sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Rádio e Televisão Portuguesas - Um bem de todos ou privado?



Hoje decidi fazer uma pequena reflexão sobre um assunto muito badalado ao longo deste ano, nomeadamente na comunicação social: a privatização da RTP, com base numa notícia publicada num blogue no dia de hoje com o nome “O fim da RTP como nós a conhecemos”.
Como todos sabemos, a RTP foi o primeiro canal público português, contando já com mais de 50 anos e que se fundiu em 2004 com a RDP (estação de rádio correspondente), dando origem a uma única empresa pública, aquando da sua reestruturação, deixando de corresponder a duas entidades jurídicas independentes e distintas.
Maioritariamente informativo, foi acolhendo na sua programação outros conteúdos, como documentários, séries e filmes, portugueses e internacionais, sendo vista por milhares de pessoas todos os dias.
De há uns anos para cá, este canal viu-se obrigado a adoptar um novo plano de reestruturação financeira, plano esse que tem vindo a cumprir, segundo consta, escrupulosamente. Ora, mais recentemente, chovem notícias sobre receios da intenção de “instrumentalizar” a informação, dada a recorrência de os canais privados estarem ligados a grupos de media.
Refere o blogue produtor do texto em análise, o facto de os serviços da RTP, após o aparecimento dos canais privados se ter, de certa forma, degradado, contando actualmente com um único direc­tor de pro­gra­mas a super­vi­sionar a pro­gra­mação de todos os canais (RTP e canais adstritos) e um director-geral de con­teú­dos que, interi­na­mente, assumiu a duração de informação.
A privatização da RTP, canal público desde o seu aparecimento, há mais de um século implicará o fim do mesmo como o conhecemos, senão vejamos:
A decisão de privatizar a RTP não poderá ser tida como tendo subjacente um objectivo financeiro e, claramente prejudica o regime democrático e o interesse de todos os portugueses não assegurando «a preservação de um espaço de comunicação que não seja (des)nivelado - e ajoujado - por audiências acéfalas ou por agendas políticas e empresariais. O serviço público de televisão é um dos pilares do Estado democrático, não é para passar a patacos ou para patacos dar.» (in Jornal de Negócios)
Por outro lado, um serviço público de informação como o da RTP permite a existência de conteúdos importantes, suscitantes de pluralidade de opinião, com diversidade das ofertas, nomeadamente culturais e educacionais a que mais nenhum dos outros canais recorre, bem como outros conteúdos de que a cidadania precisa e que contribuem para a instrução da população, quanto mais não seja, a nível de cultura geral. Afinal, se pensarmos no assunto, os grandes programas sobre política que se debruçam sobre assuntos do dia-a-dia, são completados e balanceados com programação diversa, desde as artes (cinema e teatro) a documentários históricos e conteúdos musicais.
Além disto, é um dever da Administração, assegurar o princípio da acessibilidade universal a conteúdos plurais, algo que só consegue fazer no caso de a RTP permanecer como entidade pública (ideia presente num texto assinado por um “docente da Faculdade de Direito de Lisboa”).
Acresce ainda que, conforme já referi, a RTP é um canal público por excelência e que identifica com tal denominação, não padecendo de quaisquer intervenções privadas.
Por fim, penso que uma medida como a privatização implicaria o fim de um jornalismo asseguradamente livre e independente, não querendo com isto dizer que outros não o são, mas a realidade é que os canais privados muito mais facilmente estarão sujeitos a pressões exteriores que lhes limitam o exercício do bom e imparcial jornalismo.
Desta forma e acreditando, no entanto, que haverá muitos argumentos a favor da privatização, penso que a RTP, enquanto canal com uma história rica, livre, habituado a informar idoneamente os cidadãos, e com diversidade de temáticas na sua grelha, deverá permanecer assim, enquanto meio público.

http://blogues.publico.pt/aminhatv/2012/11/30/o-fim-da-rtp-como-a-conhecemos-e-isso-nao-e-bom/

