Pretendo tratar de um
procedimento pré-contratual em concreto, o ajuste directo. Este é reconhecido
pelo CCP e, de acordo com o seu artigo 16º, certos contratos devem ser
precedidos de um procedimento que vise a minimização de despesas e/ou a maximização
das receitas da Administração, daí ser expressamente referido o Princípio da
concorrência: quando existem várias entidades dispostas e capazes de celebrar
um contrato com o Estado, este deve optar pela mais eficiente em termos de
custo/qualidade.
O ajuste directo é definido
no artigo 112º CCP:
O ajuste directo
é o procedimento em que a entidade adjudicante convida directamente uma ou
várias entidades à sua escolha a apresentar proposta, podendo com elas negociar
aspectos da execução do contrato a celebrar.
Após o novo CCP,
o ajuste directo passou a englobar (i) o concurso limitado sem publicação prévia
de anúncio ou sem apresentação de candidaturas, (ii) o procedimento de negociação
sem publicação prévia de anúncio e (iii) a consulta prévia, ou seja, o actual
ajuste directo com consulta a mais do que uma entidade. Também no novo CCP. O ajuste
directo pode ser escolhido em alternativa ao concurso público ou ao concurso
limitado, embora essa escolha condicione o valor do contrato, como refere o
artigo 18º CCP. Ao longo do código, vão sendo estabelecidos tectos de valores
de negócios diferentes para cada procedimento pré-contratual e no ajuste
directo, os valores tendem a ser sempre os mais baixos. Isto porquê? Como se pode
verificar, o ajuste directo origina um contrato em que um dos co-contraentes é
alguma entidade escolhida directamente pelo Estado, o que mostra que o
princípio da concorrência, se este procedimento não for controlado, pode sair
danificado. Assim, quanto maior for a dimensão financeira do contrato, maiores são
as exigências impostas pelo princípio da concorrência e, por isso, mais solene
e formalizado deverá ser o procedimento pré-contratual aplicável.
Passando agora à
caracterização deste instituto, pode-se dizer que está no polo oposto da contratação
pública, uma vez que esta admite a apresentação de propostas de qualquer
entidade desde que satisfaçam os requisitos normativamente estabelecidos, não havendo
qualquer fase de qualificação dos interessados. De acordo com a classificação
do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o ajuste directo é um (i) procedimento
fechado no que se refere ao seu universo subjectivo, porque só podem apresentar
propostas, os interessados que sejam convidados pela Administração; (ii) o seu
caderno de encargos tem uma formação estritamente unilateral (art. 115º nº4)
porque resulta de uma decisão tomada pela Administração sem qualquer prévia participação
formal do potencial universo dos interessados em contratar. Quanto ao (iii)
grau de rigidez das propostas, a Administraçao admite negociação embora esta
esteja na margem de livre decisão daquela (arts. 112º e 115º nº2).
Ao longo do CCP,
surgem algumas características do ajuste directo (que, normalmente são partilhadas
com outros procedimentos pré-contratuais) que vale a pena fazer referência. Em
primeiro lugar, o artigo 24º nº1 enumera casos em que o ajuste directo pode ser
escolhido, qualquer que seja o valor do contrato em questão, nas situações ali
enumeradas. Isto acontece, mais uma vez, devido ao peso do princípio da
concorrência. Este é menor em termos absolutos (por exemplo, nos casos em que
anteriores procedimentos de concurso público não tenham produzido a
concorrência esperada) ou em virtude de necessidade de compatibilização com
outros interesses (é o caso da urgência na celebração do contrato).
Há também que
referir o artigo 31º CCP: este estipula que o ajuste directo não pode ser
utilizado para a formação de contratos de concessão de obras públicas, para concessão
de serviços públicos e de sociedade. No entanto, poderá excepcionalmente ser
utilizado quanto aos últimos dois casos, quando razões de interesse público
relevante o justifiquem (art. 31º nº3).
