domingo, 16 de dezembro de 2012

Um problema de hierarquia

Um problema de hierarquia

Durante a resolução de um caso prático numa aula, deparámo-nos com um problema de hierarquia que consistia na responsabilidade de acto ilícito. Não me recordo completamente do enunciado problemático, mas imaginemos uma hipótese em que o Ministro da Cultura (actualmente já não existe o Ministério da Cultura, mas à data da elaboração do caso ainda estava em funções) delega competências no Secretário de Estado da Cultura, ordenando-lhe que encerre, em seu nome, determinada instituição teatral, sem justificação aparente. Este transmite a mesma ordem ao Director Geral dos Serviços de Espectáculos, que fecha as portas do teatro em causa. Imaginemos agora que existe uma lei que declara como ilícito o acto que determine o encerramento de qualquer teatro, sem nenhum argumento justificativo. Este Director Geral sabe da existência da lei que proibe tal comportamento, mas nada pode fazer, e fecha as portas do dito espaço cultural, uma vez que possui um dever de obediência ao Secretário de Estado, seu superior hierárquico. A questão que se impõe, agora, é a quem atribuir a culpa do acto ilícito cometido.
Façamos a avaliação desde o início. O Ministro da Cultura e o Secretário de Estado da Cultura são entidades no mesmo nível hierárquico, uma vez que emanam os dois do mesmo órgão, são dois órgãos que provêm do mesmo órgão, o Governo. Apenas divergem no facto de que o Ministro tem poder de direcção e poder de competência, e o Secretário de Estado apenas tem o primeiro. Ora, no caso, o Ministro delega competências no Secretário de Estado, podendo fazê-lo graças ao segundo poder enunciado, e este pode dar ordens, mas não praticar actos. Dá ordens ao Director Geral dos Serviços de Espectáculos, e este tem que as cumprir, dado que possui dever de obediência a um superior hierárquico como é o Secretário de Estado.
O Director Geral dos Serviços de Espectáculos, como vimos, cometeu um acto ilícito e, teoricamente, terá de responder por responsabilidade civil. Contudo, este pode alegar que, mesmo tomando conhecimento da ilicitude que cometia, tinha que acatar as ordens do superior hierárquico e fazê-las materializar. E recebeu as ditas ordens do Secretário de Estado. Será, então, culpa deste? A resposta é negativa. Estando o Ministro e o Secretário de Estado no mesmo nível hierárquico, no caso onde há uma competência delegada pelo primeiro ao segundo, e uma ordem ilícita dada por este a um terceiro inferior hierarquicamente, a culpa seria, à partida, do Secretário de Estado, pois está ao mesmo nível do Ministro, mas foi ele que deu a ordem. Apesar disto, no nosso caso prático, verificamos que o Ministro delegou uma competência a ser concretizada em seu nome. Ora, aqui, as culpas acabam por recair por inteiro na pessoa do Ministro da Cultura. Se não tivesse referido que a competência atribuida iria produzir resultados em seu nome, aí nessa situação a responsabilidade já recaíria na pessoa do Secretário de Estado.
Pode referir o Ministro que quem tem de responder pela ilicitude é o Director Geral dos Serviços de Espectáculos porque foi ele que praticou o acto. Dessa intenção não resultariam os efeitos pretendidos pelo Ministro da Cultura, pois mesmo que o Director Geral não pudesse basear-se no artigo 271º/3 da Constituição da República (que diz que o dever de obediência só cessa com a prática de um crime decorrente da ordem recebida, o que não era o caso pois não estávamos perante um acto criminoso), podia sempre recorrer ao artigo 271º/2 da mesma Constituição, que refere que quem cumpre a ordem ilícita é ilibado da responsabilidade, a qual pertence a quem dá a ordem.
Por fim, julgo que é importante referir que o Ministro, se se apercebesse de que a culpa seria sua antes de o acto ser praticado pelo Director Geral, podia revogar a delegação de competências dada no início do processo ao Secretário de Estado. Esta revogação somente seria possível porque, como já foi dito, Ministro e Secretário de Estado encontram-se no mesmo patamar hierárquico.
Deste modo podemos verificar que, num caso caracterizado por estes moldes, surgiria um problema de hierarquia, dado o mesmo nível hierárquico entre os dois orgãos culposos da prática de um acto ilícito. Ficámos a saber a quem, de facto, se deve atribuir a real responsabilidade da ilicitude desse acto.

Duarte Mota, nº 22068

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