O acto administrativo no Direito Português


O acto administrativo no Direito Português

Segundo a orientação da escola de Lisboa era normal a adopção de um conceito amplo de acto administrativo.
Para Marcelo Caetano, nos actos jurídicos da Administração estão integrados, entre outros, os regulamentos, os actos jurisdicionais e os actos administrativos, mostrando assim um conceito bastante amplo de acto administrativo. Cada um dos actos contidos nos actos jurídicos da Administração qualificava-se de acordo com o sujeito de quem provinha, mostrando aqui ainda uma grande coincidência entre a Justiça e a Administração, uma vez que os tribunais administrativos eram considerados como elementos da administração activa. No entanto, para este autor, nem todos os actos dos órgãos da Administração são actos administrativos, sendo que para o serem era necessário serem uma conduta voluntária de um órgão da Administração que produza efeitos jurídicos no caso concreto, aquando do exercício de um poder público e para a prossecução dos interesses que estão a seu cargo, sendo essas interesses ditados pela lei.
Deste acto administrativo em sentido amplo diferenciava-se então um em sentido restrito, que correspondia aos actos que fixavam autoritariamente as posições da Administração relativamente aos particulares, os direitos e os deveres de cada um. Este acto em sentido restrito denominava-se então acto definitivo e executório sendo este um comportamento voluntário de um órgão da Administração que definia com força obrigatória e coerciva situações jurídicas num caso concreto, no exercício do poder público e na prossecução dos interesses que se encontravam sob a sua alçada.
Para Freitas do Amaral é dado como conceito para acto administrativo amplo, o acto jurídico unilateral, praticado por um órgão da Administração, aquando do exercício de um poder administrativo, visando a produção de efeitos jurídicos numa determinada situação num caso concreto. Sendo o acto definitivo executório como o acto administrativo completo e total. Para este autor o acto administrativo definitivo e executório é extremamente importante no Direito Administrativo, uma vez que é nele que se encontra a possibilidade do recurso contencioso. O acto é definitivo, uma vez que define unilateralmente o direito no caso concreto e é executório na medida em que a sua definição representa um imperativo obrigatório que pode ser executado pela força pela Administração contra o particular. O acto definitivo executório é então a consubstanciação do exercício do poder pela Administração enquanto autoridade.
Rogério Soares acredita que o acto administrativo se deve definir de uma forma restritiva.
Este autor tem primeiro em conta duas correntes sobre o acto administrativo: a italiana (que abrange todos os actos jurídicos unilaterais praticados por um órgão da Administração no exercício do poder compreendido por esta, com vista à produção de efeitos jurídicos, em actos administrativos, mas que posteriormente os distingue esses actos instrumentais das provisões sendo estas últimas os actos administrativos por excelência) e a alemã (que define como actos administrativos as condutas autoritárias tidas pelos órgãos da Administração, que têm carácter externo e que se destinem a produzir efeitos jurídicos concretos).
Denotando-se a preferência deste autor pela concepção alemã a sua definição de acto administrativo é a decisão de um órgão da administração (de forma autoritária) no uso dos seus poderes no âmbito do Direito Administrativo, mediante um caso concreto, produzindo-se efeitos externos que tanto podem ser positivos como negativos. Esta definição é bastante restritiva, uma vez que não engloba os actos da administração que não são autoritários, por exemplo a prestação de serviços.
Na opinião de Vasco Pereira da Silva esta concepção de não está de acordo com os dias de hoje, uma vez que não conta como actos administrativos as actuações da Administração que têm como propósito a prestação ou constituição de algumas situações.
Continuando com a concepção de Rogério Soares este acaba por admitir a existência de actos instrumentais, sendo estes menores em comparação com os actos administrativos e não encontrando imediatamente a satisfação de um interesse público concreto.
Para Vasco Pereira da Silva a distinção entre actos administrativos e actos instrumentais é criticável de dois pontos de vista: o linguístico (actos instrumentais que não são actos administrativos deviam ter outra denominação) e o material (tendo por base a falta de autonomia dos actos instrumentais face aos verdadeiramente administrativos mostra uma ideia desadequada ao dias de hoje que não tem em consideração o processo decisório, apenas considera mais importante o fim alcançado pela decisão da Administração).
Sérvulo Correia defende que o acto administrativo é o comportamento unilateral da Administração (que tem de ser revestido pela publicidade exigida por lei), que no exercício de um poder de autoridade define uma situação jurídico-administrativa concreta. Esta definição afasta-se da posição da escola de Lisboa uma vez que a função definidora de situações jurídicas é integrada no conteúdo do acto administrativo, uma vez que considera que da conduta da Administração tem de surgir a constituição, modificação ou extinção de relações entre sujeitos ou a alteração da situação jurídico-administrativa de uma coisa. Sérvulo Correia acrescenta no entanto que o acto pode não ser constitutivo, mas apenas declarativo ou enunciativo, na medida em que apenas procede, por exemplo à verificação de certas qualidades nas pessoas.
Este autor, apesar de apresentar uma definição restritiva de acto administrativo, também distingue os actos administrativos dos actos auxiliares, sendo estes últimos os actos constituídos por actos que mesmo jurídicos são internos, e por actos externos que não definam uma situação jurídica entre a Administração, particulares ou coisa, como por exemplo os actos de notificação.
Na prespectiva de Vasco Pereira da Silva as mesmas críticas aplicadas à definição de Rogério Soares podem ser aplicadas a esta concepção, porque mais uma vez é desvalorizada a actuação procedimental da Administração sendo apenas a decisão final o que importa; esta definição limita a actuação Administração dizendo que esta apenas executa a lei, esquecendo-se da actuação prestadora, e ainda, e novamente, a existência de um paradoxo linguístico onde existem actos administrativos que não o são.
Na opinião de Vasco Pereira da Silva o acto administrativo deve ser definido de modo amplo, compreendendo não só a administração feita de forma agressiva, como as decisões de natureza prestadora. Uma vez que a visão de uma Administração agressiva que apenas executava a lei já não faz sentido nos nossos dias.
O surgimento dos actos de prestação veio a por em causa a noção autoritária que se tinha do acto administrativo.
Hoje em dia os actos administrativos não se podem caracterizar nem pelo efeito regulador (porque muitos têm um carácter mais material que jurídico); nem pela produção individualizada de efeitos perante um caso concreto (existem decisões que afectam outros que não são os seus destinatários imediatos) e nem pela execução à força da autotutela (sendo esta apenas um privilégio subjectivo da Administração que só deve ser utilizado quando necessário)
A definição de acto administrativo, para este autor, tem ainda de ter em conta o processo da decisão e o procedimento pelo qual é feita, tópico que as considerações restritivas acima não abrangiam.
O procedimento é fundamental na actividade administrativa, uma vez que tanto ajuda a proteger os particulares, como pelo facto de permitir a obtenção da legalidade e da correcção nas decisões, então não pode haver acto administrativo sem procedimento.
Pelos argumentos apontados, então o conceito de acto administrativo deve conter ainda as actuações procedimentais.
As noções restritivas de acto administrativo separavam ainda os actos internos dos externos, sendo que os primeiros não teriam carácter jurídico, hoje em dia a Administração já não goza da impermeabilidade do Direito o que faz com que as relações internas não sejam mais campos de liberdade fora do Direito (1º, 2º, 3º, 18º e 266º CRP). Sendo então que para Vasco Pereira da Silva já não é necessário fazer a descriminação entre actos internos e externos tendo em conta o carácter da juridicidade. Ambos os actos internos e externos são espécies de actos administrativos.
Segundo a concepção deste autor temos como definição ampla de acto administrativo como “qualquer manifestação unilateral de vontade, de conhecimento ou de desejo, proveniente da Administração Pública e destinada à satisfação de necessidades colectivas que, praticada no decurso de um procedimento se destina à produção de efeitos jurídicos de carácter individual e concreto”[1] .

