento
A vigência do regulamento pode cessar por:
REVOGAÇÃO: pode operar em virtude da superveniência de um outro regulamento de categoria idêntica ou superior, bem como de um acto jurídico hierarquicamente superior, nomeadamente uma lei, que com ele sejam incompatíveis.
CADUCIDADE: A caducidade decorre da superveniência de qualquer facto de que dependa a vigência da sua emissão ou o decurso do prazo pelo qual o regulamento, por disposição própria ou da lei regulamentada, estava destinado a vigorar
 DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL: pode ser jurisdicional ou administrativa.

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