quarta-feira, 22 de maio de 2013

Ajuste Directo - convite livre da Administração?


Pretendo tratar de um procedimento pré-contratual em concreto, o ajuste directo. Este é reconhecido pelo CCP e, de acordo com o seu artigo 16º, certos contratos devem ser precedidos de um procedimento que vise a minimização de despesas e/ou a maximização das receitas da Administração, daí ser expressamente referido o Princípio da concorrência: quando existem várias entidades dispostas e capazes de celebrar um contrato com o Estado, este deve optar pela mais eficiente em termos de custo/qualidade.
O ajuste directo é definido no artigo 112º CCP:
O ajuste directo é o procedimento em que a entidade adjudicante convida directamente uma ou várias entidades à sua escolha a apresentar proposta, podendo com elas negociar aspectos da execução do contrato a celebrar.
Após o novo CCP, o ajuste directo passou a englobar (i) o concurso limitado sem publicação prévia de anúncio ou sem apresentação de candidaturas, (ii) o procedimento de negociação sem publicação prévia de anúncio e (iii) a consulta prévia, ou seja, o actual ajuste directo com consulta a mais do que uma entidade. Também no novo CCP. O ajuste directo pode ser escolhido em alternativa ao concurso público ou ao concurso limitado, embora essa escolha condicione o valor do contrato, como refere o artigo 18º CCP. Ao longo do código, vão sendo estabelecidos tectos de valores de negócios diferentes para cada procedimento pré-contratual e no ajuste directo, os valores tendem a ser sempre os mais baixos. Isto porquê? Como se pode verificar, o ajuste directo origina um contrato em que um dos co-contraentes é alguma entidade escolhida directamente pelo Estado, o que mostra que o princípio da concorrência, se este procedimento não for controlado, pode sair danificado. Assim, quanto maior for a dimensão financeira do contrato, maiores são as exigências impostas pelo princípio da concorrência e, por isso, mais solene e formalizado deverá ser o procedimento pré-contratual aplicável.
Passando agora à caracterização deste instituto, pode-se dizer que está no polo oposto da contratação pública, uma vez que esta admite a apresentação de propostas de qualquer entidade desde que satisfaçam os requisitos normativamente estabelecidos, não havendo qualquer fase de qualificação dos interessados. De acordo com a classificação do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o ajuste directo é um (i) procedimento fechado no que se refere ao seu universo subjectivo, porque só podem apresentar propostas, os interessados que sejam convidados pela Administração; (ii) o seu caderno de encargos tem uma formação estritamente unilateral (art. 115º nº4) porque resulta de uma decisão tomada pela Administração sem qualquer prévia participação formal do potencial universo dos interessados em contratar. Quanto ao (iii) grau de rigidez das propostas, a Administraçao admite negociação embora esta esteja na margem de livre decisão daquela (arts. 112º e 115º nº2).
Ao longo do CCP, surgem algumas características do ajuste directo (que, normalmente são partilhadas com outros procedimentos pré-contratuais) que vale a pena fazer referência. Em primeiro lugar, o artigo 24º nº1 enumera casos em que o ajuste directo pode ser escolhido, qualquer que seja o valor do contrato em questão, nas situações ali enumeradas. Isto acontece, mais uma vez, devido ao peso do princípio da concorrência. Este é menor em termos absolutos (por exemplo, nos casos em que anteriores procedimentos de concurso público não tenham produzido a concorrência esperada) ou em virtude de necessidade de compatibilização com outros interesses (é o caso da urgência na celebração do contrato).
Há também que referir o artigo 31º CCP: este estipula que o ajuste directo não pode ser utilizado para a formação de contratos de concessão de obras públicas, para concessão de serviços públicos e de sociedade. No entanto, poderá excepcionalmente ser utilizado quanto aos últimos dois casos, quando razões de interesse público relevante o justifiquem (art. 31º nº3).