Catarina Costa Dias
nº. 19548


[1] Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Princípios constitucionais sobre a organização administrativa


Catarina Brizida nº 20981

A Constituição da República Portuguesa é uma constituição pragmática, como tal, fornece indicações sobre a organização da Administração Pública.

Desde 1676 que poucas alterações existiram neste aspecto.

O artigo 267º estabelece na alínea 1 e 2 cinco princípios organizativos da Administração Pública: o princípio da desburocratização, o princípio da aproximação dos serviços às populações, o princípio dos interessados na gestão da administração pública, o princípio da descentralização e, por fim, o princípio da desconcentração.

O princípio da desburocratização tem por base uma organização tal da Administração Pública que proporcione eficiência e facilitação da vida aos particulares. Embora este princípio seja de difícil alcance, existe a obrigação constitucional de uma constante renovação estrutural e funcional da administração, tendo em vista este objectivo.

O princípio da aproximação dos serviços às populações consiste na aproximação geográfica dos serviços às populações que visam servir. Esta aproximidade não se esgota geograficamente, devendo também ser psicológica e humana.

O princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Pública significa que os cidadãos têm o dever de intervir na vida da Administração não apenas pela eleição dos seus órgãos. Devem portanto haver esquemas funcionais e estruturais que possibilitem a participação do particular no quotidiano e na tomada de decisões administrativas. De um ponto de vista estrutural, a existência de órgãos em que os particulares participem, para poderem ser consultados integrando-se na tomada de decisões. De um ponto de vista funcional, necessidade de colaboração da Administração com os particulares (CPA, art.º 7º) e garantia dos vários direitos de participação dos particulares na actividade administrativa (CPA, art.º 8º).

