domingo, 16 de dezembro de 2012

Fundações Públicas de Direito Privado Vs Fundações Públicas de Direito Público


O novo regime fundacional veio pela primeira vez neste ano de 2012 a ser considerado pelo legislador português, aceitando-o e explicitando uma nova definição: Fundações públicas de direito público e fundações públicas de direito privado (Artigo 4º, nº1, alínea b) e alínea c) da Lei nº 24/2012, de 9 de Julho, respectivamente). Há muito que se necessitava da atenção do legislador para esta matéria, no entanto, pensamos que terá sido precipitada quanto à sua aplicação prática.
Até então, tal como poderá ser confrontado pelo “Relatório de Avaliação das Fundações” e a contrario pela Lei-quadro das Fundações (Lei nº 24/2012, de 9 de Julho), existiriam em Portugal apenas dois tipos de fundações, as fundações privadas, reguladas somente pelo direito privado, todavia susceptível de algum investimento público, e fundações públicas de direito privado, até então somente entendidas como fundações públicas contudo exemplo extensível de uma fuga para o direito privado, onde todos os contratos e regulamentos aplicados se submeteriam às regras desse.
Ora a nova lei veio assim reforçar uma ideia de necessidade de redução do número de fundações com investimento público e sujeitas ao regime de direito privado, passando assim a exigir-se que as fundações públicas de direito privado sejam extintas dando espaço ao novo tipo de fundações públicas de direito público (Artigo nº4, nº1, alínea b) e com interpretação extensiva do Artigo 57º da presente Lei nº 24/2012, de 9 de Julho), passando assim as fundações, em toda a sua génese e desenvolvimento de actividade, submetidas ao regime do direito público, mais concretamente pela Lei-quadro dos Institutos Públicos (Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro).
Mas qual será a necessidade do legislador ter doravante submetido ao regime público as fundações e deixar para trás, como parte integrante da história do regime fundacional português, a intervenção do direito privado?
Bom, parece-nos claro que para além de todas as justificações governamentais do assunto, tratando-se somente de uma imposição do “Memorando da Troika”, que estaremos perante uma tentativa mitigada de redução do passivo do Estado. Mas de seguida, perguntar-se-á a si mesmo o leitor: submetendo-se a um regime mais livre como é o direito privado como poderão as Fundações ser consideradas uma parte importante da redução do passivo? Pelo “Relatório de Avaliação das Fundações”, elaborado dos termos da Lei nº1/2012, de 3 de Janeiro, é evidente que se poderá detectar que o próprio regime submetido ao direito privado tenha levado a um grande investimento por parte do Estado, uma vez que em média o Estado nas fundações onde doava uma pequena percentagem de património nos dez anos subsequentes de vida da Fundação acabaria por ser quase na sua integralidade constituída somente por património do Estado. O que há partida se teria pressuposto que traria algum benefício a estas instituições acabou por se revelar numa grande manifestação de investimento por parte do Estado.
Por outro lado, também poderá ser equacionada esta regressão por consequência de um desvirtuamento do substrato, ou seja, as autarquias locais terão tido um papel fundamental na instituição de fundação públicas de direito privado (são cerca de 130 as entidades públicas que directa ou indirectamente participaram em fundações) sendo que presume-se, não havendo de nosso conhecimento nenhum precedente que o confirme, uma intenção de obter fundos europeus para a realização de actividades que em nada teriam a ver com o interesse público. Tal como o Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva afirma, e com o qual nós concordamos, não seria concebível existirem fundações, que fossem fundadas ou apoiadas pelas autarquias interessadas, de propaganda do vinho e da vinha por simplesmente tal matéria não se encontrar tanto na Lei (aliás o Artigo 3º da Lei nº 21/2012, de 9 de Julho refere quais os critérios para a aquisição do estatuto de utilidade pública) como na noção geral do princípio da prossecução do interesse público. Cabe-nos assim relembrar que as Fundações fazem parte da Administração Indirecta, a qual detém a principal finalidade de prosseguir algumas das atribuições do Estado de prossecução do interesse público.
Mas será que este novo regime conseguirá mesmo alterar esta tão inevitável realidade do passado?