Passemos agora à tramitação procedimental do ajuste directo. Avaliaremos duas questões mais relevantes e controversas:
1º Número de entidades a convidar no ajuste directo.
O art. 114º nº1 CCP, vem reforçar o 112º (que refere que a entidade adjudicante pode convidar uma ou mais entidades), definindo:
A entidade adjudicante pode, sempre que o considere conveniente, convidar a apresentar proposta mais de uma entidade. 
Daqui se retira que não existe nenhum dever de consultar mais do que uma entidade, fora os casos do art. 114/2 que exige que sejam convidados ao procedimento todas as entidades que participaram em concurso de concepção. O Professor Miguel Raimundo chama a atenção para um ponto relevante que pode contrariar, em certos casos este regime. Como se verifica no artigo 7º CCP, os limites impostos remetem para a Directiva 2004/18/CE. Esta, em princípio só se aplicaria aos contratos que respeitassem o limiar nela previsto. Mas existem excepções: os chamados casos transfronteiriços certos que podem ser relevantes a nível internacional, atraindo entidades dispostas a contratar estrangeiras. Nestes casos, o TJUE exige um dever de publicidade do procedimento relativo à celebração desse contrato. Daqui conclui-se que a entidade adjudicante passa a ter de aceitar propostas de entidades que não convidou mas que podem estar interessadas no contrato. Como conclui o Professor Raimundo, há que fazer uma interpretação conforme o Direito comunitário que limite a excessiva margem de livre apreciação da entidade adjudicante. Esta terá de averiguar se o contrato terá valor transfronteiriço, obrigando-a à publicação do contrato, dever esse que não é imposto no ajuste directo, com base nas normas do CCP.
2º Identidade das entidades a convidar
O art. 113º nº2 estipula:
2 - Não podem ser convidadas a apresentar propostas entidades às quais a entidade adjudicante já tenha adjudicado, no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores, na sequência de ajuste directo adoptado nos termos do disposto na alínea a) do artigo 19.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º, consoante o caso, propostas para a celebração de contratos cujo objecto seja constituído por prestações do mesmo tipo ou idênticas às do contrato a celebrar, e cujo preço contratual acumulado seja igual ou superior aos limites referidos naquelas alíneas. 
Numa primeira leitura, conclui-se que esta norma pretende preservar os princípios da transparência e da imparcialidade. E poderá servir também para evitar relações de dependência das entidades adjudicantes em relação a determinadas empresas. As entidades públicas, ao terem parceiros privilegiados, estariam a violar o principio da concorrência e do igual tratamento.
Outra vez, o Professor Miguel Raimundo, faz uma interpretação deste preceito. A seu ver, este é muito exigente e mal concebida porque visa, em primeiro lugar, o convite a entidades que não tenham sido adjudicatárias de determinado bem ou serviços nos anos anteriores enquanto que deveriam priveligiar a aferição da melhor relação qualidade-preço. Pode até a vir prejudicar a concorrência pelo facto de um fornecedor, que poderá ser o melhor fornecedor do mercado, ficar impedido de prestar bens ou serviços por o já ter feito em anos anteriores. Prejudicará também o objectivo primeiro da contratação pública porque reduz as melhores relações de preço-qualidade a um mercado artificialmente reduzido ao conjunto de agentes económicos que não se enquadre na situação do art. 113º nº2.
Assim, a proposta do Professor Raimundo é a de que se faça uma interpretação no sentido de que só impede o convite individual a uma entidade que se encontre nas condições referidas no art 113º nº2, e não o convite a essa entidade em conjunto com outras para apresentar proposta em ajuste directo. Quando haja mais do que uma entidade convidada, o ajuste directo passa a ser um procedimento concorrencial, o que faz com que a negociação (que o Professor Raimundo considera obrigatória nestes casos, ao contrário do Professor Marcelo Rebelo de Sousa) seja necessariamente competitiva. 