Passemos agora à
tramitação procedimental do ajuste directo. Avaliaremos duas questões mais
relevantes e controversas:
1º Número de
entidades a convidar no ajuste directo.
O art. 114º nº1
CCP, vem reforçar o 112º (que refere que a entidade adjudicante pode convidar
uma ou mais entidades), definindo:
A entidade
adjudicante pode, sempre que o considere conveniente, convidar a apresentar
proposta mais de uma entidade.
Daqui se retira que não existe
nenhum dever de consultar mais do que uma entidade, fora os casos do art. 114/2
que exige que sejam convidados ao procedimento todas as entidades que
participaram em concurso de concepção. O Professor Miguel Raimundo chama a
atenção para um ponto relevante que pode contrariar, em certos casos este
regime. Como se verifica no artigo 7º CCP, os limites impostos remetem para a
Directiva 2004/18/CE. Esta, em princípio só se aplicaria aos contratos que
respeitassem o limiar nela previsto. Mas existem excepções: os chamados casos
transfronteiriços certos que podem ser relevantes a nível internacional,
atraindo entidades dispostas a contratar estrangeiras. Nestes casos, o TJUE
exige um dever de publicidade do procedimento relativo à celebração desse
contrato. Daqui conclui-se que a entidade adjudicante passa a ter de aceitar
propostas de entidades que não convidou mas que podem estar interessadas no
contrato. Como conclui o Professor Raimundo, há que fazer uma interpretação conforme
o Direito comunitário que limite a excessiva margem de livre apreciação da
entidade adjudicante. Esta terá de averiguar se o contrato terá valor transfronteiriço,
obrigando-a à publicação do contrato, dever esse que não é imposto no ajuste
directo, com base nas normas do CCP.
2º Identidade das entidades a
convidar
O art. 113º nº2 estipula:
2 - Não podem ser convidadas
a apresentar propostas entidades às quais a entidade adjudicante já tenha
adjudicado, no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores, na
sequência de ajuste directo adoptado nos termos do disposto na alínea a) do artigo 19.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 21.º, consoante o caso,
propostas para a celebração de contratos cujo objecto seja constituído por
prestações do mesmo tipo ou idênticas às do contrato a celebrar, e cujo preço
contratual acumulado seja igual ou superior aos limites referidos naquelas
alíneas.
Numa primeira leitura, conclui-se que esta
norma pretende preservar os princípios da transparência e da imparcialidade. E poderá
servir também para evitar relações de dependência das entidades adjudicantes em
relação a determinadas empresas. As entidades públicas, ao terem parceiros privilegiados,
estariam a violar o principio da concorrência e do igual tratamento.
Outra vez, o Professor Miguel Raimundo, faz
uma interpretação deste preceito. A seu ver, este é muito exigente e mal
concebida porque visa, em primeiro lugar, o convite a entidades que não tenham
sido adjudicatárias de determinado bem ou serviços nos anos anteriores enquanto
que deveriam priveligiar a aferição da melhor relação qualidade-preço. Pode até
a vir prejudicar a concorrência pelo facto de um fornecedor, que poderá ser o
melhor fornecedor do mercado, ficar impedido de prestar bens ou serviços por o
já ter feito em anos anteriores. Prejudicará também o objectivo primeiro da contratação
pública porque reduz as melhores relações de preço-qualidade a um mercado
artificialmente reduzido ao conjunto de agentes económicos que não se enquadre
na situação do art. 113º nº2.
Assim, a proposta do Professor Raimundo é a
de que se faça uma interpretação no sentido de que só impede o convite
individual a uma entidade que se encontre nas condições referidas no art 113º
nº2, e não o convite a essa entidade em conjunto com outras para apresentar
proposta em ajuste directo. Quando haja mais do que uma entidade convidada, o
ajuste directo passa a ser um procedimento concorrencial, o que faz com que a
negociação (que o Professor Raimundo considera obrigatória nestes casos, ao
contrário do Professor Marcelo Rebelo de Sousa) seja necessariamente
competitiva.