O acto administrativo
no Direito Português
Segundo
a orientação da escola de Lisboa era normal a adopção de um conceito amplo de
acto administrativo.
Para
Marcelo Caetano, nos actos jurídicos da Administração estão integrados, entre
outros, os regulamentos, os actos jurisdicionais e os actos administrativos,
mostrando assim um conceito bastante amplo de acto administrativo. Cada um dos
actos contidos nos actos jurídicos da Administração qualificava-se de acordo
com o sujeito de quem provinha, mostrando aqui ainda uma grande coincidência
entre a Justiça e a Administração, uma vez que os tribunais administrativos
eram considerados como elementos da administração activa. No entanto, para este
autor, nem todos os actos dos órgãos da Administração são actos
administrativos, sendo que para o serem era necessário serem uma conduta
voluntária de um órgão da Administração que produza efeitos jurídicos no caso
concreto, aquando do exercício de um poder público e para a prossecução dos
interesses que estão a seu cargo, sendo essas interesses ditados pela lei.
Deste
acto administrativo em sentido amplo diferenciava-se então um em sentido
restrito, que correspondia aos actos que fixavam autoritariamente as posições
da Administração relativamente aos particulares, os direitos e os deveres de
cada um. Este acto em sentido restrito denominava-se então acto definitivo e
executório sendo este um comportamento voluntário de um órgão da Administração
que definia com força obrigatória e coerciva situações jurídicas num caso
concreto, no exercício do poder público e na prossecução dos interesses que se
encontravam sob a sua alçada.
Para
Freitas do Amaral é dado como conceito para acto administrativo amplo, o acto
jurídico unilateral, praticado por um órgão da Administração, aquando do
exercício de um poder administrativo, visando a produção de efeitos jurídicos
numa determinada situação num caso concreto. Sendo o acto definitivo executório
como o acto administrativo completo e total. Para este autor o acto
administrativo definitivo e executório é extremamente importante no Direito
Administrativo, uma vez que é nele que se encontra a possibilidade do recurso
contencioso. O acto é definitivo, uma vez que define unilateralmente o direito
no caso concreto e é executório na medida em que a sua definição representa um
imperativo obrigatório que pode ser executado pela força pela Administração
contra o particular. O acto definitivo executório é então a consubstanciação do
exercício do poder pela Administração enquanto autoridade.
Rogério
Soares acredita que o acto administrativo se deve definir de uma forma
restritiva.
Este
autor tem primeiro em conta duas correntes sobre o acto administrativo: a
italiana (que abrange todos os actos jurídicos unilaterais praticados por um
órgão da Administração no exercício do poder compreendido por esta, com vista à
produção de efeitos jurídicos, em actos administrativos, mas que posteriormente
os distingue esses actos instrumentais das provisões sendo estas últimas os
actos administrativos por excelência) e a alemã (que define como actos
administrativos as condutas autoritárias tidas pelos órgãos da Administração,
que têm carácter externo e que se destinem a produzir efeitos jurídicos
concretos).
Denotando-se
a preferência deste autor pela concepção alemã a sua definição de acto
administrativo é a decisão de um órgão da administração (de forma autoritária)
no uso dos seus poderes no âmbito do Direito Administrativo, mediante um caso
concreto, produzindo-se efeitos externos que tanto podem ser positivos como negativos.
Esta definição é bastante restritiva, uma vez que não engloba os actos da
administração que não são autoritários, por exemplo a prestação de serviços.
Na
opinião de Vasco Pereira da Silva esta concepção de não está de acordo com os
dias de hoje, uma vez que não conta como actos administrativos as actuações da
Administração que têm como propósito a prestação ou constituição de algumas
situações.
Continuando
com a concepção de Rogério Soares este acaba por admitir a existência de actos
instrumentais, sendo estes menores em comparação com os actos administrativos e
não encontrando imediatamente a satisfação de um interesse público concreto.
Para
Vasco Pereira da Silva a distinção entre actos administrativos e actos
instrumentais é criticável de dois pontos de vista: o linguístico (actos
instrumentais que não são actos administrativos deviam ter outra denominação) e
o material (tendo por base a falta de autonomia dos actos instrumentais face
aos verdadeiramente administrativos mostra uma ideia desadequada ao dias de
hoje que não tem em consideração o processo decisório, apenas considera mais
importante o fim alcançado pela decisão da Administração).