terça-feira, 21 de maio de 2013

Da Audiência Prévia



A possibilidade de participação dos particulares no procedimento administrativo representa uma importante forma de controlo e de limitação do poder administrativo, democratizando a Administração Pública.
Torna-se manifesta a necessidade de participação dos particulares, pois perante o direito à audiência, pode este provar à Administração que aquilo que defende faz sentido podendo mudar a decisão da Administração. A autoridade administrativa deve levar em conta o que foi defendido na fase da audiência do procedimento, considerando a integralidade das consequências que resultam da decisão que tomar.
 A audiência dos particulares como momento prévio e obrigatório à tomada da decisão vem permitir ao particular defender-se preventivamente.
A participação dos particulares permite então a ponderação pelas autoridades administrativas dos interesses que estão a ser postos em causa com a sua decisão, possibilitando-lhes uma melhor configuração dos problemas colocados e perspectivas de sua resolução. A audiência dos particulares permite ainda uma acrescida legitimação das decisões, tornando-as mais racionais, tutelando os direitos subjectivos dos particulares.

A audiência dos interessados vem prevista no art.100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, e consiste num importante momento do procedimento administrativo. Segundo o disposto neste artigo, os interessados têm o direito a ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final. Deste modo, a audiência acaba por consistir num momento em que se chamam os interessados a fim de serem ouvidos.
O direito à audiência será então corolário de alguns direitos constitucionalmente consagrados como o direito à informação dos particulares (art.37º da Constituição da República Portuguesa), isto é, direito a informar e ser informado. Será ainda consequência do direito de participação dos particulares (art.267º/5 CRP), e efeito de uma administração participada. No caso do direito português a formulação do dever de audiência deve ainda partir da prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses dos particulares (art.266º da CRP), o que significa ouvi-los e considerar o que dizem.
Visto isto, poderemos considerar que a audiência prévia é direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias.
Se antes existia apenas uma iniciativa, uma instrução e decisão, então agora veio estabelecer-se, antes de decisão, a obrigatória audiência dos interessados.
Note-se que o facto deste artigo se referir a sentido provável mostra que a decisão final poderá não ser a mesma que é exteriorizada na audiência.

Que consequências jurídicas existem então pela falta de audiência do particular? Existe uma querela sobre que tipo de direito será este, discutindo-se se este direito é um direito fundamental ou se, por outro lado, não tem essa natureza e não está sujeito aos direitos fundamentais da Constituição.
Por um lado, o Prof. Rui Machete considera que  a participação dos privados no procedimento administrativo não deve ser vista como um instrumento de defesa de posições jurídicas subjectivas, mas como parte de um processo de aquisição de conhecimentos pela Administração, por dar relevância e significado a interesses até aí despercebidos. Por outro lado, o Prof. Gomes Canotilho entende que tal participação representa uma dimensão intrínseca dos direitos fundamentais.
Parece que se deva entender que se formula uma junção da protecção jurídica de interesses individuais com os interesses de uma Administração Pública democrática, isto é, o direito à audiência será simultaneamente protector dos interesses dos particulares como instrumento democrático de formação da vontade administrativa. 
Podemos, assim, chegar à nulidade do acto final do procedimento. Chegar-se-ia ainda a esta nulidade pelo facto de este direito de audiência constituir uma formalidade essencial de um acto administrativo, permitindo aplicar o art.133º/1 do CPA, e número 2, al. d). Por outro lado, quem não o considere como tal direito, defenderá a mera anulabilidade do acto definitivo.


segunda-feira, 20 de maio de 2013

Fuga para o Direito Privado?


No seguimento do debate realizado na aula prática e dada a importância da matéria, considerámos importante vir expor de forma sintetizada a posição defendida pelo nosso grupo sobre a questão da utilização do direito privado mediante a classificação do legislador de uma entidade como privada e do direito público, perante a classificação do mesmo como entidade pública; ainda que, evidentemente tenhamos de chegar a um meio termo sobre esta discussão. Deste modo, há que antes de mais, deixar claro o seguinte: as relações entre direito público e privado existem e não podem ser negligenciadas, como já vimos, ao longo do primeiro semestre, aquando da abordagem da matéria da “fuga para o direito privado”. Tal resulta de dois factos essências:

Em primeiro lugar do facto de o direito privado constituir um limite à actividade administrativa e, em segundo, do facto de tais relações derivarem da utilização directa de meios e instrumentos de direito privado por parte da administração, inclusivé para satisfação directa das necessidades colectivas.

Se se pretender fazer uma pequena evolução histórica, poderemos relembrar que anteriormente, este âmbito de relações entre direito privado e direito administrativo era mais restrito: apenas direitos reais, sucessão por testamento, certas obrigações derivadas de lei e a questão dos contratos. No entanto, há determinadas áreas e assuntos que não permitem a fuga à utilização do direito privado, para além de que, certos direitos dos particulares também valem contra a administração pública, em situações autorizadas pela ordem jurídica, como por ex. o direito previsto no art. 80º do CC, previsto igualmente na CRP.

