domingo, 16 de dezembro de 2012

Portugal sem Ministério da Cultura



Escrevo este texto, devido a algo que me apercebi numa aula extra de Direito Administrativo, ao analisar a Lei Orgânica do Governo. Ora, se atentarmos na mesma, logo no seu artigo 2º, este indica-nos que integram o mesmo, os seguintes Ministros:
- Ministro do Estado e das Finanças;
- Ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros;
- Ministro da Defesa Nacional;
- Ministro da Administração Interna;
- Ministro da Justiça;
- Ministro Adjunto e dos Serviços Parlamentares;
- Ministro da Economia e do Emprego;
- Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, Ministro da Saúde;
- Ministro da Educação e da Ciência;
- Ministro da Solidariedade e da Segurança Social.
Presumivelmente, a cada Ministro dos indicados, corresponderá um Ministério, mas onde estava o Ministro da Cultura, para que possa haver o respectivo Ministério? Não aparecia e as minhas dúvidas foram dissipadas pelo professor que indicou que esse Ministério tinha “desaparecido”.
A minha perplexidade enquanto pessoa que gosta de arte e que a elas se dedica, nomeadamente à música e à produção de teatro, foi enorme e, pelos vistos não sou a única, dado que com a pesquisa sobre este tema, deparei-me com uma notícia que tinha o seguinte conteúdo:
«O ministro da Cultura do Governo grego, Pavlos Geroulanos, defende que os artistas são os “melhores” embaixadores do país e disse à Lusa, em Atenas, que é uma “pena” e uma “loucura” Portugal não ter um ministério dedicado à Cultura.»
Loucura… será certamente esta a palavra que me ocorreu perante tal constatação naquela aula. Por mera curiosidade, decidi pesquisar a palavra “cultura” no texto da Lei Orgânica, acreditando piamente, que o Governo não ignoraria na totalidade um sector tão importante para os portugueses e para a economia e, efectivamente, não me enganei. Há duas referências: uma, no art. 3º que refere no seu n.º 1: “O Primeiro-Ministro é co-adjuvado no exercício da sua função pelo Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, pelo Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro e pelo Secretário de Estado da Cultura” e a segunda, no art. 10º que diz respeito à composição da Presidência de Conselho de Ministros, departamento central do Governo e, da qual, faz parte o referido Secretário de Estado da Cultura.
Assim, cabe perceber as razões para a dissolução do Ministério e possíveis consequências, deixando de fora qualquer tipo de cores partidárias, apenas analisando friamente a questão, através de uma breve crítica:
Estamos numa conjuntura de crise, que não precisa de ser relembrada, dado que dificilmente é esquecida, mas ainda assim, acredito, tal como a referida Autoridade Grega na importância simbólica e política do Ministério. Estando o país no estado em está é importante desenvolver a imagem nacional, apostar naquilo que temos de bom, nas qualidades inerentes ao país, falando ao mundo através da cultura, através da arte, do cinema, da arquitectura, do teatro.
Temos jovens e adultos empreendedores, com vontade de relançar Portugal no meio internacional em qualquer uma destas áreas, mas se formos analisar deparamo-nos com o seguinte a título de exemplo: os apoios, subsídios e incentivos foram cancelados, no teatro, apenas um grande senhor deste meio sobrevive sem qualquer tipo de apoio Estatal, Filipe La Féria, mas para tal e com toda a justiça de acordo com a qualidade do que produz, enche diariamente a sala do Teatro Politeama, praticando uma média de 30€ por lugar (contando que a plateia é naturalmente mais dispendiosa que o balcão). Para levar a família ao teatro fica extremamente dispendioso, mas valores mais baixos não se podem praticar porque muitas pessoas estão envolvidas, actores, equipa técnica, figurinos, cenógrafos, músicos… Quanto aos restantes encenadores, que ocupam maravilhosos teatros como o D. Maria ou o Teatro Nacional S. Carlos, também esses se vêem obrigados a subir os preços o que leva a que as pessoas, cada vez menos optem pelo teatro como “programa de sábado à noite”.
Um dos nossos grandes objectivos deve passar por evitar que os jovens, sobretudo os estudantes e recém-licenciados, abandonem o país e precisamos de estabilidade, não pode estar um partido a criar o Ministério da Cultura para que outro o venha destituir da sua funcionalidade, mantendo no entanto um secretário de Estado da Cultura, tendo provavelmente como consequência o desorçamento da cultura e, nomeadamente, do apoio às artes.
É importante um Ministério autónomo para a cultura e não uma fusão deste com o da educação e da ciência, isso será aceitar um retrocesso num país que tem tanto para dar, não se pode “menorizar” este ministério. A cultura é um bem público, para todos e não só para as classes que conseguem subsistir mais endinheiradas, é necessário perceber a importância que a cultura tem. A cultura pode ser um garante de estabilidade, serve para criticar, para promover, para criar, a cultura pode ser muito mais do que mero adereço, pode inclusivamente ajudar no retrocesso da enorme crise social. Sim, porque acima de uma crise económica, estamos perante uma crise social, que se transformou numa crise de valores e em que já não há qualquer tipo de espaço para se deixar solucionar os problemas. A população quer medidas, mas não as deixa actuar, temos de ser conscientes e tal também passa por dar liberdade às pessoas para que possam desfrutar da cultura e para isso é preciso considerar a mesma. A boa vontade dos técnicos, realizadores e produtores não chega, é preciso mais, é preciso Estado!
Foram necessários muitos anos para o cinema e o teatro portugueses chegarem onde chegaram, acumulando prémios internacionais e de excelência reconhecida, e é preciso muito pouco para que isso seja colocado em causa.
Nestas condições, interessa perceber a necessidade de haver um novo secretário de estado, pois as suas funções não podem estar vazias de sentido. Ainda que sem Ministério, é necessário dar novo fôlego à cultura, criar novas políticas culturais, ajudar o país a reerguer-se e a apostar nas suas mais valias.
Ministérios há muitos sim, a crise é efectivamente real, mas não deixemos morrer a cultura, porque o país também vive dela.

Catarina Dias Sampaio, n.º 21995

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