Compete-nos dizer em primeira análise que a lei sofre de algumas gralhas. A primeira que poderemos apontar será precisamente aquela que referimos anteriormente quanto à justificação da nova lei, e da passagem obrigatória da submissão ao direito privado para o direito público. A nova lei, podemos assim pressupor nesse aspecto, que não levará a melhor, uma vez que continua a prever que o Estado se possa aliar a privados para consentir e formar novas fundações (o Artigo 4º, nº1, alínea a) da Lei 24/2012, de 9 de Julho refere o seguinte “Fundações privadas, as fundações por uma ou mais pessoas de direito privado, em conjunto ou não com pessoas colectivas públicas, desde que estas isolada ou conjuntamente, não detenham sobre a fundação uma influência dominante”; veja-se que o legislador também terá tido a preocupação de no nº2 do artigo anteriormente referido explicitar o que se deverá entender por “influência dominante”). Essas fundações que terão uma maioria patrimonial privada poderão com o decurso do tempo, inverte-se nesse sentido, sendo que o Estado poderá nos anos subsequentes consentir uma maioria patrimonial maior que os entes privados fundadores. A solução que consideramos que poderia ser viável, tendo em conta a intenção da nova lei, será que ao cair-se nesse erro estaríamos novamente perante fundações públicas de direito privado, sendo que a lei as proíbe, a solução seria uma alteração à denominação da fundação. Porém a lei em nada diz, que esta transição de denominação poderá ser efectuada, e por isso partimos do princípio que não o seria. Ou seja, a lei consentindo que haja essa alteração a Fundação será sempre uma fundação de direito privado, contudo com um maior investimento público, ou seja caindo na definição dada pelo legislador, de ser uma fundação pública de direito privado. Mas vejamos outro aspecto. Imaginemos que no acto de criação da fundação o Estado tem como percentagem do património inicial, 49%, sendo que o ente público fundador terá 51%. Será que estes dois pontos percentuais farão diferença na tomada das decisões? Será que elas serão delimitadoras da intervenção do direito privado no direito público? A resposta certamente se visualizará com o decorrer do tempo, mas parece-nos que não seja assim tanta a diferença, aliás o investimento será ela por ela. Não será contudo impossível, neste raciocínio lógico, que o Estado possa continuar a prosseguir os seus fins através de uma fundação privada, com quase maioritariamente investimento público, pelas normas de direito privado. Portanto concluímos que talvez esta designação, ou esta explicitação de conceitos, que não deveria caber ao legislador, mas sim à doutrina, apesar de julgarmos que terá sido elaborada com a melhor das intenções, poderá jogar um tanto ao quanto contra ele mesmo, ou contra a própria modificação do regime que a própria lei terá tido intenção de fazer.
Contudo, ainda não é suficientemente clara quanto a alguns aspectos. O legislador terá descuidado em alguns aspectos primordiais desta alteração mantendo-se atento a tantas outras com importância reduzida. Um desses pontos será o regime de transição de uma fundação pública de direito privado, para uma fundação pública de direito público. Infelizmente ainda não temos doutrina suficiente para poder dar alguma solução a esta lacuna, porém podemos à partida considerar que será tamanhamente difícil consegui-lo, uma vez que as próprias Fundações prosseguem os seus fins de interesse público através dos seus regulamentos próprios, tendo já sido referido que as leis das fundações seriam os próprios regulamentos. Toda esta alteração implicará uma alteração desses regulamentos, e note-se que em Portugal existem contabilizadas pelo “Relatório de Avaliação das Fundações” pelo menos 99 fundações públicas de direito privado, será certamente um processo demorado. É assim uma lei que não prevê uma alteração momentânea mas regulará para o futuro, se esta recém-nascida conseguir vingar na vida, o que consideramos complicado, e pelo que anteriormente dissemos, certamente se conseguir crescer sofrerá de uma psicopatologia, tal como se terá revelado na história do Direito Administrativo, de síndrome de Édipo pois vigorará sempre e tentará encontrar, embora que inconscientemente, uma saída igual à dos seus antecessores, uma saída para o direito privado. 

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