O princípio da descentralização baseia-se na existência de pessoas colectivas territoriais, nomeadamente as autarquias locais, para além do Estado, encarregues da função administrativa. Sendo a descentralização um princípio imposto constitucionalmente, há a recusa de qualquer tendência centralizadora.

O princípio da desconcentração consiste na atribuição de competências a outras entidades territoriais, que não somente o Estado, no exercício da função administrativa. Existe um gradual progresso para o alcance deste princípio.

O princípio da descentralização e desconcentração estão sujeitos a limites. Limites esses provenientes do artigo 267º, nº2 da CRP; “sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de acção e dos poderes de direcção, superintendente e tutela dos órgãos competentes”.

domingo, 25 de novembro de 2012

Eu quero, posso e mando: os poderes discricionários da Administração

                                                                                                     Lígia Rocha Nº21500
Nota introdutória
A nova formatação da actividade administrativa que autoriza a designar o Estado como um Estado administrativo, tendo inerente a ideia de estado de direito vinculado ao princípio da legalidade por parte de todos os poderes públicos, tanto na sua vertente de primado da lei, como na de reserva da lei, exigiu que se conferisse à Administração certa autonomia, plasmada numa margem de livre decisão administrativa associada aos temas de uma esfera de liberdade, do poder discricionário, da interpretação e da aplicação dos conceitos vagos e indeterminados, no desempenho das tarefas que lhe incumbem realizar. Esta problemática pode ser exemplificada nos chamados poderes discricionários da administração.

“Quanto maior é o poder, mais perigoso é o abuso”
                                                              Edmund Burke
Quando a lei deixa uma amplitude à Administração quanto ao modo de melhor atingir o interesse público, dir-se-á que existe aí um poder discricionário. A discricionariedade administrativa traduz-se na liberdade de a Administração escolher a melhor decisão para realizar o fim visado pela norma que atribuiu o poder discricionário. Isto é, a amplitude que é conferida à Administração para encontrar a melhor solução para a prossecução do interesse público no caso concreto. Em geral, a interpretação enquanto actividade jurídica, não é arbitrária, mas antes uma actividade vinculada a determinar a vontade do legislador expressa na lei. Contudo, no âmbito do direito administrativo, no que respeita a conceitos vagos e indeterminados a lei confere à Administração a liberdade de escolher um sentido. Nestes casos, a interpretação de um conceito vago e indeterminado não se afigura como uma actividade totalmente vinculada: a lei faz depender a concretização do conceito de uma valoração baseada numa prognose do órgão da Administração. Nesta zona de incerteza do conceito, é concedido à Administração Pública uma área de escolha na concretização desse conceito, gozando o órgão decisor de uma autonomia na escolha de decisão. Salienta-se que está em causa uma discricionariedade no processo interpretativo e não uma interpretação discricionária. A este respeito, Paulo Otero ao verificar a existência de uma margem de livre apreciação na concretização de certos conceitos vagos e indeterminados, defende que existe aqui uma área de discricionariedade no processo interpretativo. David Duarte[1] entende que a margem de livre decisão administrativa reside na auto-vinculação administrativa com as respectivas normas que estabeleçam parâmetros fixos de preenchimento da abertura normativa que concede uma zona de liberdade na decisão, isto é, uma auto-vinculação administrativa por normas genéricas. Este mecanismo auto-vinculatório faz com que ao decidir, ao abrigo de uma margem de discricionariedade relevante no conteúdo da decisão, na qual é incorporado pelo decisor administrativo um conjunto de elementos que se tornam dentro do mesmo acto pressupostos hipotéticos que vão originar como consequência deste poder discricionário um efeito de normatização.
A exigência de um Estado social de Direito, o desenvolvimento de uma Administração prestadora, vai levar a que a área de discricionariedade não se limite ao conteúdo de decisões, e se estenda[2] à apreciação e ponderação de factos e interesses, bem como da harmonização do interesse público, comportando um amplo espaço de conformação, produzindo o fenómeno de discricionariedade administrativa. Há no entanto uma limitação constitucional a esta discricionariedade consagrada no art.112.º nº6 CRP no qual impera uma proibição de interpretação e integração constitucional de actos da função legislativa por parte da administração. Desta forma, a expansão do poder discricionário é operada pela possibilidade através da discricionariedade criativa, aditar pressupostos da norma secundária, desde que respeite os princípios da igualdade, da tutela da confiança e da tutela efectiva.
A prioridade normativa da Constituição exige que a Administração não viole normas constitucionais e paute a sua actividade pelos valores plasmados nos princípios constitucionais. A Administração está submetida ao princípio da legalidade na medida em que só pode agir no exercício das suas funções, com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos.
No entanto, a Administração Pública dispõe de um poder de rejeição de normas quando estas se apresentarem desconformes à Constituição e quando não exista precedência de decisão do Tribunal Constitucional não declarativa da inconstitucionalidade em causa. Face ao art.266.ºCRP, a Administração pode deixar de cumprir leis fundamentando-se numa pretensa inconstitucionalidade. Realce-se que esta situação leva a uma espécie de “fiscalização difusa administrativa”[3]. Face a esta problemática, Bachof apela ao princípio da evidência, não se colocando a questão tendo em conta que a Administração deve comprovar a constitucionalidade das normas a aplicar. Vieira de Andrade entende que estamos perante um conflito entre princípios constitucionais: de um lado o princípio da constitucionalidade; por outro lado o princípio constitucional da legalidade da Administração, defendendo que caso se verifique a inconstitucionalidade da norma, deve prevalecer o princípio da vinculação constitucional directa da Administração. Jorge Miranda[4] nega este poder à Administração, não só pela sua estrutura, mas também pela falta de uma norma atributiva de competência. A este respeito, Gomes Canotilho e Vital Moreira só admitem esta excepção ao princípio da obediência à lei se se verificar quando a inconstitucionalidade for flagrante e manifesta. Ainda com grandes reservas por parte da Doutrina, não podemos deixar de pensar que no limite, pode a Administração adoptar comportamentos tendo como único critério os seus interesses, o que torna a existência destes poderes discricionários uma ideia tanto ou quanto perturbante.