Há que relembrar, que o direito privado, é um direito com séculos de existência que, sendo mais antigo, é simultaneamente mais aperfeiçoado, já teve tempo de se adaptar, de evoluir, de “aprender com os erros”, ao passo que o Direito Administrativo é, conforme já vimos por diversas vezes e no âmbito de inúmeras matérias, um direito mais recente, com um início atribulado, sendo por essa razão, um direito incompleto, em busca de uma certa afirmação e que, por isso mesmo, não pode deixar de recorrer ao seu “ancestral”, na busca da resolução de certos problemas.

Por outro lado, o direito privado poderá potenciar uma actuação mais célere, flexível e eficaz, bem como a subtracção a determinados controlos burocráticos, financeiros e contabilísticos. Não poderemos aceitar as opiniões que dizem que esta “fuga para o direito privado” pretende ajudar a administração a evitar imiscuir-se das suas obrigações, enveredando por uma saída mais facilitadora, dado que, reiteramos, este uso do direito privado deverá ser feito dentro de limites e apenas na medida do estritamente necessário e do admissível.

Além disto, não poderemos esquecer que é possível aos Tribunais Administrativos serem chamados a conhecer matéria de direito privados, nos domínios da responsabilidade e dos contratos administrativos, provando tal, o necessário socorrer do direito privado em favor do direito público.

Mais, há desde logo princípios, orientadores do Direito, coincidentes entre privado e Administrativo e mesmo este último aproxima-se muitas vezes noutras matérias do primeiro.

Já Gianini referia que um ente público tem qualidade de pessoa jurídica, sendo pessoa colectiva de direito comum e tendo portanto plena capacidade de direito privado logo, não pode negar a sua origem; o que faz todo o sentido.

Finalmente, de acordo com o disposto no art. 9º/3 do CC, apesar de ser permitida uma interpretação da Lei, tendo em conta o elemento histórico, sistemático e teleológico, é de se assumir que o legislador disse exactamente aquilo que pretendia, logo ao classificar de um modo uma determinada entidade, não o fez levianamente, pretendendo que lhe fosse aplicado uma determinada matéria.

Princípio de aproveitamento do acto Admnistrativo


Princípio de aproveitamento do acto Admnistrativo
 

A invalidade de um acto admnistrativo é um desvalor jurídico que afecta a produção de efeitos deste acto, de modo a estes não se verificarem.

No entanto, de acordo com este princípio, se o erro base dessa invalidade consistir em algo irrelevante, deve fazer-se um aproveitamento do acto admnistrativo.

Por erro irrelevante toma-se o modo de decisão da administração pública, que seria no mesmo sentido do acto potencialmente nulo, não obstante da falta de disposição legal distinta.

Embora se considerem todas as formalidades previstas por Lei essenciais, aliás como resulta do Principio da Legalidade anteriormente mencionado, um desvalor jurídico deve ser evitado na medida do possível, devido a eventuais complicações decorrentes da segurança jurídica.

Como tal, o Principio de aproveitamento do acto admnistrativo deve ser tratado com cautela, uma vez que contraria de certo modo o Principio da Legalidade, não prescindindo da sua aplicação como forma de economizar a administração.

domingo, 19 de maio de 2013

Teoria da imprevisão - relação com o Facto do Príncipe


De acordo com o nº6 do artigo 1º do CCP, um contrato administrativo define-se como acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação. Celebrado entre contraentes públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos, que se integre em qualquer uma das seguintes categorias:
a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público; 
b) Contratos com objecto passível de acto administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos; 
c) Contratos que confiram ao co-contratante direitos especiais sobre coisas públicas ou o exercício de funções dos órgãos do contraente público; 
d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do co-contratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.
Depois de dado conceito legal de contrato administrativo, passemos ao tema em questão. O problema que pretendo avaliar dá-se aquando da execução do contrato. A execução implica, tal como pede o 286º CCP, o exercício de direitos ou poderes e o cumprimento de deveres ou obrigações resultantes do contrato, numa atitude de boa fé e em conformidade com o interesse público. E uma das características mais relevantes dos contratos administrativos e a salvaguarda do equilíbrio financeiro. Este princípio pode-se ver atingido sem que nenhuma das partes seja imputável, por factos estranhos à vontade dos contraentes. A origem destes factos, define diferentes perturbações. Pretende-se dar maior relevo ao facto do Príncipe, mas para que este seja compreendido é necessário que se estudem outras situações necessariamente ligadas àquele.
O Professor Marcello Caetano debruçou-se sobre o problema da teoria da imprevisão. Em primeiro lugar distinguiu as situações em que o cumprimento dos contratos de tornava totalmente impossível por algum facto imprevisível e estranho à vontade dos contraentes; chamava-se o caso de força maior, onde, perante a impossibilidade, o particular ficava desonerado de responsabilidade pelo incumprimento. E se assim estivesse estipulado no contrato, o risco correria por conta da Administração que teria de indemnizar o co-contratante pelos danos sofridos.
Em segundo lugar, caracterizou o caso imprevisto. Neste, o contrato continuava plausível de ser cumprido mas o facto estranho à vontade dos contraentes, determinava a modificação das circunstâncias económicas gerais, tornando a execução do contrato muito mais onerosa para uma das partes do que caberia no risco normalmente considerado.

