sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O acto administrativo no Direito Português


O acto administrativo no Direito Português

Segundo a orientação da escola de Lisboa era normal a adopção de um conceito amplo de acto administrativo.
Para Marcelo Caetano, nos actos jurídicos da Administração estão integrados, entre outros, os regulamentos, os actos jurisdicionais e os actos administrativos, mostrando assim um conceito bastante amplo de acto administrativo. Cada um dos actos contidos nos actos jurídicos da Administração qualificava-se de acordo com o sujeito de quem provinha, mostrando aqui ainda uma grande coincidência entre a Justiça e a Administração, uma vez que os tribunais administrativos eram considerados como elementos da administração activa. No entanto, para este autor, nem todos os actos dos órgãos da Administração são actos administrativos, sendo que para o serem era necessário serem uma conduta voluntária de um órgão da Administração que produza efeitos jurídicos no caso concreto, aquando do exercício de um poder público e para a prossecução dos interesses que estão a seu cargo, sendo essas interesses ditados pela lei.
Deste acto administrativo em sentido amplo diferenciava-se então um em sentido restrito, que correspondia aos actos que fixavam autoritariamente as posições da Administração relativamente aos particulares, os direitos e os deveres de cada um. Este acto em sentido restrito denominava-se então acto definitivo e executório sendo este um comportamento voluntário de um órgão da Administração que definia com força obrigatória e coerciva situações jurídicas num caso concreto, no exercício do poder público e na prossecução dos interesses que se encontravam sob a sua alçada.
Para Freitas do Amaral é dado como conceito para acto administrativo amplo, o acto jurídico unilateral, praticado por um órgão da Administração, aquando do exercício de um poder administrativo, visando a produção de efeitos jurídicos numa determinada situação num caso concreto. Sendo o acto definitivo executório como o acto administrativo completo e total. Para este autor o acto administrativo definitivo e executório é extremamente importante no Direito Administrativo, uma vez que é nele que se encontra a possibilidade do recurso contencioso. O acto é definitivo, uma vez que define unilateralmente o direito no caso concreto e é executório na medida em que a sua definição representa um imperativo obrigatório que pode ser executado pela força pela Administração contra o particular. O acto definitivo executório é então a consubstanciação do exercício do poder pela Administração enquanto autoridade.
Rogério Soares acredita que o acto administrativo se deve definir de uma forma restritiva.
Este autor tem primeiro em conta duas correntes sobre o acto administrativo: a italiana (que abrange todos os actos jurídicos unilaterais praticados por um órgão da Administração no exercício do poder compreendido por esta, com vista à produção de efeitos jurídicos, em actos administrativos, mas que posteriormente os distingue esses actos instrumentais das provisões sendo estas últimas os actos administrativos por excelência) e a alemã (que define como actos administrativos as condutas autoritárias tidas pelos órgãos da Administração, que têm carácter externo e que se destinem a produzir efeitos jurídicos concretos).
Denotando-se a preferência deste autor pela concepção alemã a sua definição de acto administrativo é a decisão de um órgão da administração (de forma autoritária) no uso dos seus poderes no âmbito do Direito Administrativo, mediante um caso concreto, produzindo-se efeitos externos que tanto podem ser positivos como negativos. Esta definição é bastante restritiva, uma vez que não engloba os actos da administração que não são autoritários, por exemplo a prestação de serviços.
Na opinião de Vasco Pereira da Silva esta concepção de não está de acordo com os dias de hoje, uma vez que não conta como actos administrativos as actuações da Administração que têm como propósito a prestação ou constituição de algumas situações.
Continuando com a concepção de Rogério Soares este acaba por admitir a existência de actos instrumentais, sendo estes menores em comparação com os actos administrativos e não encontrando imediatamente a satisfação de um interesse público concreto.