Considerações Finais
O poder discricionário da Administração não deve ser visto como uma espécie de “criminalidade tolerada”[5]. Afigura-se óbvio ser necessário atribuir uma margem mínima de liberdade à Administração, mas só nos termos e limites determinados por lei. O problema está nas situações em que a lei pouco ou nada diz, deixando uma grande margem de liberdade de decisão à Administração que usará os critérios que em cada caso entender como mais adequados à prossecução do “interesse público”.



[1] David Duarte, Justiça Administrativa
[2] Paulo Otero, Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, Coimbra, 1992
[3] Pedro Marchão Marques, Governo e Poder Administrativo, Lisboa, 1998
[4] Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, II, 2ªEd., 1987
[5] Sérvulo Correia e Rui Medeiros, Restrições aos poderes do governo em matéria de reconhecimento e de alteração dos estatutos das fundações de direito privado, in Revista O.A., Ano62, II – Lisboa, Abril 2002

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Desconcentração


Todas as viagens de comboio têm algo em particular e, esta última, uma vez acabada de sair da aula de Direito Administrativo, deu para pensar e ponderar tudo o que foi dito no debate realizado.                                                                                                                                            
Primeiramente há que reter alguns conceitos essenciais para descortinar questões posteriores.                                                                                                                                                                                   Uma Administração Concentrada incorpora um sistema em que, o superior hierárquico mais elevado é o único órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternes limitados àquelas tarefas de preparação e execução das decisões daquele.         
          
Por sua vez, a desconcentração, ou a Administração Desconcentrada é um sistema em que o poder decisório se reparte entre o superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais todavia, permanecem, em regra, sujeitos à direcção e à supervisão daquele. É um processo de descongestionamento de competências, onde se confere aos órgãos mais baixos poder decisório e, em contrapartida, na administração concentrada, este poder decisório pertence exclusivamente ao órgão superior.                                                                                                                                         

