sexta-feira, 17 de maio de 2013

O princípio da prossecução do interesse público... ou será, antes, o corolário da autonomização da Administração Pública?

Hoje, debruço-me sobre aquele princípio que estou em crer, tratar-se, de um dos corolários mais importantes à Administração Pública adjacentes, senão o mais importante. Referir-me-ei, pois, ao princípio da prossecução do interesse público.

Sem que, no imediato, me dirija a uma explanação teórica do mesmo, permitir-me-ei a enquadrá-lo legalmente, constatando a sua essencialidade, reconhecida, inclusivamente, pelo ordenamento jurídico. O princípio da prossecução do interesse público encontra-se previsto no art. 266º/1 CRP. Este demonstra-se claro, declarando que a Administração Pública objectiva a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Mas no que consistirá, então, aquilo que se tem enquanto «interesse público»?

  • Trata-se, sem dúvida alguma, de um conceito cuja evidência intuitiva não facilita em muito a definição[1]. Porém, não obstante esta dificuldade, há que tentar concretizá-lo o mais possível. Poder-se-á entendê-lo enquanto interesse colectivo/interesse geral de uma determinada comunidade, ou seja, aquilo que é necessário para que os homens não apenas vivam, mas que vivam bem[2]. É, contudo, atalhando mais aprofundadamente ao significado tido por este conceito[3], que se depreende no que este se baseia: pode, efectivamente, caracterizar-se como sendo o interesse que representa a esfera das necessidades às quais a iniciativa privada não pode corresponder e que são proteladas como fundamentais para a comunidade, na sua totalidade, e para todo e cada um dos seus membros. Ou seja, o interesse público significará, portanto, a exigência existente quanto à satisfação de necessidades colectivas. 
  • De acordo com uma distinção que vigora[4], pode diferenciar-se o interesse público primário do interesse público secundário: enquanto o interesse público primário é aquele cuja definição e satisfação compete aos órgãos governativos do Estado, no desempenho das suas funções políticas e legislativas, pelo que o interesse público secundário se haverá de definir como aquele cuja determinação concerne ao legislador mas que, todavia, a sua satisfação cabe, numa vertente arreigada de subordinação, à Administração Pública no desempenho da função administrativa.
Posto este périplo, será pertinente aferir acerca das consequências às quais o princípio do interesse público se encontra intrinsecamente associado[5]:

  1. É a lei que define os interesses públicos que respeitarão à Administração - não pode ser a Administração a defini-los, salvo se a lei a habilitar para o efeito, conferindo-lhe competência para aprovar regulamentos independentes ou para concretizar certo tipo de conceitos indeterminados.
  2. A noção de interesse público é uma noção de conteúdo variável: o que anteriormente foi considerado conforme ao interesse público, pode posteriormente ser-lhe contrário, e isto reciprocamente, como é natural. Não é possível definir interesse público de uma forma rigída e inflexível, dado que este não é estanque.
  3. Estando definido o interesse público pela lei, a sua prossecução é obrigatória, visto ser essa mesma actividade que justifica a autonomização da Administração no quadro das funções do Estado e a razão de ser da existência de uma Administração em sentido orgânico.
  4. O interesse público delimita a capacidade jurídica das pessoas colectivas públicas e a competência tida pelos respectivos órgãos: é o apelidado princípio da especialidade.
  5. Tão só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante no que tange a um qualquer acto praticado pela Administração. Assim, se compreende que na eventualidade de um órgão praticar um acto que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, estando, por conseguinte, vincado como um acto ilegal e inválido (art. 135º CPA)
  6. A prossecução de interesses privados, ao invés do interesse público ao qual se encontra cometido um dado órgão ou agente, por força das funções que exerce, tratar-se-à de corrupção e, como tal, comporta todo um conjunto de sanções, quer administrativas, quer penais, para quem assim proceder.
  7. A obrigação de prosseguir o interesse público exige da Administração que adopte em relação a cada caso concreto as melhores soluções que lhe sejam possíveis, do ponto de vista administrativo: é o chamado dever de boa administração.
Perante isto, considero que nenhum órgão no âmbito das suas funções administrativas se poderá furtar do ajustamento imprescindível aos interesses havidos como públicos. Só atendendo a estes, poderá efectuar a correspondência idealizada aquando da cedência, a si, de autonomia; só tendo-os presentes no quotidiano e provendo-lhes efectividade, a Administração poderá justificar a lógica de descentralização, feita a pensar nos bem-estar e equilíbrio social. Assim sendo e conforme disposto em alguns pareceres, aduzo a minha posição através de excertos dos mesmos: «em termos objectivos a Administração Pública exerce uma actividade teleologicamente orientada para a realização dos interesses públicos postos por lei a seu cargo, regida por vectores fundamentais, alguns deles merecendo acolhimento constitucional; o caso dos princípios da legalidade e imparcialidade»; «a Administração, por intermédio dos seus órgãos e agentes, está integralmente ao serviço do interesse público que lhe incumbe prosseguir (...) com estrita observância da lei, tanto constitucional como ordinária, e com justiça e imparcialidade.».
Concluo, porquanto, que o interesse em apreço é o fundamento e a génese da criação da Administração Pública, devendo esta compadecer-se com as funções que lhe são confiadas e com o seu papel crucial no seio da comunidade à qual está afecta. O desvirtuamento daquilo pelo qual se deve pautar, entenda-se do interesse público, terá consequências drásticas, na medida em que estará a frustrar expectativas dos particulares e a contraditar o dever de boa administração à qual se encontra adstrito. 



[1] SÉRVULO CORREIA
[2] SÃO TOMÁS DE AQUINO
[3] JEAN RIVERO
[4] ROGÉRIO SOARES
[5] DIOGO FREITAS DO AMARAL

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