Sérvulo
Correia defende que o acto administrativo é o comportamento unilateral da
Administração (que tem de ser revestido pela publicidade exigida por lei), que
no exercício de um poder de autoridade define uma situação
jurídico-administrativa concreta. Esta definição afasta-se da posição da escola
de Lisboa uma vez que a função definidora de situações jurídicas é integrada no
conteúdo do acto administrativo, uma vez que considera que da conduta da
Administração tem de surgir a constituição, modificação ou extinção de relações
entre sujeitos ou a alteração da situação jurídico-administrativa de uma coisa.
Sérvulo Correia acrescenta no entanto que o acto pode não ser constitutivo, mas
apenas declarativo ou enunciativo, na medida em que apenas procede, por exemplo
à verificação de certas qualidades nas pessoas.
Este
autor, apesar de apresentar uma definição restritiva de acto administrativo,
também distingue os actos administrativos dos actos auxiliares, sendo estes
últimos os actos constituídos por actos que mesmo jurídicos são internos, e por
actos externos que não definam uma situação jurídica entre a Administração,
particulares ou coisa, como por exemplo os actos de notificação.
Na
prespectiva de Vasco Pereira da Silva as mesmas críticas aplicadas à definição
de Rogério Soares podem ser aplicadas a esta concepção, porque mais uma vez é
desvalorizada a actuação procedimental da Administração sendo apenas a decisão
final o que importa; esta definição limita a actuação Administração dizendo que
esta apenas executa a lei, esquecendo-se da actuação prestadora, e ainda, e
novamente, a existência de um paradoxo linguístico onde existem actos
administrativos que não o são.
Na
opinião de Vasco Pereira da Silva o acto administrativo deve ser definido de
modo amplo, compreendendo não só a administração feita de forma agressiva, como
as decisões de natureza prestadora. Uma vez que a visão de uma Administração
agressiva que apenas executava a lei já não faz sentido nos nossos dias.
O
surgimento dos actos de prestação veio a por em causa a noção autoritária que
se tinha do acto administrativo.
Hoje
em dia os actos administrativos não se podem caracterizar nem pelo efeito
regulador (porque muitos têm um carácter mais material que jurídico); nem pela
produção individualizada de efeitos perante um caso concreto (existem decisões
que afectam outros que não são os seus destinatários imediatos) e nem pela
execução à força da autotutela (sendo esta apenas um privilégio subjectivo da
Administração que só deve ser utilizado quando necessário)
A
definição de acto administrativo, para este autor, tem ainda de ter em conta o
processo da decisão e o procedimento pelo qual é feita, tópico que as
considerações restritivas acima não abrangiam.
O
procedimento é fundamental na actividade administrativa, uma vez que tanto
ajuda a proteger os particulares, como pelo facto de permitir a obtenção da
legalidade e da correcção nas decisões, então não pode haver acto
administrativo sem procedimento.
Pelos
argumentos apontados, então o conceito de acto administrativo deve conter ainda
as actuações procedimentais.
As
noções restritivas de acto administrativo separavam ainda os actos internos dos
externos, sendo que os primeiros não teriam carácter jurídico, hoje em dia a
Administração já não goza da impermeabilidade do Direito o que faz com que as
relações internas não sejam mais campos de liberdade fora do Direito (1º, 2º,
3º, 18º e 266º CRP). Sendo então que para Vasco Pereira da Silva já não é
necessário fazer a descriminação entre actos internos e externos tendo em conta
o carácter da juridicidade. Ambos os actos internos e externos são espécies de
actos administrativos.
Segundo
a concepção deste autor temos como definição ampla de acto administrativo como “qualquer
manifestação unilateral de vontade, de conhecimento ou de desejo, proveniente da
Administração Pública e destinada à satisfação de necessidades colectivas que,
praticada no decurso de um procedimento se destina à produção de efeitos
jurídicos de carácter individual e concreto”
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Catarina Costa Dias
nº. 19548