A teoria da imprevisão surge, pela primeira vez em 1916, num caso julgado pelo Conseil d’Etat em que litigavam a Compagnie du Gaz de Bourdeaux e a respectiva municipalidade. Sustentava-se que se devia condenar o contraente de direito público a satisfazer à outra parte uma indemnização pelas perdas consideráveis devidas à manutenção das tarifas anteriores a 1914 e a elevação enorme do custo do carvão provocado pela guerra. O Conseil aceitou o raciocínio segundo o qual a ruína do co-contratante comprometia a necessária continuidade da satisfação das necessidades públicas, sendo do interesse da Administração manter o contrato. Para isso, haveria que partilhar os ónus entre as duas partes, assegurando ao particular uma indeminização de imprevisão que, não cobrindo todo o défice, permitiria que o contrato continuasse ser cumprido. Estes tipos de indeminizações destinam-se sempre a danos emergentes e nunca a lucros cessantes. A partir de 1932, o Conseil utilizou a teoria da imprevisão noutro sentido: apenas se aplicaria a situações temporárias, servindo as indeminizações para permitir que o co-contratante consiga ultrapassar as dificuldades momentâneas. O caso em concreto, tratava de uma concessionária de um serviço de transportes por carros eléctricos, a quem a jurisdição administrativa reconheceu o direito à indeminização de imprevisão, mas acabou por verificar que os défices derivavam da concorrência vitoriosa dos serviços privados de transporte por autocarros e que a situação era irremediável. Ao se verificar que o défice é irreversível, seria anti-económico e contrário ao interesse geral, perpetuar tal situação. O serviço público ou se adaptava às novas situações ou se rescindia o contrato de concessão.
Como se verifica, a teoria da imprevisão chega a França por via jurisprudencial. Em Portugal, isso não acontece. Encontramos sim, vários diplomas legais que se baseiam na teoria da imprevisão desde o Decreto nº 1536 de 27 de Abril de 1915 ao Decreto-lei 47954 de 16 de Setembro de 1967. De acordo com o Professor Marcello Caetano, e com base nesta legislação, as regras gerais da teoria da imprevisão seriam:
a)      A superveniência de circunstâncias económicas excepcionais imprevisíveis à data da celebração do contrato administrativo e que tornem mais onerosa a sua execução pelo contraente particular, justifica a alteração dos contratos;
b)      Os encargos excepcionais são reparados:
- por meio de revisão dos contratos com aumento dos preços dos fornecimentos ou das tarifas dos serviços concedidos, quanto aos contratos de fornecimento ou de concessão;
- pela atribuição de uma indeminização aos empreiteiros de obras públicas;
c) são considerados encargos excepcionais os que representem incomparável sacrifício.
A teoria da imprevisão tem por base o seguinte raciocínio: sendo o particular, de certa forma, colaborador da Administração, pondo ao serviço do interesse públicos o seu interesse privado, disposto a correr o risco normal de empresa, sem que lhe seja pedido um sacrifício desinteressado e excepcional, resulta a consequência de que se o contrato tiver de ser executado em conjuntura económica que subverta o equilíbrio financeiro estabelecido e não tivesse podido ser prevista no momento da celebração, a Administração deve partilhar dos prejuízos verificados ou rever o contrato de modo a estabelecer a base de justiça comutativa, essencial ao reconhecimento legal da respectiva validade.
Os grandes períodos de perturbações económicas por que Portugal tem passado, originam muitas indeminizações por imprevisão, principalmente na sua forma mais característica, já falado direito de revisão dos preços. Este passou a ser previsto em legislação aplicável a certo tipo de contratos administrativos, como as empreitadas de obras públicas e surgia também consagrado nos próprios contratos, como forma de manter e restaurar o equilíbrio financeiro destes, contra alterações anormais.