Como todas as coisas, ambas as posições têm pontos positivos e pontos negativos. Focar-me-ei apenas na Administração desconcentrada, uma vez que é o que acontece na Administração Pública portuguesa, sendo este até um princípio constitucional, consagrado no Art. 267 da CRP.                                                                                                                                                                   
Começo então por enumerar algumas das vantagens, para mim, aquelas com maior relevância. Na Administração desconcentrada poderá haver uma maior eficácia dos serviços públicos, que por sua vez, gera uma maior rapidez de resposta às solicitações dirigidas à Administração por particulares e, que faz com que se possa observar também uma melhor qualidade do serviço. A desconcentração viabiliza ainda a especialização de funções ou seja, permite uma maior especialidade e domínio na área do saber de cada um dos órgãos. Por conseguinte, a desconcentração acaba também por libertar os superiores de tomarem decisões de menos importância e faz com que estes se possam dedicar a assuntos de maior interesse e de maior responsabilidade que impreterivelmente lhe estão reservadas.                                                        
No que toca as desvantagens, concepções há que defendem que a multiplicidade de órgãos com poder decisório pode prejudicar a harmoniosa e coerente função e actuação administrativa. A acompanhar a desconcentração está a especialização, que tende ser rotineira, e pode gerar desmotivação dos agentes. Por fim, é ainda defendido que os interesses dos particulares podem ser prejudicado face à desconcentração uma vez que, o facto de se atribuir poderes decisórios a órgãos subalternos e consequentemente menos especializados pode levar à diminuição do serviço e a uma má administração.                                                                     
Posto isto, resta-me a mim tomar uma mínima e humilde posição. Tendo então em conta as desvantagens ou defeitos apresentados à desconcentração, primeiramente cabe referir que o facto de serem muitos órgãos a trabalhar em simultâneo e para o mesmo fim, faz com que se prenda um interesse comum e a prossecução desse interesse pode querer significar também uma estrutura organizada. Se houver então uma organização e uma boa gestão de tarefas, parece-me não haver motivos para aferir o fim da harmoniosa e coerente estrutura. A segunda crítica parece me ser também ela um pouco descabida, uma vez que, a especialização em determinado assunto é sempre um motivo de querer saber cada vez mais para cada vez mais se conseguir ter sucesso na função que se desempenha. A especialização não pode ser entendida como uma estagnação. Por fim a terceira crítica prende-se um pouco na primeira, uma vez que a existência de órgãos subalternos não implica uma má gestão nem insucesso uma vez que tanto os órgãos subalternos como o órgão máximo têm em vista a prossecução do interesse comum, e este só existe porque existem terceiros e com vista à satisfação das duas necessidades.                                                                                                                                                
No entanto, o problema de maior ou menor desconcentração apenas se prende com aquilo que se passa dento do Estado ou de uma qualquer entidade pública; tem como pano de fundo a organização dos serviços públicos e constitui uma existência de distribuição de poderes. É então ainda de referir que a desconcentração não deve ser extrema, mas sim relativa, ou seja, menos intensa mas ainda assim atribuindo certas competências a órgãos subalternos, mantendo a subordinação destes ao poder superior.                   
Vale a pena pensar nisto.

Princípio da descentralização

Princípio da Descentralização

O princípio da descentralização administrativa advém do art. 267º/2 da CRP, este exige que o exercício da função administrativa seja executado por diversas pessoas colectivas, além do “Estado-administração”[1].
            A CRP revela a existência de certas categorias de pessoas colectivas integradas na administração autónoma, como por exemplo:
·         Regiões Autónomas (225º, 228º o));
·         Autarquias locais (235º, 288º n));
·         Universidade Públicas (76º/2);
·         Associações Públicas (267º/1/4).

No entanto, algumas das pessoas colectivas que foram criadas para a descentralização do Estado, devam a sua existência ao legislador, sendo o caso daquelas que fazem parte da administração directa e indirecta do Estado, podem ser livremente criadas ou extintas por este (sendo assegurada a satisfação das necessidades comuns a que correspondem).



Mas, não sejamos ingénuos, é necessário que as pessoas colectivas (que correspondem à descentralização do Estado) e os seus órgãos sejam investidos pela lei de faculdades e competências que as aproximem das populações e que lhes sejam afectados os recursos humanos e financeiros necessários para a prossecução das suas competências.


Em todas as modalidades, a pessoa colectiva pode prosseguir fins gerais ou fins específicos.

Vantagens da descentralização administrativa:
1.      Eficiência e celeridade;
2.      Maior democraticidade;
3.      Especialização administrativa;
4.      Facilitação da participação dos interessados na gestão da administração;
5.      Limitação do poder a partir da sua repartição.
Desvantagens da descentralização administrativa:
1.      Proliferação de centros de decisão;
2.      Proliferação de património autónomo e exigências financeiras;
3.      Alargamento do número de servidores públicos com falta de qualificações técnicas.
Estas desvantagens acarretam grandes dificuldades de controlo o que leva a uma ineficiência. A Constituição foi, no entanto, sensível a estes perigos e limita a descentralização através de poderes de tutela e superintendência (267º/2).

[1] Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral – Introdução e princípios fundamentais, 3ª edição, Dom Quixote, Lisboa 2008


Catarina  Costa Dias
nº. 19548

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Administração ou corrupção?

