Lígia Rocha Nº21500
Notas Preliminares
A Doutrina tem por hábito integrar esta temática como
subespécie de delegação de competências. Contudo, tendo em conta o conceito de
delegação de competências que consiste no acto pelo qual o órgão de uma pessoa
colectiva envolvida no exercício de uma actividade administrativa pública,
normalmente competente em determinada matéria e devidamente habilitado por lei,
possibilita que outro órgão ou agente pratiquem actos administrativos sobre a
mesma matéria. Esta definição faz notar uma certa incompatibilidade com a
figura da delegação tácita.
“O próprio silêncio
assume um temível sentido”
Albert Camus
No mesmo sentido, Freitas do Amaral[1] considera imprescindível que o acto de delegação seja expresso, conclui que
esta acção tácita não é uma espécie de delegação de poderes, mas uma espécie de
desconcentração originária. Ao invés, Caupers defende que a figura da acção
tácita em tudo idêntica à da delegação de competências, aplicando-se-lhe o
regime próprio desta.
Primeiramente, é importante distinguir entre a habilitação
legal, ou seja, a disposição que distribui originariamente as competências; do
comportamento omissivo do delegante, que se traduz na vontade que este
manifesta em renunciar temporariamente ao exercício de uma competência posta
por lei a seu cargo. Aqui, estamos a referir-nos a esta última figura, cujo
valor jurídico é discutido na Doutrina. Num prisma, uma posição que ficciona a
existência de um acto administrativo; por outro lado uma concepção que recusa
atribuir à omissão do “delegante” qualquer relevância jurídica. Por sua vez,
Caupers[2]
considera como elemento decisivo na figura da delegação de competências, não o
acto de delegação em si, mas antes a relevância da vontade do delegante. Se a
lei considera determinados poderes delegados, então o “delegante”, ao nada
fazer está a concordar com o exercício dos mesmos pelo delegado, sendo esta a
relevância jurídica da sua omissão. Este entendimento já teve aplicação pela
jurisprudência do STA[3] onde
é dito que “a delegação tácita assenta na vontade presumida do órgão da Administração
de delegar alguns dos seus poderes…”. Caupers parece qualificar o comportamento
omissivo como consubstanciando um verdadeiro acto administrativo, ainda que não
expresso, bastando para isso uma omissão juridicamente relevante. Para que um
determinado comportamento, ainda que tácito seja juridicamente relevante, é
preciso que dele decorra uma alteração no mundo do Direito, ou seja que produza
efeitos jurídicos. A questão não está em saber se através de uma omissão, um
órgão pode ou não alterar alguma coisa na situação jurídica do seu autor ou na
do seu destinatário.
Observemos então se podemos, no Código do Procedimento
Administrativo, aplicar algumas disposições do regime de delegação de
competências por analogia no âmbito da delegação tácita de competências. A
delegação tácita corresponde a uma vontade em delegar competências suas num
outro órgão, promovendo a desconcentração da actividade administrativa. Por
exemplo, um órgão através de um comportamento omisso, renuncia, durante o
período em que mantiver esse comportamento à avocação dessas mesmas
competências. Esta situação tem relevância quando o legislador pretende que
determinadas competências sejam exercidas por um órgão colegial no seu
conjunto, e este apesar de continuar a ser titular das mesmas, se nada faz,
permitindo o exercício por um único membro desse órgão exclusivamente.
Dentro do regime jurídico de delegação de competências do
CPA, vamos excluir o que diz respeito à delegação expressa de competências,
centrando-nos no art.37.ºss CPA. Na delegação tácita, a publicidade do acto
suscita dúvidas pela omissão da qualidade de “delegado”, pois este está a agir
não ao abrigo de um acto de delegação, mas antes ao abrigo de uma norma legal
que o habilita para o exercício daquelas competências art.37.ºnº2 CPA. No que
respeita à recorribilidade do acto[4] se
ocorrer um exercício abusivo de um órgão que menciona a sua qualidade de
titular de competências postas por um órgão que menciona a sua qualidade de
titular de competências por efeitos de uma delegação tácita, os vícios que daí
decorrem em nada se vêm alterados pela menção ou omissão, podendo o particular
propor uma acção administrativa especial, na qual o tribunal virá a anular o
acto com fundamento em incompetência[5]. Por
outro lado, se o “delegado” se encontrar habilitado a exercer determinadas
competências e não o mencionar aquando a prática do acto, o particular já não
pode defender-se com o seu desconhecimento tendo em conta que essa distribuição
de competências se encontra na lei. Revela-se uma falta de regulamentação pelo
legislador nesta situação em que o órgão que invoca o exercício de competências
tacitamente delegadas por lei, mas que naquele momento, por vontade do
“delegante” esse exercício já se havia extinguido, não há maneira de o
particular ter conhecimento dessa situação. Como salvaguardar neste caso os
direitos do particular?
Entendemos que o art.39.º CPA que consagra os poderes do
delegante por estar fundamentado no princípio a maiori ad minus (quem pode revogar os actos praticados pelo
delegado, pode também orientar o seu exercício), não se aplica a uma situação
de delegação tácita por não haver esta possibilidade de revogação. O fundamento
do poder de revogação da delegação por parte do delegante é o de ter sido ele a
praticar o acto da delegação. O mesmo não se passa na delegação tácita em que a
relação de delegação não é constituída em virtude da lei.
Dito isto, onde integrar esta figura da acção tácita da
Administração? Ela manifesta uma ausência da característica nuclear do regime
de delegação de competências: o carácter intuitus
personnae. Desta forma, ou se nega que o carácter intuitus personnae seja um aspecto essencial da figura da delegação
de competências, podendo esta incluir outras subfiguras, como a dita delegação
tácita; ou se rejeita a concepção da acção tácita como uma espécie de delegação
autonomizando-se a sua figura[6].
Conclusões
Sob a mesma matéria estes vários autores concedem
nomenclaturas diferentes, o que torna mais interessante a investigação dos
pilares que fundamentam cada uma delas. Salienta-se que recentemente tem havido
um movimento que contraria a Doutrina tradicional, arguindo que estamos perante
duas realidades diferentes e não perante uma espécie (acção tácita) que se
inclua no género da delegação administrativa de competências. De todo o modo,
onde quer que cada a autor integre esta “acção tácita”, evidencia-se que estes
actos que façam cessar ou que onerem o exercício de competências, trazem
implicações significativas na relação entre os órgãos, alertando os juristas
para a existência de uma brecha que terá escapado ao legislador.
[1] Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2007
[2] João Caupers, Direito Administrativo, Editorial Notícias, 1995
[3] Acórdão de 15 de Março de 1990, processo
nº26 863
[4] André Gonçalves Pereira, Da delegação de poderes em Direito
Administrativo, 1960
[5] José Carlos Vieira de Andrade, «A
“revisão” dos actos administrativos no direito português», in Estudos sobre o código do procedimento
administrativo, INA, nº9/10, 1994
[6] Posição defendida por Ravi Afonso Pereira,
in Contributo para o estudo da delegação
dita tácita de competências, FDUNL Nº9 - 2002
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