Como verifica o Professor Freitas do Amaral, o CCP altera este regime de indeminização por imprevisão:
1º Além de admitir a modificação do contrato ou de atribuição de uma compensação financeira por decisão judicial ou arbitral com base em alteração das circunstâncias (311º nº1; 312º al. a); 314º nº2), aceita também a resolução do contrato (quer por via de decisão judicial ou arbitral, qer por decisão do contraente publico, com fundamento na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias – 330º/c); 332, nº 1/a), nº2 e nº3; e 335º)
2º O CCP prevê que a revisão dos preços só é admissível se o contrato o determinar e fixar os respectivos termos, nomeadamente o método de cálculo e a periodicidade (art. 300º). Esta limitação não prejudica os casos em que haja lugar à reposição do equilíbrio financeiro (282º); em que haja partilha de benefícios no quadro das PPP (341º); e em que haja revisão ordinária de preços no âmbito do contrato de empreitadas de obras públicas (382º).
Passando agora ao caso do Facto do Príncipe, este acontece em casos de contratação pública continuada, quando entram em vigor disposições normativas com impacto sobre a execução do contrato. Por exemplo, um acto legislativo impõe a adopção de novas medidas de segurança na construção que devem ser implementadas pelos empreiteiros e concessionários de obras públicas.
O Facto do Príncipe distingue-se do exercício de poderes de modificação e resolução unilateral em quatro pontos:
a)      O Facto do Príncipe decorre de actos normativos e não necessariamente de actos da função administrativa, ao contrário dos poderes de modificação e resolução unilateral;
b)      O Facto do Príncipe tem impacto sobre o contrato não o tem por objecto, a contrário dos ditos cujos poderes;
c)      O Facto do Príncipe pode resultar da conduta de um órgão de uma pessoa colectiva Pública estranha ao círculo contratual. Os poderes de modificação e resolução unilateral são sempre exercidos por órgãos da pessoa colectiva administrativa que é parte do contrato;
d)      O Facto do Príncipe pode limitar-se a alterar as circunstâncias que o contrato pressupõe, enquanto que os poderes de modificação e resolução unilateral afectam sempre de forma imediata o conteúdo ou a própria subsistência do contrato.
O Facto do Príncipe, porém, partilha de certos problemas com os poderes de modificação e resolução unilateral como o facto de o co-contratante de administração ser tutelado, uma vez que não lhe deve ser imputado o risco do Facto do Príncipe.
Verifica-se, então, a parecença do problema do facto do príncipe com o problema da alteração das circunstâncias. Daí que o Professor Freitas do Amaral defende que a sua consequência típica é a do caso de força maior, em que o devedor fica exonerado da obrigação (sendo  o cumprimento do contrato impossível) ou a do caso imprevisto, em que o devedor tem direito a uma indeminização, ou à revisão dos preços ou outra forma de restabelecimento do equilíbrio financeiro.
O Professor Marcelo Rebelo de Sousa fala de uma lacuna do CCP, sendo integrada nos termos gerais. O Professor faz uma separação entre factos do príncipe próprios do contraente público e os imputáveis a pessoas colectivas estranhas à relação contratual. No primeiro caso aplicam-se os regimes de modificação e resolução unilaterais porque as situações são idênticas estrutural e materialmente. No segundo caso, cai-se no regime das pretensões indemnizatórias por sacrifício de direitos patrimoniais privados.

