O novo regime fundacional veio
pela primeira vez neste ano de 2012 a ser considerado pelo legislador
português, aceitando-o e explicitando uma nova definição: Fundações públicas de
direito público e fundações públicas de direito privado (Artigo 4º, nº1, alínea
b) e alínea c) da Lei nº 24/2012, de 9 de Julho, respectivamente). Há muito que
se necessitava da atenção do legislador para esta matéria, no entanto, pensamos
que terá sido precipitada quanto à sua aplicação prática.
Até então, tal como poderá ser
confrontado pelo “Relatório de Avaliação
das Fundações” e a contrario pela
Lei-quadro das Fundações (Lei nº 24/2012, de 9 de Julho), existiriam em Portugal apenas dois tipos de fundações, as
fundações privadas, reguladas somente pelo direito privado, todavia susceptível
de algum investimento público, e fundações públicas de direito privado, até
então somente entendidas como fundações públicas contudo exemplo extensível de
uma fuga para o direito privado, onde todos os contratos e regulamentos aplicados
se submeteriam às regras desse.
Ora a nova lei veio assim
reforçar uma ideia de necessidade de redução do número de fundações com
investimento público e sujeitas ao regime de direito privado, passando assim a
exigir-se que as fundações públicas de direito privado sejam extintas dando
espaço ao novo tipo de fundações públicas de direito público (Artigo nº4, nº1, alínea
b) e com interpretação extensiva do Artigo 57º da presente Lei nº 24/2012, de 9
de Julho), passando assim as fundações, em toda a sua génese e desenvolvimento
de actividade, submetidas ao regime do direito público, mais concretamente pela
Lei-quadro dos Institutos Públicos (Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro).
Mas qual será a necessidade do legislador ter doravante submetido ao
regime público as fundações e deixar para trás, como parte integrante da
história do regime fundacional português, a intervenção do direito privado?
Bom, parece-nos claro que para
além de todas as justificações governamentais do assunto, tratando-se somente
de uma imposição do “Memorando da Troika”,
que estaremos perante uma tentativa mitigada de redução do passivo do Estado.
Mas de seguida, perguntar-se-á a si mesmo o leitor: submetendo-se a um regime mais livre como é o direito privado como
poderão as Fundações ser consideradas uma parte importante da redução do
passivo? Pelo “Relatório de Avaliação
das Fundações”, elaborado dos termos da Lei nº1/2012, de 3 de Janeiro, é evidente que se poderá detectar que o
próprio regime submetido ao direito privado tenha levado a um grande
investimento por parte do Estado, uma vez que em média o Estado nas fundações
onde doava uma pequena percentagem de património nos dez anos subsequentes de
vida da Fundação acabaria por ser quase na sua integralidade constituída
somente por património do Estado. O que há partida se teria pressuposto que
traria algum benefício a estas instituições acabou por se revelar numa grande
manifestação de investimento por parte do Estado.
Por outro lado, também poderá ser
equacionada esta regressão por consequência de um desvirtuamento do substrato, ou
seja, as autarquias locais terão tido um papel fundamental na instituição de
fundação públicas de direito privado (são cerca de 130 as entidades públicas
que directa ou indirectamente participaram em fundações) sendo que presume-se,
não havendo de nosso conhecimento nenhum precedente que o confirme, uma
intenção de obter fundos europeus para a realização de actividades que em nada
teriam a ver com o interesse público. Tal como o Prof. Dr. Vasco Pereira da
Silva afirma, e com o qual nós concordamos, não seria concebível existirem fundações,
que fossem fundadas ou apoiadas pelas autarquias interessadas, de propaganda do
vinho e da vinha por simplesmente tal matéria não se encontrar tanto na Lei (aliás
o Artigo 3º da Lei nº 21/2012, de 9 de Julho refere quais os critérios para a
aquisição do estatuto de utilidade pública) como na noção geral do princípio da
prossecução do interesse público. Cabe-nos assim relembrar que as Fundações
fazem parte da Administração Indirecta, a qual detém a principal finalidade de
prosseguir algumas das atribuições do Estado de prossecução do interesse
público.
Mas será que este novo regime conseguirá mesmo alterar esta tão
inevitável realidade do passado?