                                                                                                                                Lígia Rocha Nº21500
Considerações Iniciais
O surgimento da Administração prestadora alargou sobretudo o campo da actuação administrativa. Com efeito, a Administração já não se ocupa apenas a executar as leis como outrora. Actualmente pode falar-se de uma Administração dirigida pela lei e não numa Administração que seja mera executora. Hoje, a Administração, se auto-organiza e administra; legisla com legitimação legiferante constitucional; pratica actos provados; produz bens, presta serviços, gere recursos financeiros, relaciona-se com outros entes estatais. Já não se concebe a administração como uma actividade secundária e subordinada.

A Administração ao avesso?
A administração centra-se em quatro relações fundamentais[1] segundo um princípio de dupla subordinação: das instâncias administrativas às instâncias políticas; das instâncias económicas às instâncias administrativas; e das instâncias administrativas inferiores às instâncias administrativas superiores. As relações fundamentais fundam-se ainda num princípio da separação, segundo um modelo de integração relativa, de modo a evitar uma fuga para a competência de outros sectores.
A interdependência, no modelo português, torna aceitável a interpenetração de funções com intersecções mas dentro de determinados limites básicos constitucionalmente autorizados, ou seja, desde que não atinja o núcleo essencial de cada uma das funções, o que nos remete à ideia de tarefas-tipo de cada um dos órgãos de soberania que, em consequência não se poderão deslocar para outros órgãos, sob pena de usurpação de poder e violação do princípio da separação de poderes[2]. No ordenamento jurídico português, o artigo 111.ºCRP garante o princípio da separação de poderes e revela duas dimensões: uma dimensão negativa consubstanciada no sistema de freios e contrapesos; e uma dimensão positiva, visando à racionalização da organização do poder estatal. Contudo, qual o limite desta racionalização?
Têm surgido fenómenos que despontam uma reacção crítica face ao Estado, fazendo questionar o habitual e normal funcionamento da Administração. Há uma falta de legitimidade própria da Administração (os funcionários são nomeados e não escolhidos por meio de eleição); sendo concebida como um instrumento do poder político arts.185.º, 111.º e 266.ºCRP. Tem-se verificado, no âmbito da relação entre instâncias políticas e instâncias administrativas, um fenómeno de politização da Administração[3], ou seja, a uma interferência do poder político no funcionamento da Administração, através da integração crescente dos funcionários nos círculos dirigentes do partido e do governo. Há uma “confusão” dos papéis das instâncias no que respeita às nomeações políticas e por sua vez interferências do aparelho partidário no processo de decisão do aparelho de Estado. A este propósito, Raymond Aron defende a separação fundamental entre os funcionários administrativos enquanto entes integrados na função pública e que aspiram a um Estado dirigido por critérios de racionalidade universal; e os políticos que se motivam na tomada de decisões pelas suas concepções ideológicas (tecnocracia emergente).
Face a esta polémica, Gomes Canotilho ressalva que não é fácil diferenciar as funções da administração e as funções do governo, e o próprio artigo 199.ºCRP não é muito esclarecedor nesse aspecto. No entanto, a Doutrina aponta dois critérios de distinção. Segundo o primeiro, as funções do governo teriam o sentido de serem aquelas exercidas pelos órgãos superiores do executivo, ao passo que as funções administrativas seriam identificadas como aquelas desempenhadas pelos órgãos inferiores. De acordo com o segundo critério, as funções do governo seriam entendidas como funções políticas livres e iniciais, por outro lado, as funções administrativas seriam aquelas que se reconduzissem a funções derivadas, executiva e heteronomamente determinadas. Ambos os critérios são amplamente criticados por Gomes Canotilho argumentando que seguindo estas concepções um acto administrativo pode transformar-se funcionalmente em acto de governo, assim como um acto de governo pode ser funcionalmente valorado como tendo simples significado administrativo.
Esta querela também é denunciada no âmbito de outras áreas: o processo de segmentação das instâncias administrativas favorece a influência das instâncias económicas sobre a administração, mediante a criação de serviços especializados (“parceiros sociais”).
O fenómeno de centralização administrativa traduz-se numa subordinação sem separação das instâncias administrativas inferiores às instâncias administrativas superiores. O “pouvoir d’expertise”[4] concorre com o poder hierárquico detido pelas instâncias administrativas superiores, de tal modo que o individuo em causa tem à sua mercê uma organização na qual, para agir, as pessoas dependem da acção deste mesmo indivíduo, das suas decisões ou omissões. Detendo este poder, as instâncias administrativas inferiores ficam a poder “controlar” os agentes administrativos situados nos níveis superiores da organização hierárquica. Estamos perante uma crise do aparelho administrativo verificando-se um esbatimento da linha de demarcação entre o público e privado e a intervenção do Estado em domínios que lhe são estranhos com a proliferação de novas funções que vai concedendo a si próprio.
Face a esta realidade administrativa em mudança, não podemos deixar de fazer uma análise crítica, de modo a ver se estão assegurados os direitos, liberdades e garantias e a prossecução interesse público, como fins inarredáveis do Estado.