Mariana Amaral
nº 21954

Aplica-se o Direito Público ou o Direito Privado?

Aplica-se o Direito Público ou o Direito Privado?

O Direito Administrativo tem surgido predominantemente como Direito Público porque, como nós já sabemos desde o semestre passado, é este o ramo de Direito que prossegue o interesse público, o principal fim da Administração Pública. No entanto, mais recentemente tem-se discutido se o Direito Privado também poderá ser aplicado no âmbito desse fim, entrando-se assim no fenómeno da "Fuga para o Direito Privado". Assim, o Direito Privado e a Administração Pública poderão encontrar algum tipo de relação.
Primeiramente, essa relação vai-se traduzir na hipótese de o Direito Privado constituir um limite da actividade administrativa lícita, isto é, se o Direito Privado protege as esferas jurídicas dos particulares, fixando nelas barreiras de licitude que outros sujeitos particulares não podem ultrapassar, também pode fixar essas barreiras de licitude para a actividade da Administração, sob pena de esta poder estar a cometer actos ilícitos.
 Regressando à questão acima levantada, daqui resultam duas teorias, que vão discutir se a relação entre o Direito Privado e a Administração Pública pode também derivar da utilização directa de meios e instrumentos de Direito Privado por parte da Administração. A primeira teoria é a Teoria Clássica, que engloba os defensores do natural recurso ao Direito Privado; a segunda teoria é a Teoria Moderna, que já vai englobar aqueles que defenderam a prevalência do Direito Público.
Começando-se pelos classicistas, estes dizem que o recurso ao Direito Privado vai permitir afastar alguns trâmites processuais, ao nível de controlos burocráticos, financeiros e contabilísticos, que eram exigidos pelo ramo do Direito Público, alcançando-se assim os fins da Administração Pública através de uma forma mais célere, flexível e eficaz. E, como sabemos, os fins da Administração Pública passam sempre pelo interesse público. De facto, o interesse público está definido como sendo o objectivo da Administração mas, contudo, não está estabelecida a forma de como o prosseguir. Assim, com este argumento se explica que, se o Direito Privado se mostrar como a opção mais completa e aperfeiçoada para chegar até ao interesse público, a Administração Pública deve optar por este ramo do Direito. A título de exemplo, sempre que o Direito Privado acelere os processos administrativos, ao invés daquilo que faz o Direito Público, o primeiro deve ser escolhido. E sempre que o legislador qualifique no acto instituidor de uma pessoa colectiva que esta é de Direito Privado, será sempre essa forma e regime que deverá ser adoptado na sua actuação, porque o Direito Privado está também qualificado para prosseguir o interesse colectivo. Não se considera assim, para a Teoria Clássica, que haja uma preferência do Direito Público sob o Direito Privado.
 A Teoria Moderna põe em causa aquilo que é dito pela Teoria Clássica. Consideram, então, que a eficácia pretendida pelos classicistas, quando dizem que o Direito Privado permitiria acelerar processos com a dispensa das burocracias do Direito Público, não mais passa de uma escapatória da Administração às exigências do Direito Público, optando-se assim não pela via mais eficaz, mas sim pela via do facilitismo e menos perfeccionista. Os modernistas afirmam ainda que aceitam que haja situações em que seja inevitável recorrer ao Direito Privado, até por não haver regime equiparável no Direito Público em relação a algumas matérias, mas, contudo, dão uma preferência ao Direito Público, nomeadamente nos casos em que o legislador denomina a pessoa colectiva como de Direito Privado mas que, interpretando à luz do Artigo 9.º do Código Civil, claramente se afere que o fim da pessoa colectiva é a prossecução de fins públicos, aos quais se devem aplicar as proposições adequadas de Direito Público, dado que é este o ramo característico da prossecução dos interesses colectivos e não dos interesses particulares, como o é o Direito Privado. Ou seja, a figura da interpretação da lei do Artigo 9.º permite que o intérprete não fique preso ao âmbito legal, vinculando-se àquilo que o legislador diz. 
Com a exposição destas duas posições, é necessário retirar-se algumas ideias conclusivas. A primeira passa claramente pela ideia geral de que o Direito Privado na prossecução do interesse público tem de ser considerado como válido e pertinente, até porque o Direito Administrativo Privado acaba por ser criado pelo legislador, ainda que através de uma remissão genérica tácita. Não se trata, portanto, de uma questão de interpretação da lei, mas sim da adequabilidade de um ou outro ramo de Direito para fazer frente às exigências do problema administrativo. De facto, aqui reside a segunda conclusão: o recurso ao Direito Privado só seria feito na medida do necessário, invocando-se para o efeito o artigo 5º/2 do Código do Procedimento Administrativo. Com este argumento, afasta-se a ideia da "Fuga para o Direito Privado" na medida em que se tenciona fugir às exigências do Direito Público. Por fim, a última conclusão reside na ideia de que de facto se utiliza o Direito Privado, mas há sempre limitações a essa utilização por entidades jurídico-públicas, nomeadamente quanto aos princípios constitucionais e administrativos (Artigos 266.º e 267.º da Constituição da República Portuguesa e Artigo 5.º, n.º2 do Código de Procedimento Administrativo, e quanto ao Princípio da Liberdade de Escolha Limitada, em que o recurso ao Direito Privado só deve ser feito na medida em que tal seja conveniente para a prossecução dos fins de uma qualquer entidade pública, no contexto da especialidade das suas atribuições e com exclusão dos seus poderes de autoridade.