Para Vasco Pereira da Silva a distinção entre actos administrativos e actos instrumentais é criticável de dois pontos de vista: o linguístico (actos instrumentais que não são actos administrativos deviam ter outra denominação) e o material (tendo por base a falta de autonomia dos actos instrumentais face aos verdadeiramente administrativos mostra uma ideia desadequada ao dias de hoje que não tem em consideração o processo decisório, apenas considera mais importante o fim alcançado pela decisão da Administração).
Sérvulo Correia defende que o acto administrativo é o comportamento unilateral da Administração (que tem de ser revestido pela publicidade exigida por lei), que no exercício de um poder de autoridade define uma situação jurídico-administrativa concreta. Esta definição afasta-se da posição da escola de Lisboa uma vez que a função definidora de situações jurídicas é integrada no conteúdo do acto administrativo, uma vez que considera que da conduta da Administração tem de surgir a constituição, modificação ou extinção de relações entre sujeitos ou a alteração da situação jurídico-administrativa de uma coisa. Sérvulo Correia acrescenta no entanto que o acto pode não ser constitutivo, mas apenas declarativo ou enunciativo, na medida em que apenas procede, por exemplo à verificação de certas qualidades nas pessoas.
Este autor, apesar de apresentar uma definição restritiva de acto administrativo, também distingue os actos administrativos dos actos auxiliares, sendo estes últimos os actos constituídos por actos que mesmo jurídicos são internos, e por actos externos que não definam uma situação jurídica entre a Administração, particulares ou coisa, como por exemplo os actos de notificação.
Na prespectiva de Vasco Pereira da Silva as mesmas críticas aplicadas à definição de Rogério Soares podem ser aplicadas a esta concepção, porque mais uma vez é desvalorizada a actuação procedimental da Administração sendo apenas a decisão final o que importa; esta definição limita a actuação Administração dizendo que esta apenas executa a lei, esquecendo-se da actuação prestadora, e ainda, e novamente, a existência de um paradoxo linguístico onde existem actos administrativos que não o são.
Na opinião de Vasco Pereira da Silva o acto administrativo deve ser definido de modo amplo, compreendendo não só a administração feita de forma agressiva, como as decisões de natureza prestadora. Uma vez que a visão de uma Administração agressiva que apenas executava a lei já não faz sentido nos nossos dias.
O surgimento dos actos de prestação veio a por em causa a noção autoritária que se tinha do acto administrativo.
Hoje em dia os actos administrativos não se podem caracterizar nem pelo efeito regulador (porque muitos têm um carácter mais material que jurídico); nem pela produção individualizada de efeitos perante um caso concreto (existem decisões que afectam outros que não são os seus destinatários imediatos) e nem pela execução à força da autotutela (sendo esta apenas um privilégio subjectivo da Administração que só deve ser utilizado quando necessário)
A definição de acto administrativo, para este autor, tem ainda de ter em conta o processo da decisão e o procedimento pelo qual é feita, tópico que as considerações restritivas acima não abrangiam.
O procedimento é fundamental na actividade administrativa, uma vez que tanto ajuda a proteger os particulares, como pelo facto de permitir a obtenção da legalidade e da correcção nas decisões, então não pode haver acto administrativo sem procedimento.
Pelos argumentos apontados, então o conceito de acto administrativo deve conter ainda as actuações procedimentais.
As noções restritivas de acto administrativo separavam ainda os actos internos dos externos, sendo que os primeiros não teriam carácter jurídico, hoje em dia a Administração já não goza da impermeabilidade do Direito o que faz com que as relações internas não sejam mais campos de liberdade fora do Direito (1º, 2º, 3º, 18º e 266º CRP). Sendo então que para Vasco Pereira da Silva já não é necessário fazer a descriminação entre actos internos e externos tendo em conta o carácter da juridicidade. Ambos os actos internos e externos são espécies de actos administrativos.
Segundo a concepção deste autor temos como definição ampla de acto administrativo como “qualquer manifestação unilateral de vontade, de conhecimento ou de desejo, proveniente da Administração Pública e destinada à satisfação de necessidades colectivas que, praticada no decurso de um procedimento se destina à produção de efeitos jurídicos de carácter individual e concreto”[1] .

Catarina Costa Dias
nº. 19548


[1] Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido

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