Nota Final
É claro estar hoje ultrapassada a concepção liberal da separação de poderes. O seu esquema rígido de tripartição de poderes não corresponde às necessidades da nossa sociedade que evolui a um ritmo galopante e que exige, cada vez mais, respostas imediatas dos órgãos públicos, pressionando à sua maior flexibilização.
Contudo, urge ponderar em que medida é que a prossecução destes interesses justifica a dispensa de um equilíbrio fundamental na demarcação de esferas de competências, imprescindível para a salvaguarda e garantia contra lesões provenientes de uma eventual actuação parcial da Administração.




[1] GÉRARDE TIMSIT,  «Modèles, Structures et Stratégies De L’Administration Élements Pour Une Prospective Administrative» in Théorie de L’Administration, Porto, Económica
[2] BARBOSA DE MELO, in Curso de Ciência de Administração (Sumário e Notas), Universidade Católica Portuguesa, Curso de Direito do Porto, 1986
[3] SUORDEM, Fernando Paulo da Silva, O Princípio da Separação de Poderes e Novos Movimentos Sociais, Coimbra, 1995
[4] MICHEL CROZIER, Le phènomene bureaucratique, Éd. Du Seiul, 1963

REGIÕES ADMINISTRATIVAS



A CRP prevê regras relativas a cada uma das autarquias locais, a freguesia, o município e as regiões administrativas.

As regiões administrativas são uma autarquia criada pela Constituição mas que nunca chegaram a existir. São as chamadas entidades “geradas mas não criadas”.

Dependem de dois momentos: em relação aos quais é preciso obter o consenso de todas as forças político-partidárias.

Primeiro momento: é preciso fazer uma lei a dividir o país em regiões administrativas, que é uma lei reforçada, tem exigências em termos de maioria – procedimento legislativo este que poderia ser ou não antecedido de referendo.

Segundo momento: seria a instauração de todas as regiões administrativas para o qual existe um referendo obrigatório. Instaurações que teriam que ser feitas todas em simultâneo.

Portanto pode haver referendo quanto há questão de regionalização e depois outro referendo quanto à questão da instituição de cada uma das regiões administrativas.

A lei distingue entre a criação legal de todas as regiões administrativas que tem que ser feita em conjunto e que implica uma opção no sentido do regionalismos e a instituição em concreto de cada uma das regiões administrativas mas esta instituição é antecedida de um referendo quanto àquela autarquia de região que está em causa.

Num caso concreto houve um referendo que perguntava se a população era ou não favorável à regionalização e se concordava com a sua própria região. O seu resultado negativo levou ao afastamento das regiões administrativas. Pergunta ampla e não apenas para a instituição em concreto da sua região.

Conclusão, não houve a instauração de nenhuma região.

Portanto a lei que tinha criado essas regiões administrativas caducou e o processo voltou ao início. Há quem diga que estão criadas legislativamente mas falta instituição em concreto, mas como a lei caducou o processo para se retomar teria que se recomeçar do zero. O que implicaria novamente um referendo com as mesmas questões pelo que se encontra num impasse.

Está em causa resolver este impasse constitucional: se for no sentido de existência de regiões administrativas o processo de criação deve ser simplificado, se pelo contrário se decidir que elas não devem ser criadas então devem ser eliminadas.

Esta realidade de existência constitucional sem existência legislativa é uma prova da ineficácia e da crise da CRP.

Não têm existência, não há criação nem legal nem instauração concreta.

As regiões administrativas correspondem à ausência de consenso constitucional quanto à sua existência ou não.

O legislador constituinte deliberou no sentido da sua criação mas para agradar também aqueles que se lhe opunham criou um mecanismo de constituição que faz com que nunca existam. É de tal maneira complicado que faz com que na prática seja impossível.

Portanto as autarquias são o município e as freguesias!

 

Sofia Teresa de Bragança

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