Duarte Mota
Nº 22068

O Acto Administrativo - Nulidade vs Anulabilidade



Comecemos por compreender o alcance da expressão, amplamente utilizada, “acto administrativo”: este corresponde a um acto jurídico, unilateral, orgânica e materialmente administrativo e que traduz uma decisão destinada a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta, tal como decorre do CPA.
Ora, estes actos, podem padecer de diversos desvalores que afectam nomeadamente a sua validade, sendo duas especificamente as modalidades de invalidade que irei abordar: a nulidade e a anulabilidade, porquanto juridicamente próximas e geradoras de certos equívocos.
Assim, no que toca à nulidade, esta vem referida no art. 133º, numa definição ampla de “acto nulo” (e inexistentes), referindo no seu n.º2 alguns exemplos de actos nulos, avaliando requisitos de validade e de eficácia, nomeadamente quanto à competência do autor do acto, ao seu destinatário, à forma, ou ao procedimento, entre outros como a publicidade ou a notificação aos interessados.
Neste ponto, cabe esclarecer que o regente desta cadeira, é do entendimento que cumprindo estes requisitos, seria o acto válido e eficaz, pronto a produzir efeitos.
Ora, a nulidade, é a sanção mais gravosa, não sendo a sanção regra, que dá pelo nome de anulabilidade, apresentando não só requisitos menos exigentes como consequências menores.
Assim, no caso da nulidade, o acto é tido como totalmente ineficaz desde o início, sendo a mesma insanável. No que diz respeito ao prazo para a arguir, este não existe, podendo a mesma ser impugnada a todo o tempo, e ser reconhecida por qualquer órgão administrativo (cfr. Arts. 134º e 137º do CPA). Mais, dada a inexistência do acto desde o momento inicial, tanto os particulares como os serviços administrativos poderão desobedecer a qualquer ordem que conste do acto nulo.
De esclarecer apenas que somente os órgãos administrativos com poderes de controlo no caso específico podem declarar, com força obrigatória geral, a nulidade do acto administrativo. O que estará ao dispor de qualquer órgão adminstrativo será, ao tomar conhecimento da nulidade, não aplicar o acto.
Já no que diz respeito à nulidade, esta é, como se referiu anteriormente um desvalor com uma menor “intensidade”, incidindo sobre questões menos graves, senão vejamos:
O acto anulável é juridicamente eficaz, ou válido, até ao momento em que venha a ser anulado ou suspenso, nos termos do art. 127.º, n.º2 do CPA, sendo tal anulabilidade  sanável, quer pelo decurso do tempo (um ano), quer por ratificação, reforma ou conversão, à luz dos art. 136.º, n.º1 e 141.º, n.º1 do CPA.
Por outro lado, até à declaração de anulabilidade do acto, este é obrigatório, quer para os funcionários público, quer para os particulares, não sendo possível opor qualquer resistência, à execução forçada de um acto anulável.
O acto anulável dispõe, ao contrário do acto nulo, de prazo para anulação e tal apenas poderá ser requerido perante um tribunal administrativo, denominando-se a sentença proferida de “natureza de anulação”, com natureza constitutiva.
De modo semelhante ao que ocorre com o acto nulo, esta sanção tem efeitos retroactivos e por isso, sendo declarada a anulabilidade do acto, será como se este nunca tivesse sido praticado.
Deste modo, é notório o regime semelhante em certos aspectos entre nulidade e anulabilidade, ainda que o primeiro seja, desde logo, menos utilizado, até porque tem carácter excepcional, sendo a regra, o regime da anulabilidade (daí que o próprio CPA tenha a necessidade de enumerar taxativamente os actos que poderão ser considerados nulos).