Compete-nos
dizer em primeira análise que a lei sofre de algumas gralhas. A primeira que
poderemos apontar será precisamente aquela que referimos anteriormente quanto à
justificação da nova lei, e da passagem obrigatória da submissão ao direito privado
para o direito público. A nova lei, podemos assim pressupor nesse aspecto, que
não levará a melhor, uma vez que continua a prever que o Estado se possa aliar
a privados para consentir e formar novas fundações (o Artigo 4º, nº1, alínea a)
da Lei 24/2012, de 9 de Julho refere o seguinte “Fundações privadas, as fundações por uma ou mais pessoas de direito
privado, em conjunto ou não com pessoas colectivas públicas, desde que estas isolada
ou conjuntamente, não detenham sobre a fundação uma influência dominante”; veja-se
que o legislador também terá tido a preocupação de no nº2 do artigo
anteriormente referido explicitar o que se deverá entender por “influência dominante”). Essas fundações
que terão uma maioria patrimonial privada poderão com o decurso do tempo,
inverte-se nesse sentido, sendo que o Estado poderá nos anos subsequentes
consentir uma maioria patrimonial maior que os entes privados fundadores. A
solução que consideramos que poderia ser viável, tendo em conta a intenção da
nova lei, será que ao cair-se nesse erro estaríamos novamente perante fundações
públicas de direito privado, sendo que a lei as proíbe, a solução seria uma
alteração à denominação da fundação. Porém a lei em nada diz, que esta transição
de denominação poderá ser efectuada, e por isso partimos do princípio que não o
seria. Ou seja, a lei consentindo que haja essa alteração a Fundação será
sempre uma fundação de direito privado, contudo com um maior investimento público,
ou seja caindo na definição dada pelo legislador, de ser uma fundação pública
de direito privado. Mas vejamos outro aspecto. Imaginemos que no acto de
criação da fundação o Estado tem como percentagem do património inicial, 49%,
sendo que o ente público fundador terá 51%. Será que estes dois pontos
percentuais farão diferença na tomada das decisões? Será que elas serão
delimitadoras da intervenção do direito privado no direito público? A resposta
certamente se visualizará com o decorrer do tempo, mas parece-nos que não seja
assim tanta a diferença, aliás o investimento será ela por ela. Não será
contudo impossível, neste raciocínio lógico, que o Estado possa continuar a
prosseguir os seus fins através de uma fundação privada, com quase
maioritariamente investimento público, pelas normas de direito privado.
Portanto concluímos que talvez esta designação, ou esta explicitação de
conceitos, que não deveria caber ao legislador, mas sim à doutrina, apesar de julgarmos
que terá sido elaborada com a melhor das intenções, poderá jogar um tanto ao
quanto contra ele mesmo, ou contra a própria modificação do regime que a
própria lei terá tido intenção de fazer.
Contudo, ainda não é
suficientemente clara quanto a alguns aspectos. O legislador terá descuidado em
alguns aspectos primordiais desta alteração mantendo-se atento a tantas outras
com importância reduzida. Um desses pontos será o regime de transição de uma
fundação pública de direito privado, para uma fundação pública de direito
público. Infelizmente ainda não temos doutrina suficiente para poder dar alguma
solução a esta lacuna, porém podemos à partida considerar que será tamanhamente
difícil consegui-lo, uma vez que as próprias Fundações prosseguem os seus fins
de interesse público através dos seus regulamentos próprios, tendo já sido
referido que as leis das fundações seriam os próprios regulamentos. Toda esta
alteração implicará uma alteração desses regulamentos, e note-se que em
Portugal existem contabilizadas pelo “Relatório
de Avaliação das Fundações” pelo menos 99 fundações públicas de direito
privado, será certamente um processo demorado. É assim uma lei que não prevê
uma alteração momentânea mas regulará para o futuro, se esta recém-nascida
conseguir vingar na vida, o que consideramos complicado, e pelo que
anteriormente dissemos, certamente se conseguir crescer sofrerá de uma
psicopatologia, tal como se terá revelado na história do Direito
Administrativo, de síndrome de Édipo pois vigorará sempre e tentará encontrar,
embora que inconscientemente, uma saída igual à dos seus antecessores, uma
saída para o direito privado.
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